Saturday, June 21, 2008

Buscando um Cinema Perdido

foto: Alexandre Belém

Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com


Na última terça-feira, Josias Saraiva Monteiro Neto, 20 anos, estudante de jornalismo, conseguiu um feito e tanto. Sem ser famoso, sem ter um filme, livro, disco, peça ou exposição prontos para apresentar, organizou uma coletiva de imprensa que terminou sendo um sucesso. Munido de organizados kits com press release e banco de fotos, articulou sozinho a atenção dos três jornais do Recife, que foram a um café para ouvir o que ele tinha a dizer. O evento inusitado talvez reflita a energia que esse cinéfilo tem no sentido de divulgar a obra de um cineasta desconhecido: seu avô, Pedro Teófilo Batista, que faleceu aos 59 anos de idade em 1989.

A energia algo contagiante de Josias pelo tema vem em parte da dificuldade de aceitar que nenhuma linha sequer tenha sido escrita sobre o trabalho do avô nos livros que abordam a história do cinema em Pernambuco. "Eu tinha dois anos de idade quando ele morreu, e cresci ouvindo as histórias na família".

"Acredito que nunca em Pernambuco alguém participou de maneira tão completa na cadeia de produção do áudio-visual como Pedro Teófilo Batista", disse. Nos anos 50, ele projetou arquitetonicamente, administrou e programou o extinto Cine Olympia, no Arruda. Nos anos 60 e 70, trabalhou nas TVs Tupi canal 6 e Jornal canal 2, onde fez reportagens para o Repórter Esso e ainda animações.

Foi roteirista, produtor e diretor dos seus dois filmes, Iracema - A Virgem dos Lábios de Mel e O Gigante Que Desperta, ambos, tristemente, inacabados. Ele próprio desenhava os cenários e projetava adereços, como foi observado em elaborados croquis trazidos por Josias e mostrados à imprensa.

Vários desses croquis impressionam. Um deles é uma planta, aparentemente detalhada de uma nau caravela, elemento que abre uma janela para entender o grau de ambição que era investido num modelo de cinema comercial de grande porte, e que seria realizado por pernambucanos num cenário de produção comercial inexistente.

Um panfleto publicitário de 1967 da Nacional Filmes do Brasil, do próprio Pedro Teófilo Batista, vendido na época ao preço de um cruzeiro para levantar fundos de produção, anuncia as filmagens de Iracema – a Virgem dos Lábios de Mel. Os números anunciados para o filme: "500 figurantes, milhares de efeitos especiais, centenas de atores, cenários naturais de rara beleza localizados na costa nordestina". Um corte especial do convés da caravela teria sido construído num estúdio do Bairro do Recife para as filmagens de O Gigante Que Desperta. "Há relatos de meus tios ainda crianças que lembram de visitar o estúdio e brincar no grande cenário", diz.

Uma questão que já virou meta de vida para Josias é encontrar os negativos desses dois filmes perdidos. Ambos foram fotografados em 35mm por Firmo Neto, fotógrafo referência na produção pernambucana, tendo sido ele mesmo um cineasta (Coelho Sai, de 1942, infelizmente também perdido). "Procurei no Mispe – Museu da Imagem e do Som de Pernambuco, no Teatro do Parque, Cinemateca Brasileira em São Paulo, que me confirmou a inexistência desse material lá".

No lado positivo, Josias encontrou há duas semanas os manuscritos de um roteiro e meticulosos 'storyboards', antes desconhecido ,intitulado A Ilha Perdida, sob uma nova produtora, a Filmerama, já no final dos anos 70.

Ouvindo Josias falar com tanta admiração e senso de resgate para com o trabalho de seu avô, é possível pensar num certo estigma que marca o imaginário do cinema feito em Pernambuco. Esse estigma é o da melancolia.

Desde os heróis do Ciclo do Recife, muitos esquecidos, passando pelo próprio Firmo Neto e seu histórico colapso nervoso e emocional na pré-estréia de Coelho Sai no cine Art-Palácio, na presença do então governador Agamenon Magalhães, é possível também lembrar de Mozart Cintra e seu longa concluído de 1975, Luciana – A Comerciária, exibido publicamente apenas uma vez, para a tristeza do realizador (falecido logo depois), e cujos negativos aguardam restauração na Cinemateca Brasileira. De outra forma, esse filme pernambucano que merece revisão está fadado ao esquecimento.

No caso de Pedro Teófilo Batista as histórias tornam-se mais complexas tomando o rumo do que mais parece ficção científica, aspecto que Josias narra com igual entusiasmo. Além das tentativas ambiciosas e quase concluídas no cinema, ele foi também vendedor, aviador e inventor.

Depois de um acidente de avião que quase o levou à morte, trabalhou numa alternativa para a gasolina, ainda nos anos 70. Patenteou uma bateria eletrolítica de oxigênio e hidrogênio e, na Conde da Boa Vista, em 1974, abriu uma "lanchonete automática", sem atendentes. Seu último projeto foi um "ortóptero", "um avião com asas móveis inspirado na libélula".

Atualmente, Josias registra depoimentos com uma câmera de vídeo e pretende fazer um documentário sobre Pedro Teófilo Batista. Também quer editar um livro e montar uma exposição com farto material dos arquivos da família. Ele espera que com esse espaço na imprensa atrair antigos colaboradores que possam trazer informações sobre os filmes, e sobre o trabalho do seu avô.

O envolvimento de Josias com todo esse material tem muito para gerar frutos. Nos últimos dez anos, Marcelo Gomes transformou as histórias do seu tio-avô Ranulpho vendendo remédios no sertão no longa Cinema Aspirinas e Urubus, e Marcos Enrique Lopes deu um curta metragem ao filósofo Evaldo Coutinho, então nonagenário (faleceu em 2006), resgatando uma obra marcante e que permanecia obscura.

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