O Banheiro do Papa (El Baño del Papa, Uruguai/Brasil, 2007), filme de César Charlone e Enrique Fernandez, passou no Festival de Cannes 2007, conquistando o olhar europeu com seu cinema latino com algo de exportação. A história de pequena escala mostra um pai de família uruguaio que investe na construção de uma latrina para tentar lucrar com a visita de João Paulo II à sua cidadezinha, em 1988. Passa como uma parábola irônica sobre as relações comerciais e culturais entre países irmãos na América Latina. Deixa também curiosa sensação de nos dar um comentário político sobre um tipo específico de terceiro mundo com cheiro de alegoria sobre o Mercosul, embrionário nos anos 80 e estabelecido em 1991.
Não é muito difícil pensar no ideal de um mercado comum, aqui bagunçado pelas necessidades da pobreza, ao vermos Beto (César Troncoso), a imagem clássica da formiga operária, usando sua bicicleta velha para carregar pequenos contrabandos (que não fazem mal a ninguém) entre a fronteira brasileira e a uruguaia. Ele tem mulher e filha.
Acompanhado de colegas muambeiros que também pedalam longas distâncias, Beto é ainda explorado pelo poder personificado num policial corrupto com trejeitos de vilão. Esses muambeiros do bem tentam praticar o mini capitalismo, que consiste de comprar barato e revender mercadorias só um pouco menos baratas. E é a visita papal, com direito a papa móvel e missa em descampado, que será uma promessa de alguma prosperidade (fugaz), em especial por uma esperada presença maciça de fiéis brasileiros...
Curiosamente, essa presença ausente do grande Brasil, motor econômico da região e dos personagens, tem o mesmo efeito irônico das promessas não cumpridas via Igreja Católica, que o filme claramente critica não apenas em imagem, mas também em texto. Com conflitos humanos que lembram algo do neo-realismo italiano, adaptados para uma realidade latina, O Banheiro do Papa gera uma empatia interessante, muito embora a sua linguagem marcada por maneirismos e um olhar que me pareceu de fora para dentro termine deixando um sabor estranho na boca.
Charlone, hábil fotógrafo uruguaio, é parceiro de Fernando Meirelles em Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. Já filmou o suficiente para que sua marca pessoal seja identificada. Suas imagens são cheias de energia, permitindo uma naturalidade dos atores que não parece encontrar reflexo no tratamento do todo. Suas cores são dessaturadas, talvez para expressar o cinza dos personagens e da pequena localidade pobre e sem saída.
É emblemático, por exemplo, que o filme nos leve a uma montagem final de trabalhadores com expressões cansadas, em poses fotogênicos estáticos que aparecem com freqüência marcante em cine-crônicas sociais latinas (de Amarelo Manga a Diários de Motocicleta). Já um clichê, estabelece um tipo estranho de compaixão calculada, talvez a definição para o filme no seu todo.
Filme visto no UCI Tacaruna, Junho 2008, Recife
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