Tuesday, May 20, 2008

Maradona by Kusturica



Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

Ninguém menos do que Diego Maradona foi o imã de atração hoje em Cannes, apresentando o documentário Maradona by Kusturica, filme de Emir Kusturica já duas vezes premiado com a Palma de Ouro (Quando Meu Pai Saiu em Viagem de Negócios e Underground). O filme é adequadamente caótico, mas muito pessoal, de um cineasta completamente apaixonado pelo seu personagem, e o futebol, segundo o próprio realizador, foi apenas o ponto de partida. "Quando vi aquele gol de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 86, entendi que bem ali o futebol como esporte coletivo havia acabado", disse o diretor e amigo de Maradona na boa coletiva que seguiu a primeira projeção do filme. Maradona falou sobre muita coisa importante, sobrando inclusive comentários dos mais agressivos para o brasileiro Pelé.

Pensar na palavra "caótico" como sensação a partir do filme durante a projeção ganhou confirmação do seu próprio realizador ao conversar com a imprensa internacional. "Considero nós dois personalidades caóticas, dionisíacas, nossas energias são mais fortes no caos, e não no racional, e isso muitas vezes faz com que pessoas assim sintam-se deslocadas num mundo mercado-psicológico cada vez mais racional".

Como bem sugere o título – Maradona by Kusturica -, esse documentário é essencialmente sobre Diego, mas muito também sobre Emir. Contem todos os requisitos para ser considerado pop, com política, religião, sexo (boate em Buenos Aires onde Maradona tem participação majoritária), drogas (seu drama com a cocaína) e rock 'n' roll (os dois adoram, aparentemente, subir em palcos e cantar), revelando um Maradona que parece conhecer todas as letras do alfabeto na sua vida.

Fruto de algumas viagens do diretor bósnio-sérvio a Buenos Aires, e de uma outra de Maradona a Belgrado, na Sérvia, antiga Iugoslávia. Muito material de arquivo, inclusive uma imagem de um Maradona júnior numa entrevista em preto e branco dizendo que seu sonho um dia é ser campeão mundial.

Espetacularmente anti-americano – "Bush é um assassino", "quando vejo as pessoas vivendo como vivem na Europa e na América Latina, amo cada vez mais Cuba" – o filme tem forte aspecto e palavras de ordem mais fortes ainda no sentido político, outro ponto de convergência com Kusturica. O diretor disse "minha sintonia talvez venha do fato de o meu pais ser uma das 24 nações bombardeadas pelos EUA desde a 2a. Guerra Mundial. Alem disso, faz total sentido que pessoas terceiro-mundistas se identifiquem com a idéia que existe por trás de Diego", completou.

Perguntado se faria algum outro filme sobre um outro jogador, Kusturica disse admirar muito o francês Zidane. "Há uma centenas de grandes jogadores, mas de fato quando vi aquele gol de Diego contra os ingleses, "o gol do século", vi que existia ali algo de especial".

Maradona foi claramente levado por um jornalista espanhol a comentar "o que o brasileiro Pelé falou recentemente, de que todos os seus prêmios deveriam ser devolvidos". Respirando fundo, a lenda viva argentina falou "tinha prometido a minhas filhas não falar mais de Pelé, mas não tenho como evitar. Pelé é um negociante, e a paixão e o carinho do povo não são negociáveis, é preciso ser um jogador de corpo e alma para conquistá-la. Mesmo que ele não tivesse dito tudo o que andou dizendo sobre mim, ele não chegaria nem a 2o do mundo".

Sentindo o clima pesar, Kusturica completou que "sempre quis evitar com esse filme essa coisa da comparação. Não há o que comparar com o incomparável. Um deus quando é poderoso, ele é tão poderoso que ele não precisa nem existir".

No comments: