Saturday, May 24, 2008

La leçon de Cinéma de Tarantino

foto Eduardo Valente

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Um dos momentos que já virou tradição em Cannes é a Leçon du Cinema, onde o festival convida um autor inquestionável do cardápio de cineastas que o próprio festival já honrou em anos anteriores para, durante cerca de 90 minutos num palco, diante do público, falar sobre seus filmes. Ano passado, a Leçon du Cinema, pela primeira vez, foi transferida para a segunda maior sala do festival, a Debussy, com o cineasta convidado Martin Scorsese. Esse ano, Quentin Tarantino apareceu para, na quinta-feira, discutir cenas, idéias, método de trabalho e sua forma de fazer filmes. Tarantino ganhou em 1994 a Palma de Ouro por Pulp Fiction.

Com mediação do critico francês da Positif, Michel Ciment, Tarantino parecia à vontade como que conversando sobre filmes na varanda da sua casa num sábado à tarde, com os amigos. Chama a atenção nele uma capacidade de falar o que pensa sem qualquer verniz de intelectualização do seu trabalho, mas sempre em termos absolutamente pessoais. Diria que é o cineasta americano por excelência, totalmente apegado à experiência empírica sob o signo de um pragmatismo cortante.

Começou esclarecendo "a lenda urbana" de que ele teria aprendido tudo o que sabe trabalhando na vídeo-locadora Vídeo Archives, em Los Angeles. "Eu fui trabalhar ali por já ser um expert em cinema. Além de ter pulado fora do colegial antes de terminar, minha formação veio de ver filmes não apenas em salas alternativas dedicadas a clássicos, mas de pegar o guia de programação da TV e lê-lo de capa a capa, marcando os filmes que eu veria, ou que gravaria. Tão pensando que é como hoje, onde os filmes já estão todos separados em DVD?".

Essa cinefilia parece ter seguido um método, "descobrir um grande filme e ir atrás de todos os outros filmes daquele diretor, e isso aconteceu com Howard Hawks, Eric Rhomer, Sergio Leone, Mario Bava, Robert Aldrich, Brian de Palma..."

Ciment, ciente da quantidade de estudantes de cinema na platéia, fez a colocação obrigatória: "Qual o melhor conselho que você poderia dar para alguém que quer fazer filmes?" Tarantino, por experiência própria, disse que "bem melhor do que entrar numa escola de cinema e pagar uma pequena fortuna pela experiência é você partir para fazer seu próprio filme, mesmo sem dinheiro ou estrutura, pois esta será, de fato, a sua escola de cinema. Tentar fazer um longa sozinho com erros e acertos é a melhor escola de cinema que você jamais fará".

Ele contou que essa sua experiência prática veio de um projeto intitulado My Best Friend´s Birthday (O Aniversário do Meu Melhor Amigo), filme feito em 16mm que seria um curta e logo virou um longa que se arrastou por três anos, sempre filmando nos finais de semana. "Ia na locadora de equipamento e alugava na sexta porque, para o final de semana, só cobravam uma diária, e às vezes entregava a câmera na manhã da segunda depois de virar 48 horas trabalhando sem parar, para recomeçar no emprego no mesmo dia. Durante esses três anos, era claro que o material feito no início era muito ruim, mas que eu estava, aos poucos, melhorando".

"Também não recomendo aulas de roteiro, mas, ao invés, aulas de atuação. Ao entender como funciona a atuação, você poderá enxergar o trabalho do ator e o texto que todos irão falar. Entender uma cena significa entender a atuação, e entender uma cena significa compreender como funciona o contar histórias", completou Tarantino, que estudou atuação durante seis anos.

"Meu grande professor na vida foi o ator James Best, mais conhecido por ter feito o xerife em Os Gatões. Ele me ensinou técnicas de como atuar e se relacionar com a câmera, essenciais em Los Angeles onde os atores são chamados para trabalhar principalmente em seriados de TV. E em LA, o mercado é tão profissional que se perceberem que você está todo perdido sem achar sua marca no chão, você está fora. Isso foi fantástico porque comecei a ver o cinema de outra maneira, e passei a rever os filmes que sempre amei como Era Uma Vez no Oeste, prestando a atenção em tudo isso".

Já mais à frente, antes de filmar Cães de Aluguel, Tarantino diz ter aprendido uma outra lição, que é seguir seus instintos. "Participei do laboratório de diretores do Sundance Institute, onde cada diretor que estava com projeto pronto para filmar recebia retorno de consultores, cineastas experientes que analisam seu trabalho. Os cineastas Jon Amiel, Monte Hellman e Anne Coates (montadora de Lawrence da Arábia) basicamente me disseram que a cena que apresentei, sem cortes, um plano só, era horrível, que precisava cortar, etc."

Tarantino disse que ficou preocupado e foi andar sozinho, pensando "Ok, eles não gostaram, mas eu estou querendo experimentar e, sabe de uma coisa, eu gosto da minha cena!". A próxima leva de consultores chegou, composta por Terry Gilliam e Volker Schlöndorff. "Gilliam disse 'é isso mesmo rapaz, você quer experimentar, fazer algo novo!", e Schlöndorff quand me conheceu disse, com o sotaque alemão dele, 'então, é você o geniozinho!". Aprendi ali que seria assim, sempre vão gostar do meu trabalho, e sempre alguém não vai gostar, e é isso mesmo, papo encerrado".

O depoimento de Tarantino foi acompanhado de cenas dos filmes do diretor especialmente escolhidas por Ciment para ilustrar idéias. Sobre Cães de Aluguel (1992), Tarantino disse que ao se aproximarem as filmagens ele começou a entrar num estado de ansiedade "pelo simples fato de ser bom demais para ser verdade. Coisas desse tipo não acontecem com alguém como eu, ou com meus amigos, não temos esse tipo de oportunidade de dirigir nosso próprio filme. Meu maior medo era ser chutado para fora do projeto. Isso aconteceu com Scorsese em The Honeymoon Killers!".

Agradece a Cães de Aluguel a chance de ter podido, pela primeira vez, conhecer o mundo. "Antes de fazer esse filme, eu era um californiano que tinha visitado o Tenessee. Passei meus 20 sem um puto no bolso, morava com minha mãe. Depois que o filme ficou pronto, passou em Sundance em janeiro e, depois, embarquei para a Europa, onde fiquei quatro meses e emendei, em maio, com a exibição em Cannes".

Em Pulp Fiction, Tarantino disse que a cena onde John Travolta vai buscar Uma Thurman para sair à noite era apenas uma idéia antiga anotada que ele inseriu no filme, que vê como "uma coleção de clichês de histórias que ganha vida própria minha". Falou que seus filmes, na verdade, são compostos por pequenos filmes de dez ou 15 minutos, e que a questão e apenas encontrar uma ligação entre eles.

Em Jackie Brown, disse que se não conseguisse autorização para filmar no shopping center Del Amo, em Los Angeles, ele provavelmente cogitaria não fazer o filme. "Aquele shopping faz parte da minha vida, passei a infância indo lá, vi centenas de filmes lá, o cinema de onde Robert Foster sai no filme é o mesmo cinema que freqüento até hoje".

Sobre Kill Bill, disse que "é o tipo de filme que meus outros personagens vão ver no cinema". Ele também começou a sentir a sedução da tecnologia em KB. "Em Cães de Aluguel, fazer uma fusão significava usar processo ótico que era uma chateação, você só veria a fusão com o filme pronto, o que me levava a não querer usar nada além de corte seco, o que é muito bom para qualquer filme".

"Em Kill Bill - que eu fiz para me testar como um diretor de ação, já que para mim a cena de ação é a maior expressão que há na linguagem cinematográfica – já tínhamos todas essas coisas digitais, e você começa a acrescentar penduricalhos no filme, começa a pirar. O que me levou ao The Hulk, de Ang Lee, que é um filme que eu gosto, mas que me parece claramente um caso de Lee e sua equipe terem enlouquecido com as possibilidades, dividindo tela em duas, três, cinco janelas, um carnaval. Falei para Sally Menke (montadora), vá ver The Hulk como modelo para o que não pode acontecer com Kill Bill! Sally! Cuidado, The Hulk!"

Obviamente que o assunto trilha sonora não poderia passar em branco. "Eu talvez tenha uma das grandes coleções de trilha sonora dos EUA. Em 1981, vi Caçadores da Arca Perdida, comprei o disco, voltava para casa para ouvir a música e criava um segundo filme na minha cabeça com as lembranças que tinha das imagens".

"Pensava nos meus próprios filmes e idéias com músicas alheias, e por isso que não tenho a paciência de terminar um filme, chamar um compositor e mostrar o filme para ele. E se eu não gostar do que ele fizer? E se eu já tiver pago o cara? Como fica? Prefiro trabalhar com os maiores compositores do cinema, Ennio Morricone, Lalo Schifrin, John Barry, estão todos em casa! Acho que combina com a minha percepção de que, a cada filme, regrido tecnologicamente, contra a corrente de toda essa porcaria digital".

Friday, May 23, 2008

MURO é premiado em Cannes

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

O filme pernambucano de curta metragem Muro, de Tião, ganhou o prêmio Regard Neuf (Olhar Novo) da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Muro, com 18 minutos de duração, passou hoje à tarde na sessão de curtas metragens da Quinzena, sessão marcada, segundo as palavras do diretor artístico Olivier Pére, que apresentou os filmes, "pelo drama humano, pela comédia, por um exercício radical de linguagem e também sob o signo da animação, sinalizando grandes promessas para o futuro em cineastas que nos fazem querer ver logo seus longas". O prêmio Regard Neuf é o único da Quinzena dado a filmes estrangeiros, honraria que acaba de ser instituída. O prêmio foi entregue agora à noite, no encerramento da Quinzena 2008.

A "experiência radical" mencionada por Pére na sua apresentação provavelmente foi referência a Muro. Maud Ameline, da comissão de seleção da Quinzena, falou à reportagem do JC que Muro foi visto na última fase do processo de seleção e deixou todos impressionados.

Nas palavras de Tião, "acho que o filme é sobre o progresso, e como ele encontra-se distante de algumas pessoas", definição para um filme cuja sinopse lacônica nos informa "alma no vazio, deserto em expansão". Filmado em Vila da Conceição de Cima, distrito de Serra Talhada, sertão de Pernambuco, Muro não é exatamente fácil de descrever, pois sua mistura de experimentalismo e rigor não são comuns. Rodado em super16mm, o filme foi convertido para o formato 35mm CinemaScope tela larga.

Tião, cujo verdadeiro nome é Bruno Bezerra, tem 25 anos e trabalhou em Muro ao longo dos últimos três anos depois de ganhar o prêmio de roteiro do concurso Ary Severo-Firmo Neto, da Prefeitura do Recife e Governo do Estado. À época do prêmio, o roteiro chamava-se Muro das Lamentações, tendo sido alterado para Muro nos últimos meses. Quando o filme foi selecionado pela Quinzena, o curta não estava pronto, e todo o processo de finalização entre o Recife, Rio e São Paulo foi feito em cerca de 20 dias.

É a primeira experiência de Tião dirigindo um filme sozinho, depois de dividir a direção do curta Eisenstein com Raul Luna e Leonardo Lacca (diretor de outro curta premiado, Décimo Segundo). Com Lacca e Marcelo Lordello, Tião toca do coletivo Trincheira. Lacca, Lordello, o montador João Maria e a produtora assistente Isabelle Rufino representaram Muro em Cannes na sessão de ontem.

Para Tião, "Cannes é um festival estranho onde as pessoas lhe agradecem por ter feito um filme. A obra é celebrada e aqui o cineasta é tratado como um artigo raro que precisa ser preservado, o que deixa uma sensação esquisita de que o cinema estaria em fase de extinção".



Tião e Caetano Gotardo - Curtas Brasileiros em Cannes

São quatro curtas brasileiros em Cannes esse ano. O pernambucano 'Muro' (Quinzena dos Realizadores), de Tião, o paulista 'Areia' (Semana da Crítica), de Caetano Gotardo, e os cariocas 'A Espera', de Fernanda Teixeira (também na Semana da Crítica) e 'O Som e o Resto', de André Lavaquial. Nessas imagens, Tião e Caetano falam sobre Cannes. Entrevista feita logo depois de saírem da sessão de 'Muro', na Quinzena, sexta à tarde.

Chelsea on the Rocks: "Edf. Master on Acid"

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

“I remember you well, from the Chelsea Hotel...”

Leonard Coen

Interessante como é possível lavar o gosto ruim deixado na boca por um filme (Synecdoche, New York) com outro logo depois, e o segundo não é exatamente livre de sujeiras. Talvez seja o toque do diretor. Chelsea on the Rocks (fora de competição), de Abel Ferrara, é uma espécie de documentário sobre um espaço vivo e mítico de Nova York que todos nós conhecemos de fama, leitura, música e cinema chamado Chelsea Hotel, a hospedagem que faz parte importante do imaginário da arte e da cultura ocidental, de certa forma, refúgio de criadores, seus corredores já percorridos por gente como Dylan Thomas, Andy Warhol, Marilyn Monroe, Arthur Miller, Janis Joplin, a lista é imensa.

O filme, claro, é mais um tijolo na construção de uma filmografia ardorosamente nova-iorquina de Ferrara, cidade que tem seus cronistas trocando tapas em forma de filme para contribuir com retratos sentidos da cidade (Spike Lee, Martin Scorsese, Woody Allen). Livre, leve e solto, Ferrara e suas câmeras digitais com muito ganho de imagem (sem luz, grão digital estourado na tela) percorrem os corredores e entram nos quartos, alguns deles transformados, ao longo dos anos, em apartamentos. Como disse muito bem João Cândido, que está cobrindo para o Filme B, saindo da sessão, “É Edifício Máster on acid!”.

Ferrara entrevista (e no caso de Ferrara, entrevista significa ouvir suas gargalhadas insanas seja para concordar, ou discordar dos entrevistados, ele sempre off câmera) moradores novos e antigos, bebuns, drogaditos, talentosos e medíocres do presente e do passado que tanto foram parar no Chelsea naturalmente, como também ali se dirigiram para vampirizar sua suposta energia inspiradora. Essa energia atraiu (ou matou), por exemplo, Sid Vicious e Nancy Spungen, cujo fim violento Ferrara recria “como tanta gente maluca que vem aqui se vestir dos dois e reconstituir a estadia no Chelsea”.

Entrevistas novas são intercaladas com material de arquivos pessoais, como a reação filmada na hora de um morador, de sua janela, à descida das duas torres, sub-tema que deixa clara a importância do 11/9 no coração de Nova York. Ethan Hawke, claramente envelhecido e com aura de senhor maduro, fala abertamente que foi para o Chelsea (onde fez um filme, aliás, Chelsea Walls) para recuperar-se do fracasso do seu casamento (com Uma Thurman).

O filme parece lançar visão secamente nostálgica para um espaço (tombado pelo patrimônio histórico nos EUA), e Ferrara sugere que um take over e a saída do também mítico Stanley Bard, gerente e proprietário (cotista), que misturava uma noção bem incomum de administração e amizade com alguns dos mais conhecidos hóspedes, como Robert Crumb.

O encontro dele com o cineasta tcheco Milos Forman é uma delícia, dois velhos amigos dos anos 60, o Chelsea a casa de Forman na época em que não tinha dinheiro. Juntos, desencavam histórias fantasmagóricas como a da velha que dormiu com a carne no fogo e morreu não do incêndio, mas afogada pela água dos bombeiros. Documento afetivo sobre espaço humano, delícia.

Synecdoche, New York


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Uma das revistas diárias que circulam por Cannes lançou concurso piada para ver quem pronunciava a palavra Synecdoche, parte do título do primeiro filme como diretor do famoso roteirista americano Charlie Kauffman. Synecdoche, New York, exibido hoje em competição, traz as peculiaridades do escriba responsável por roteiros de forte traço pessoal como Quero Ser John Malkovitch e Adaptação, de Spike Jonze, (produtor deste), e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry. Embora o filme tenha sido bem recebido pela imprensa, ficou sensação de estarmos diante de uma sopa de neuroses com curiosa afetação.

Kauffman geralmente atrai para si próprio, e para o seu trabalho de inventor de realidades pessoais ligeiramente deturpadas, a palavra "estranho". Há uma sensação de doença constante na sua obra, e que aqui parece atingir grau máximo.

Mesmo não compartilhando da sua visão modorrenta da vida, em narrativas onde os efeitos especiais de texto e imaginação livre parecem mais fortes do que dramas humanos apresentados, não há como não ficar admirado com o desprendimento que Kauffman tem para escrever até trincar os dedos personagens aflitos perdidos em situações sublinhadas pelo surrealismo (ver o "sétimo andar e meio" de Quero Ser John Malkovitch... ou o apagamento de sentimentos amorosos de Brilho Eterno...).

Desta vez, ele parece ter pego a estrada maluco beleza sem o cinto de segurança de um diretor para policiar seus vôos, partindo numa jornada sem volta, mas com a fé do seu elenco de atores simpáticos à causa autoral e independente.

São tantos os elementos que aparecem em cena na história de vida de um dramaturgo (Philip Seymour Hoffman, de Capote e A Família Savage) da cidadezinha titular que logo o espectador passa a acreditar que está vendo uma sopa espessa de digestão pouco saudável. Esse homem é deixado pela esposa (Catherine Keener), que vai avançar sua carreira de artista plástica em Berlim, levando a filha pequena junto. A menina cresce longe do pai e esquece o inglês.

A bilheteira do teatro onde trabalha (Samantha Morton) é apaixonada por ele, e é a moradora de um apartamento em constante estado de incêndio. Por algum motivo, o corpo dele entra em lento estado de falência quando todas as funções biológicas autônomas vão parando. Mais ou menos por aí, ele ganha "a bolsa dos gênios" da Fundação Macarthur e parte para construir um ambicioso projeto de teatro, onde cada ator irá ser ele ou ela mesmos, enquanto acompanhamos os envelhecimentos e decadências físicas e artísticas de todos os envolvidos.

Synecdoche, New York é um claro signatário da filosofia "a vida é sem sentido e depois você morre", mas é fato que é uma tentativa claramente anormal de se almejar algum tipo de expressão artística. É um filme adulto, apimentado pelos aspectos mais desagradáveis do amor, da sexualidade e das violências amorosas que existem na existência de cada um. Apenas, vendo tudo tão concentrado de uma vez só causa enjôo. O que não me surpreenderia se ganhasse algum prêmio importante no domingo.

Thursday, May 22, 2008

Lucrecia Martel. 1a. Parte

Lucrecia Martel, hoje, na tenda da Unifrance, Cannes. Essa é a 1a. parte, espero postar amanhã mais material. Entrevista foi muito interessante e só mostra que você só passa a conhecer o seu filme a partir do momento em que ele passa a existir como obra projetada. Pergunta em inglês por causa de dois outros colegas suecos que não entenderiam portunhol.

Almoço Hoje

La Frontière de L'Aube


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Não foi muito feliz a sessão da prata da casa La Frontiere de L'Aube (A Fronteira da Alvorada), filme francês em competição de Phillippe Garrel (de Os Amantes Constantes) que passou para uma imprensa talvez já cansada do festival, e com o cinismo ligado em alta. Um dos três franco-filmes na competição (Un Conte de Noel, de Arnaud Desplechin, exibido semana passada, e Entre Les Murs, de Laurent Cantet, que passa amanhã -, essa obra rodada em preto e branco e podre de romântico de uma maneira literária, encontra semelhanças temáticas com um outro título na competição, o americano Two Lovers, de James Gray.

Em ambos, um homem vê-se dividido entre os dois arquétipos femininos que geram ansiedade masculina: a bela instável que enlouquece o homem como uma amante em relação fugaz e a bela equilibrada que será uma grande companheira.

As palmas pedindo para que a trama fosse concluída logo, gargalhadas em desdobramentos místicos e, finalmente, uma vaia digna de nota (com os aplausos de apoio indo contra) assinala o filme como sendo talvez o protótipo de um cinema largamente rejeitado por espectadores pragmáticos. La Frontiere de L'Aube seria, aliás, o "filme francês" por excelência, uma mística que marca um preconceito muito típico do espectador médio.

Louis Garrel (filho do diretor) é François, um fotógrafo que apaixona-se por Carole (Laura Smet), estrela de cinema que ele fotografa para um ensaio. Carole é o tipo de garota que tem na testa a palavra "problema" escrita em letras garrafais. Casada, ela funciona, como bem sugere um amigo, na dinâmica de um limpador de pára-brisa – "quando ele se aproxima, ela se afasta, quando ela se aproxima, ele se afasta" -. Carole enlouquece de amor.

Ele conhece Eve (Clementine Poidatz), e decide casar, embora a perspectiva de abraçar uma vida burguesa talvez seja demais para esse espírito livre, nos levando a um final que, por um lado, chama apaixonadamente o tipo de reação desmoralizante (para filme e autor) que teve, por outro marca um gol de idéias: SPOILER:::::::::::::::::::: Melhor seria se matar do que obedecer às normas de um destino burguês. Oh, mas que coisa mais maio de 68...

Será interessante dar uma segunda chance ao filme no seu lançamento brasileiro (distribuição já garantida), sem as gargalhadas que, em muitas cenas, alegravam bastante os desdobramentos trágicos.

PS: O filme todo tem um 'feel' de ter sido encaixotado em 1964 e a cópia descoberta há três meses num baú de Paris. A notícia secreta chegou à organização de Cannes e prontamente programado no festival 2008.

PS 2: as duas francesas estão lindas via foto de William Lubtchansky.

Che

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Um dos filmes mais esperados da seleção 2008 em Cannes passou na noite de quarta e chama-se Che (EUA/Espanha), de Steven Soderbergh, diretor americano que ganhou a Palma de Ouro no festival com seu primeiro filme, sexo, mentiras & videotape (1989). Com quatro horas e 28 minutos de duração, o calhamaço, que ainda aguarda distribuidor no Brasil e, principalmente, nos EUA, aborda, em duas partes, e em detalhes, a ascensão de Fidel Castro via Revolução cubana e depois a tentativa fracassada de Ernesto "Che" Guevara implantar o mesmo tipo de movimentação política na Bolívia. A projeção, completa com intervalo e lanche para a platéia em sacola "Che" com sanduíche, água mineral e barra de chocolate, foi bem sucedida na sua recepção junto à imprensa.

Soderbergh fez um épico moderno, sintético e apaixonado de um período da história marcado por um personagem essencial. Poderá, junto com Diários de Motocicleta, de Walter Salles, acrescentar uma personalidade à figura mundialmente divulgada nas camisetas pop.

Impressiona no filme a capacidade que Soderbergh, diretor que experimenta com praticamente todos os tipos e tamanhos de projetos em cinema, equilibra tanta informação, entrecortando múltiplas linhas de tempo, trechos em preto e branco, e em cor.Tom geral lembra uma versão mais sóbria doque Oliver Stone já fez em JFK ou Nixon. Guevara, na sua visita aos EUA onde discursou nas Nações Unidas sob onda de protestos e ameaças terroristas, ganha o tom de um documentário feito na época, evocando imagens recentes de Não Estou Lá (filme que, aliás, Soderbergh co-produziu).

Che revela-se, em cada palavra, um orador nato dotado de discurso político preciso para com o poderoso vizinho de Cuba que chamava pela palavra "imperialista". Esse retrato, na verdade, permanece imaculado ao longo de todo o filme, curiosamente livre de seja lá que aspectos mais duros certamente existiram como parte do homem.

Como colocou Soderbergh na coletiva de imprensa, "Cuba para mim me interessa menos do que o personagem Che, ele explica meu envolvimento com o filme. Che é material perfeito para o cinema, uma mente fascinante. A idéia original era fazer um filme apenas sobre a fase final boliviana, mas percebi que seria essencial chegar a essa parte com informações importantes sobre o que se passou em Cuba."

A primeira parte, apresentada em tela larga CinemaScope (filme todo rodado em digital), tem a exuberância natural de uma campanha guerrilheira que deu certo, com extensas cenas de ação na selva cubana e também nas cidades rumo a Havana. O filme aborda de maneira feliz a política humana específica desses lideres revolucionários, como a punição sumária de três voluntários que, em nome da revolução, roubou e estuprou camponeses.

Che (Benício del Toro, no tipo de atuação que geralmente rende indicções ao Oscar) é o epicentro da ação, mas estão também em cena Fidel Castro (Démian Bichir) e Raul Castro (o brasileiro Rodrigo Santoro), acompanhados de dezenas de revolucionários que perdem suas vidas no violento processo.

Del Toro, também presente na coletiva, disse que a preparação para ser Che veio com muita leitura, fotos e imagens de arquivo. "Cresci em Porto Rico, que é a mesma coisa de viver nos EUA, onde Che é supostamente um vilão. Lembro uma vez que fui à Cidade do México e vi numa livraria uma série de fotos de Che sorrindo, e achei curioso ver algo tão diferente do que estava acostumado a ver. Acima de tudo, o amor que tanta gente tem por ele, do povo e dos que o conheceram, foi a parte mais inspiradora".

Muito interessante também observar a partir de agora como o filme será percebido nos EUA com sua visão não apenas humana, mas marcadamente humanitária de uma idéia de revolução, a mesma revolução que deu origem ao embargo econômico que ainda hoje limita condições econômicas em Cuba e que também, em tese, proibiria a exibição de um filme feito, em grande parte, com dinheiro americano na ilha.

PS: imagens em digital do filme me chamaram muito a atenção. Sei que foi feito com a nova câmera Red, e ver aquela imagem digital em CinemaScope via projeção digital cristalina de Cannes me passou a estranha sensação de que a revolução travada na tela era de fato um paralelo para a revolução digital, espécie de guerrilha que Soderbergh (sempre estando e experimentando coisas) está bancando. Não é escolha fácil, pois as imagens realistas de batalhas em externas diurnas realmente parecem vídeo, muito embora um vídeo maravilhoso. Imagens de Che nos EUA em P&B estilo I'm Not There são sensacionais, mas todos sabem que preto e branco/digital sempre abriu espaço para uma saudável pureza estética.

Martel 'Eternauta'

O próximo projeto de Lucrecia Martel me chama a atenção e desde já tem meu apoio e simpatia incondicionais, o pôster de divulgação saiu nas principais revistas diárias de Cannes, provável estratégia para vender o filme no mercado. Chama-se El Eternauta, aparentemente uma ficção científica, e se passa “depois de uma nevasca mortal em Buenos Aires”. Yeah.

Wednesday, May 21, 2008

Surveillance

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Jennifer Lynch, filha de David Lynch, apresentou hoje (fora de competição) seu filme Surveillance, divertido thriller sangrento de estrada, ou "bloody road movie" da mesma tradição doente de um A Morte Perde Carona (1986). Lynch filha estreou com uma esquisitice pouco memorável nos anos 90, Encaixotando Helena, mas agora aos 40 anos de idade parece ter amadurecido o suficiente para realizar um Filme B com razoável capacidade de estabelecer ansiedade.

Difícil ignorar os tiques muito pessoais do seu pai, que tanto revelam um certo pedigree, como funcionam para atrair atenção para o filme em si como produto. David está presente em pequenos detalhes envolvendo o consumo de café e cigarros, agentes engravatados do FBI, amantes assassinos nas estradas americanas, imagens em vídeo que revelam detalhes escondidos e na presença de Bill Pullman (Lost Highway).

O filme é composto por por uma série de depoimentos colhidos por dois agentes do FBI (Julia Ormond e Pullman) com sobreviventes de assassinos mascarados que pintam miséria nas estradas desertas. Os que sobraram para contar a história são uma garota junkie e uma menininha que viu toda a família ser esmagada e baleada numa explosão de sangue. Final surpresa satisfaz sempre nesse tipo de coisa demente.

"Che", 4h28' + lanche


Durante o intervalo de "Che", serviram sanduíche, água mineral e uma barra de Kit-Kat. O filme de Steven Soderbergh foi projetado em digital, primeira parte em CinemaScope tem a exuberância de uma ascenção gloriosa na revolução cubana. 2a. parte (formato 1.85) a descida deprimente na Bolívia e o fracasso de implantar uma revolução no país.

Extremamente competente, todo rodado em digital, Del Toro impressiona, filme agradou bastante, sendo aplaudido ao final das duas partes.

Hilton Lacerda e Matheus Nachtergaele em Cannes

A Festa da Menina Morta


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Passou hoje como parte da seleção Un Certain Regard o filme brasileiro A Festa da Menina Morta, primeiro trabalho como realizador do ator Matheus Nachtergaele. O filme teve uma boa recepção para seu painel humano, político, religioso e racial ambientado numa pequena localidade distante da Amazônia. Primeira impressão que fica é a de uma obra pessoal, que parece condensar aspectos essenciais da cultura brasileira numa narrativa marcada por um olhar investigativo não apenas em direção ao Brasil como fonte de multiculturalismo, mas também para dentro de si próprio. Parece dar continuidade a uma escola de cinema feito no Brasil, e que muito chama a atenção no exterior, que explora o sincretismo e uma idéia enraizada de identidade cultural brasileira.

Logo após a projeção, a equipe, composta pelo diretor Nachtergaele (também roteirista), o co-roteirista Hilton Lacerda, o fotógrafo Lula Carvalho, a produtora Vânia Catani, a co-montadora Karen Harley, a diretora de arte Renata Pinheiro e os atores Daniel Oliveira e Conceição Camarotti receberam alguns jornalistas brasileiros para uma primeira conversa sobre o filme.

Nachtergaele nos falou que a idéia para o seu roteiro, incentivado por fundos estrangeiros como Hubert Bals do Festival de Roterdã, e Ibermedia, veio de uma observação sua de uma festa religiosa não muito diferente da explorada pelo filme e seu título. No filme, um "santinho" (Oliveira) ocupa posição de poder místico-religioso na localidade distante e cercada de selva. É amante do seu pai (Jackson Antunes) e o portador de mensagens da menina morta, que morrera 20 anos antes e que existe como uma entidade religiosa para a população local.

"Essencialmente é um filme sobre o luto. Inicialmente, a idéia era fazer o filme no nordeste, mas acho que a Amazônia permanece um grande mistério para o brasileiro, assim como o fator isolamento me pareceu muito importante. Tive a sorte de ter tido uma produtora que bancou (Catani) a idéia de filmar a 400 kms de Manaus, em locação tão distante de tudo".

Matheus, veterano de dois longas de Cláudio Assis (Amarelo Manga e Baixio das Bestas), rodados em Pernambuco, trouxe para sua primeira experiência colaboradores desses dois trabalhos, como Lacerda, Pinheiro, Camarotti e Dira Paes, mantendo uma aura de influência saudável. "O cinema de Cláudio é essencial para mim", disse Nachtergaele, que, de qualquer forma, fez um filme de voz própria. Também no elenco estão Paulo José, num momento notável onde contracena com o vento, e Cássia Kiss, como a presença forte e ausente da mãe.

Tuesday, May 20, 2008

Duas decepções argentinas: Alonso e Martel


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmailcom

O carinhoso e preciso termo "Ego-Lombra", acredito, surgiu na ceninha cultural pernambucana (me corrijam se estiver errado), usado corriqueiramente para obras das artes plásticas, vídeo arte, cinema ou mesmo música. Denota algum ato artístico-masturbatório de amor à sua própria arte (amor a si próprio) em seja lá que estética, e é percebida quando o bom senso do observador começa a questionar o porquê de o autor insistir num determinado tique depois que o mesmo tique extrapolou a capacidade de o mesmo observador ter boa vontade do olhar para com a obra em questão. Esse parágrafo não veio da Wikipedia, mas acabo de escrever tendo em mente os últimos dois filmes argentinos que vi por aqui, ontem e hoje.

Ontem, fui ver o novo filme do Lisandro Alonso na Quinzaine, Liverpool, e achei muito ruim, com a sensação de que todo o mimo autoral que a crítica vem jogando em cima dele (e do cinema argentino em geral) pode ter subido à cabeça como vinho ruim.

Para completar, saí agora de La Mujer Sin Cabeza, o novo de Lucrecia Martel (competição), e fiquei com sensação parecida. Efetivamente, são duas decepções de um cinema argentino que vem me impressionando de maneira consistente (ver vídeo do Walter Salles aqui no blog). Resta saber se a ego-lombra será fator marcante na nova safra, algo, aliás, que não observei em Leonera, de Pablo Trapero (também na competição).

O que me chama a atenção nos filmes é exatamente o fator ego-lombrático, que praticamente os aniquila como narrativas, mas, de toda forma, garante ainda um orgulhoso selo 9001 de cinema autoral. A "desdramatização" que Walter menciona no vídeo no cinema de Alonso parece atingir congelamento absoluto na história de um marinheiro que arranja um tempo para visitar a pequena localidade onde nasceu. É o cinema dos longos planos, mas, de fato me pareceram estéreis e de uma monotonia realmente atordoante, enlouquecedora.

Já o filme de Martel é menos grave, mas finalmente frustrante. O ponto de partida é interessante, e nos primeiros cinco minutos, achei que veria um filme excelente. Uma mulher, dirigindo numa estrada, bate em alguma coisa, plano fixo com câmera instalada dentro do carro. Um detalhe delicadamente mórbido está à vista para quem conseguir ver, no vidro da janela do motorista. Ela leva um tempo para se recompor e não consegue buscar coragem para olhar pelo retrovisor e entender o que ela atropelou. Um animal? Uma pessoa?

Essa mulher (madura, bonita) é casada, e passará todo o filme atordoada e confusa, o que resulta numa experiência apenas parcialmente interessante, pois a recusa de Martel de nos dar situações de interesse além do fato em si sofre pelo efeito acumulativo. Diferente de O Pântano ou Menina Santa, onde vinhetas ganhavam união dentro de acontecimentos maiores num todo coeso, em La Mujer Sin Cabeza somos obrigados a ver pedaços da vida cotidiana soltos, para os quais nossa personagem reage muito pouco.

E não chegamos ainda ao referido fator ego-lombrático: a imagem do filme. Martel usa pela primeira vez o formato largo scope, e acho que essa é a primeira vez que alguém usa scope para mostrar menos... O filme é todo composto por planos não apenas fechados em termos de quadro, mas também de distancias focais mínimas, ou seja, está tudo, em grande parte, fora de foco, com algum elemento (um retrovisor, um rosto no canto da tela, o vidro de uma janela) em foco.

As idéias relacionadas ao estado de espírito da personagem (algo na pia da cozinha, elementos pretos na parte final, a ponte) ameaçam trazer inteligência, mas são tão apavoradas com a possibilidade de serem de fácil acesso para qualquer espectador comum, que terminam registrando como tentativas e não realizações bem sucedidas. Ao final, fica um triste "só isso?", em scope. Pena.

Filmes vistos no Noga Hilton (Liverpool) e Debussy (Mujer), Cannes, 2008

EASTWOOD

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Outra esperada grande esperança para a Palma de Ouro (Clint Eastwood é respeitadíssimo, é septuagenário e nunca ganhou uma) passou hoje, The Changelling, novo filme do astro diretor, que parece me pedir boa vontade ara afirmar que eu realmente gostei. Claramente com aquela aura de "à moda antiga" que identificamos já há muito tempo no cinema de Eastwood, é a história de uma mãe (Angelina Jolie) que, na Los Angeles de 1928, chega em casa um dia e vê que seu filho de nove anos de idade desapareceu. A polícia corrupta da cidade arranja um outro garoto e a obriga a aceitá-lo como seu, mesmo sob os protestos da mãe, num esquema de publicidade para o departamento que anda em baixa.

A abertura, com a vinheta da Universal Pictures na sua versão original 1928 dá pistas sobre o quanto esse melodrama tem carpintaria clássica, com estonteante décor e revisão de Los Angeles na época proposta, embora tom novelesco do todo não desça tão bem quanto alguns dos últimos filmes desse interessantíssimo autor que envelheceu muito bem como artista.

Os "vilões" são caricaturas risíveis, John Malkovitch parece ter recebido instruções de atuar mal e o filme, não me surpreenderia, se fosse lançado numa versão pelo menos 20 minutos mais curta, algo que acontece frequentemente com obras apresentadas em Cannes (Southland Tales foi o ultimo caso). Para mim, o filme não tem cara alguma de prêmio em Cannes (como tinha Mystic River).

Two Lovers



Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

A valorização do cineasta americano James Gray por Cannes (seu Os Donos da Noite competiu ano passado) parece fechar-se num círculo dos mais redondos com a apresentação em competição de Two Lovers, crônica de amor delicada como pouca coisa, e que deverá se alojar na consciência de muitos quando ganhar o mundo ainda esse ano. O mais curioso nesse filme é o quanto ele é americano na sua essência, ao mesmo tempo em que revela-se peça tão rara na produção de lá, especialmente na mais bela força do filme: a naturalidade sentimental dos seus personagens.

Two Lovers foi um dos vários filmes (Ensaio Sobre a Cegueira, Linha de Passe e Che, que passa hoje) que ficaram prontos em cima da hora, alguns deles exibidos no sistema digital cristalino de Cannes, o caso de Two Lovers.

Numa atuação que deverá render pelo menos sérias considerações dentro do júri, se não o prêmio propriamente dito, Joacquin Phoenix interpreta um homem na casa dos 30 que ainda encontra-se perfeitamente instalado no seio da sua família, e família é um elemento que Gray parece entender bem, recorrência essencial (Fuga para Odessa, Caminho Sem Volta, Os Donos da Noite) para sentir seus filmes.

Localização também é importante, e a Nova York suburbana de Gray é filmada com um conhecimento de causa fascinante, neste filme em Brighton Beach, com pelo menos uma ida luminosa a Manhattan ("the city", como residentes de outras 'boroughs' nova-iorquinas a chamam). Esse universo de Gray também consegue transmitir uma naturalidade das pessoas em ambientes domésticos igualmente verdadeira. Reginald (Phoenix) mora com o pai e a mãe (Moni Moshonov e Izabella Rossellini), judeus do ramo da lavanderia, num apartamento nova-iorquino da classe média trabalhadora.

Típico "estudo de personagem" que dialoga com outros na competição esse ano (o argentino Leonera, o belga Le Silence de Lorna), onde o filme não te entrega instruções completas já no início para entender quem ele é (cena de abertura é apenas uma informação, e não uma bula), Reginald revela-se aos poucos um personagem masculino notável, com visão diferenciada de mundo e uma melancolia amorosa que define quem ele é através da sua relação com mulheres.

Porquê é tão raro ver na vasta produção americana um homem de conduta normal, tentando lidar seja honesta, ou instintivamente, com seus problemas pouco, ou nada, espetaculares?

No caso de Two Lovers, não apenas Reginald, mas também duas garotas que ele conhece chamam a atenção pela facilidade que têm para expressar o que sentem, de maneira sempre aberta. E depois de um longo período de abstinência para Reginald, eis que ambas, claro, surgem na mesma semana.

Sandra (Vinessa Shaw) é a filha de um casal amigo da família, os Cohens, e os dois patriarcas cogitam juntar suas duas empresas do mesmo ramo, e seria perfeito para todos se Reginald e Sandra se apaixonassem, noção ligeiramente perturbadora e, ao que parece, comum entre americanos. A união amorosa casa com a de capital, e chama a atenção como as duas famílias aparentam ser tranquilas e do bem, sem qualquer sinal de planejamento manipulador ou vilania. O roteiro de Gray consegue fazer de Sandra uma garota maravilha, bonita em todos os sentidos e ciente do que quer: ela quer Reginald.

Já Michelle (Gwyneth Paltrow) é um outro tipo de encrenca. É a vizinha que acaba de se mudar, transforma Reginald num amigo e confidente, relação marcada pelo notório "fator irmãozinho", e que parece puxá-lo para uma queda gigantesca pela moça confusa. Ela fala com delicadeza sobre a situação amorosa difícil na qual se encontra com um outro homem, e o efeito de Michelle e sua doçura machucada revelam-se atordoantes para Reginald, que já não vê sentido em manter a foto de um doloroso amor passado na sua cabeceira.

Gray é jovem, um autor cinéfilo, e conheça um diretor pelos detalhes que ele insere nos seus filmes que, curiosamente, nunca realmente me pegaram até este. Olhando para Izabella Rossellini como a mãe de Reginald, lembrei da atenção que ele dá às presenças maternas ao longo da sua obra, mães interpretadas por atrizes formidáveis, sempre. Vanessa Redgrave em Odessa, Ellen Burstyn em The Yards, Rossellini agora.

Ao final da sessão, colegas apontaram que o filme trazia algo da aura de Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany´s), de Blake Edwards, idéia de interessante procedência. O filme chega a um final que atinge grau pouco explorado de filosofia emocional.

O filme, aliás, será certamente vendido como algum tipo de "romance", mas não é exatamente um "romance de mercado" que o público médio vai decodificar muito facilmente, ou se funcionar, situações terão interpretação rasteira. Signatários de relações duplas não planejadas nos seus hstóricos amorosos poderão ter o filme na mais alta estima. Muito bom.

Maradona by Kusturica



Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

Ninguém menos do que Diego Maradona foi o imã de atração hoje em Cannes, apresentando o documentário Maradona by Kusturica, filme de Emir Kusturica já duas vezes premiado com a Palma de Ouro (Quando Meu Pai Saiu em Viagem de Negócios e Underground). O filme é adequadamente caótico, mas muito pessoal, de um cineasta completamente apaixonado pelo seu personagem, e o futebol, segundo o próprio realizador, foi apenas o ponto de partida. "Quando vi aquele gol de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 86, entendi que bem ali o futebol como esporte coletivo havia acabado", disse o diretor e amigo de Maradona na boa coletiva que seguiu a primeira projeção do filme. Maradona falou sobre muita coisa importante, sobrando inclusive comentários dos mais agressivos para o brasileiro Pelé.

Pensar na palavra "caótico" como sensação a partir do filme durante a projeção ganhou confirmação do seu próprio realizador ao conversar com a imprensa internacional. "Considero nós dois personalidades caóticas, dionisíacas, nossas energias são mais fortes no caos, e não no racional, e isso muitas vezes faz com que pessoas assim sintam-se deslocadas num mundo mercado-psicológico cada vez mais racional".

Como bem sugere o título – Maradona by Kusturica -, esse documentário é essencialmente sobre Diego, mas muito também sobre Emir. Contem todos os requisitos para ser considerado pop, com política, religião, sexo (boate em Buenos Aires onde Maradona tem participação majoritária), drogas (seu drama com a cocaína) e rock 'n' roll (os dois adoram, aparentemente, subir em palcos e cantar), revelando um Maradona que parece conhecer todas as letras do alfabeto na sua vida.

Fruto de algumas viagens do diretor bósnio-sérvio a Buenos Aires, e de uma outra de Maradona a Belgrado, na Sérvia, antiga Iugoslávia. Muito material de arquivo, inclusive uma imagem de um Maradona júnior numa entrevista em preto e branco dizendo que seu sonho um dia é ser campeão mundial.

Espetacularmente anti-americano – "Bush é um assassino", "quando vejo as pessoas vivendo como vivem na Europa e na América Latina, amo cada vez mais Cuba" – o filme tem forte aspecto e palavras de ordem mais fortes ainda no sentido político, outro ponto de convergência com Kusturica. O diretor disse "minha sintonia talvez venha do fato de o meu pais ser uma das 24 nações bombardeadas pelos EUA desde a 2a. Guerra Mundial. Alem disso, faz total sentido que pessoas terceiro-mundistas se identifiquem com a idéia que existe por trás de Diego", completou.

Perguntado se faria algum outro filme sobre um outro jogador, Kusturica disse admirar muito o francês Zidane. "Há uma centenas de grandes jogadores, mas de fato quando vi aquele gol de Diego contra os ingleses, "o gol do século", vi que existia ali algo de especial".

Maradona foi claramente levado por um jornalista espanhol a comentar "o que o brasileiro Pelé falou recentemente, de que todos os seus prêmios deveriam ser devolvidos". Respirando fundo, a lenda viva argentina falou "tinha prometido a minhas filhas não falar mais de Pelé, mas não tenho como evitar. Pelé é um negociante, e a paixão e o carinho do povo não são negociáveis, é preciso ser um jogador de corpo e alma para conquistá-la. Mesmo que ele não tivesse dito tudo o que andou dizendo sobre mim, ele não chegaria nem a 2o do mundo".

Sentindo o clima pesar, Kusturica completou que "sempre quis evitar com esse filme essa coisa da comparação. Não há o que comparar com o incomparável. Um deus quando é poderoso, ele é tão poderoso que ele não precisa nem existir".

Imagem do Dia - Maradona


"Pelé é um negociante, e o carinho do povo é algo que não se negocia, para isso é preciso ser jogador de futebol de corpo e alma. Pelé não é nem o segundo do mundo"

Maradona, na coletiva de imprensa do seu doc dirigido por Emir Kusturica.

Monday, May 19, 2008

Movimentos migratórios de câmera

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Os irmãos Jean Pierre e Luc Dardenne, que já têm duas Palmas de Ouro (por Rosetta em 1999 e A Criança em 2004), apresentaram filme novo hoje, na competição de Cannes, Le Silence de Lorna. Vendo mais um belo filme da dupla, chega-se, à essa altura, à conclusão de que tornaram-se autores de segurança máxima, produzindo filmes artesanais com algo de uma marca industrial muito deles e também muito esperada (previsível não é exatamente a palavra, embora ela tenha vindo em mente). Os Dardennes não parecem interessados em deixar o campo que têm explorado em todos os seus filmes, com personagens europeus de classe trabalhadora, ruas cinzentas, apartamentos pequenos e uma câmera na mão que respira com cada um.

O foco desta vez é a movimentação migratória entre as muitas Europas, a personagem principal Lorna (Arta Dobroshi) uma garota albanesa que acaba de obter nacionalidade belga. Conseguiu isso com um esquema de casamento fajuto, seu marido alugado é um viciado em heroína chamado Claudy (Jerémie Renier, de A Criança).

Claudy é um personagem construído em ricos detalhes, um homem doce e carente, a quantidade de vezes que ele chama o nome dela – "Lorna!" – para necessidades das mais simples um dos aspectos notáveis dessa construção. Renier parece, aliás, continuar habitando o seu personagem de A Criança.

Revela-se que ele é apenas a parte desavisada de um esquema cruel que lucra não apenas com processos escusos de obtenção de cidadania, mas também de lucro com a morte de belgas especialmente escolhidos. Sendo ele um junkie, seria o alvo perfeito para processos de seguro para sua esposa.

Mais próximo de Rosetta, no sentido de observar de perto o rosto assustado de uma mulher cujo instinto triste de sobrevivência vai deixando feridas psicológicas, Le Silence de Lorna oferece esse raro prazer que é o de entender alguém via observação livre de julgamentos. Desdobrametos emotivos na segunda metade abrem janelas para a compreensão de alguém que nos apegamos aos poucos, num filme que confirma estabilidade maior de uma câmera que, de qualquer forma, continua na mão. Curiosamente, última cena traz música na trilha, aspecto incomum na obra dos irmãos. Com uma câmera cada vez mais firme e já uma partitura ali, observamos uma lenta adoção de novos registros dardenneanos.

100



Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

Cannes prestou uma bela homenagem hoje à tarde ao cineasta português Manoel de Oliveira, que está fazendo 100 anos. O Grand Theatre Lumiére recebeu Oliveira e praticamente toda a comunidade de cineastas e cinéfilos presentes em Cannes para saudar esse caso peculiar de um artista que continua fazendo filmes (média de um por ano) no seu centenário de vida. A sessão especial de ontem exibiu um filme de nove minutos intitulado Um Dia na Vida de Manoel de Oliveira, dirigido pelo presidente do festival, Gilles Jacob. Foi também projetado o primeiro filme de Oliveira, Douro, Faina Fluvial, feito em 1931. O cineasta português, morador do Porto, recebeu ainda uma Palma de Ouro especial pelos seus 100 anos de cinema.

Walter Salles: "O Cinema Brasileiro Perdeu o Foco"

Depoimento crítico de Salles sobre os cinemas da Argentina e do Brasil.
Gravado no Hotel Martinez, domingo, 17 de maio 2008. Cannes.

Filme KMF

Filme feito aqui, chama-se "Luz Industrial Mágica". "Work in progress".

Sunday, May 18, 2008

Imagem do Dia

Saudade do chicote ajuda filme novo

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Poucas obras do cinema de entretenimento foram capazes de fazer queixos de todas as idades cair tantas vezes ao longo de duas horas como Os Caçadores da Arca Perdida, em 1981. Com um herói simpaticíssimo (um charmoso e pragmático ladrão americano de culturas estrangeiras, seu campo é a arqueologia) e vilões que mereciam mesmo ser derretidos (nazistas), o primeiro filme teve dois outros episódios inferiores, mas fenomenalmente populares – Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989). Entre Caçadores... e a estréia mundial de ontem do quarto Indiana Jones, foram-se 27 anos e, tendo isso em conta, difícil ser objetivo com um quarto episódio visto já perto dos 40 anos de idade, em relação a um outro desfrutado, na sua plenitude, aos 13.

Nesse período, o cinema assimilou o estilo Indiana num sem número de imitações e a ação filmada tornou-se cada vez mais apressada. Spielberg, mesmo assim, disse na coletiva de imprensa gostar dos filmes Identidade Bourne e considera o recente Cassino Royale "o melhor James Bond desde Moscou Contra 007"). O perigo seria fazer o novo Indiana Jones uma cópia dos seus imitadores, algo que não ocorre. De fato, mesmo podendo tê-lo como uma decepção, Spielberg fez um filme dele, fiel em espírito ao universo criado (uma imagem rápida de um elemento importante do passado gera enorme prazer...).

A marcha tema de John Williams volta para lembrar que além de imagens icônicas (o chapéu, o chicote), esses filmes são também som. Em nenhum outro filme tiros têm o som que têm aqui, murros e carros batendo também. Exibido em poderoso volume racha dente em Cannes (há alguma outra maneira de ver o filme?), a equipe de som conseguiu ainda nos dar uma explosão sonoramente visceral no seu ineditismo, literalmente uma bomba atômica num momento destacado. É um feito e tanto num cinema de entretenimento que, nessas duas décadas passadas, não poupa nunca em barulho.

Harrison Ford, aos 65, ocupa bem o espaço, sem esconder os anos. O cara tem carisma, não seria o astro que é se não tivesse. O departamento de marketing parece trazer um parceiro adolescente (Shia Lebouf), sua presença clara e evidente: oferecer aos jovens uma figura heróica de fácil identificação, personagem que vem ainda com uma revelação interessante...

A dupla embarca numa aventura cronologicamente correta (1957, Caçadores foi 1936) onde os vilões absurdos são agora soviéticos. A mesma fala antes aplicada a Hitler vai agora para os comunistas "vasculham o mundo por objetos de poderes ocultos geradores de poder". Cate Blanchett é a vilã russa com channel preto, uma boneca histérica que dá má fama a figuras de papelão. Karen Allen, a maravilhosa namorada de Caçadores, finalmente volta, mas o clima de confraternização só aumenta.

Não há cena alguma nesse filme que chegue aos pés de qualquer uma das cenas memoráveis de Caçadores..., ou da abertura de Templo da Perdição. Há uma sensação de que tudo ficou menor, a começar pela clássica imagem da Paramount, aqui transformada em fusão numa piada que serve bem para definir a estatura do que veremos a seguir. Foi-se o sentido de "grande aventura", mas fica pelo menos a aura de uma, um pouco como um brinquedo Indiana Jones num parque americano, ou um videogame da série.

Objetivamente, a Lucasfilm terá não só o sucesso mundial por pura antecipação e curiosidade de milhões de fãs, mas deverá também entreter novas gerações com essa aventura que, mesmo soando como uma confraternização de final de ano, traz de volta o universo tão familiar já tão estabelecido. Na verdade, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal realmente tem um certo clima de pais e filhos indo juntos ao cinema que me parece saudável e saudoso. Talvez seja a nostalgia que vem junto.

Indiana Jones - coletiva


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Toda edição do Festival de Cannes tem alguma bomba atômica de mídia travestida de filme evento, capaz de gerar tumulto e deixar jornalistas rangendo dentes. Guerra Nas Estrelas e Matrix em anos anteriores, o filme 3D do U2, ano passado, esta foi a vez do filme mais esperado de 2008, e que terá lançamento mundial no final desta semana, Brasil incluído, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, EUA, 2008), nova produção de George Lucas com direção de Steven Spielberg. Eles escolheram Cannes como plataforma principal de lançamento do filme, pois o festival reúne a mídia global em todas as suas formas atuais, trampolim de divulgação fantástico que gera material como este publicado hoje no JC.

Com sessão marcada para as 13 horas de ontem no gigante auditório Lumiere, os precavidos começaram a fazer fila às 11h30, pois nem a hierarquia colorida de credenciamento garantiria lugar. Com uma sala de mais de dois mil lugares que encheu em menos de 20 minutos, muitos ficaram do lado de fora, algo que repetiu-se de maneira ainda mais dramática na coletiva de imprensa, restrita aos credenciados com crachás branco e rosa com bolinha amarela (esta última, o caso da reportagem do JC). Nas primeiras imagens do filme projetadas na tela gigante, aplausos de uma platéia claramente excitada, cantarolando aos berros ("Ta-tã-rã-tã... Ta-tã-rã..."), a conhecida marcha de Indiana Jones.

A última passagem de Spielberg em Cannes foi com E.T., filme que encerrou o festival de 1982 com uma ovação de mais de 20 minutos, exibido um mês antes do seu lançamento nos EUA. O cinema de entretenimento mudou muito desde aquela época, e foi em 1981 que surgiu um filme de aventura como nenhum outro antes chamado Os Caçadores da Arca Perdida, de Spielberg.

"Ao longo da minha carreira, os dois filmes que, não importa aonde eu esteja, sou cobrado para ter continuação, por crianças e adultos, são ET e Indiana Jones. 'Quando vai fazer outro ET? Outro Indiana Jones?', sempre ouço isso, e levou tanto tempo, nesse caso, porque, sei lá, entrei na minha fase séria, meus dramas históricos, e ia deixando de lado, George foi fazer os Guerras nas Estrelas dele, eu abri um novo estúdio, fiz uma série de outros filmes, e se passaram quase 20 anos do último episódio (1989). Engraçado que ninguém nunca me pergunta quando farei A.I. 2 ou 1941 2", explicou e ironizou o cineasta na coletiva, acompanhado de Lucas, Harrison Ford, Cate Blanchett, Shia Labeouf, Jim Broadbent e Ray Winstone.

Ford falou do filme como "uma grande celebração do que filmes eram para começar, e o vejo como uma maneira de refamiliarizar as pessoas com a alegria que existe na experiência de ver um filme numa sala escura. Depois desses 19 anos, existe toda uma nova geração que só conhece Indiana Jones através do vídeo, e creio que será maravilhoso oferecer esse novo filme numa sala de cinema".

Spielberg é um defensor ferrenho da "moda antiga", só filma em película 35mm e ainda faz a montagem em moviolas, sem auxílio de computadores. Lucas é o oposto, defensor da tecnologia digital em todas as etapas da realização. "O filme, ao contrario do que foi divulgado, terá um lançamento menor nos EUA em cerca de 300 salas digitais, mas é essencialmente um filme película 35mm. Acho que rodar em digital e também exibir nesse formato é algo muito interessante, é o futuro que está chegando. Mas não vejo muito sentido em exibir um filme filme em digital".

Ele lembrou também que não consegue sentir-se entusiasmado a colocar atores contra um fundo azul e fazer um filme. "Em grande parte, o filme foi feito à moda antiga, com cenários, dublês, gosto disso". Lucas ressaltou que "não estamos tentando ganhar das imitações, apenas fazer com que a aventura saia naturalmente dos personagens".

Spielberg falou do seu próximo projeto, adaptação do personagem dos quadrinhos Tintin, do belga Hergé, que será feita em parceria com Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis). "Eu conheci o personagem na época do lançamento de Caçadores da Arca Perdida depois que eu li uma crítica que associava as aventuras de Indiana Jones às de Tintin, os dois têm muita coisa em comum".

Autógrafos

Quando jornalistas voltam a ser crianças. Domingo, Cannes, coletiva de 'Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal'

Domingo

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

JONES - Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal passa hoje em Cannes, fora de competição, o que gerou comentário na revista Variety sobre uma certa coragem de apresentar o filme mais esperado do ano para cerca de quatro mil jornalistas. Tomando como exemplo a passagem desastrosa de O Código da Vinci por Cannes 2006, vítima de artilharia pesada da imprensa na véspera do seu lançamento global, há sempre a possibilidade de um balde de água fria ser jogado no filme de Steven Spielberg, o quarto da série Indiana Jones.

Vibrações negativas surgiram para o filme depois que a Paramount fez sessões fechadas nos EUA para executivos da exibição. Spielberg, já foi anunciado, não dará nenhuma entrevista, salvo a coletiva de imprensa que deverá ser a mais concorrida de Cannes 2008, hoje à tarde. Por outro lado, a Variety lembra que um filme como Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal seria, a exemplo de O Código da Vinci, "à prova de critica", tendo o filme de Ron Howard faturado mais de U$ 700 milhões no mundo inteiro. O filme spielberguiano, produzido por George Lucas, estréia internacionalmente (Brasil incluído) esta semana.

FRANCÊS – O humor inglês da revista Screen International publicou dez frases importantes para o sucesso nas socializações (em francês) ao longo de todo o Festival de Cannes. Minhas preferidas são: "Qui vous habille?" ("Quem você está vestindo?"), "Oui, Angelina, il semble que ce sera des jumeaux" ("Sim, Angelina, parece mesmo que serão gêmeos"), "Une autre tournée, C'est Monsieur qui invite" ("outra rodada, é aquele senhor que está pagando").