Saturday, June 14, 2008

Sex and the City - O Filme


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Na noite de quarta, véspera da cabine de imprensa da versão para cine de Sex and the City, passou na TV paga um episódio antigo da série de TV onde a personagem principal, Carrie Bradshaw (Sarah Kessica Parker), pondera "será que eu deveria me sentir mal por ter sapatos e não filhos?", desencadeando reflexões sobre nunca ter casado. Símbolo da mulher independente e cosmopolita (nova-iorquina), Carrie, jornalista que escreve sobre relações amorosas dentro da bolha da modernidade, ponderou sobre muito mais nos seis anos da série (1998-2004), e agora chega a versão para o cinema, Sex and the City – o Filme (EUA, 2008), uma sessão bem longa medida e pesada para ser consumida por um certo olhar médio feminino.

Os responsáveis pela marca parecem ter feito uma cine-adaptação matreira para o produto. Dão o braço a torcer, mas da maneira deles. Admite-se que muito do que se produz para a TV americana tem tratamentos superiores ao que vemos no cinemão americano, tão guiado pelo marketing, sensibilidades adolescentes e um puritanismo-família marcante. Isso seria um perigo comercial para uma série que firmou-se com uma certa franqueza sexual e comportamentos pouco conservadores das quatro heroínas, Carrie e suas três amigas, Samantha (Kim Cattrall), Charlotte (Kristin Davis) e Miranda (Cynthia Nixon).

Eis que no filme Carrie, experiente parceira de muitos e eterna companheira numa relação instável de um sujeito afetuosamente apelidado de Big (Chris Noth), vê-se casando-se com ele, uma surpresa não tão absurda assim. Num cinema comercial onde tudo parece sempre levar ao casamento e à família (até o último Indiana Jones termina em casamento), o desvio de rota para Carrie aqui proposto soa, de qualquer forma, como uma artimanha comercial, e é mesmo.

Durante os primeiros 40 minutos, portanto, Sex and the City – o Filme torna-se um enjoado festival de patricinhas, espécie de versão radical de O Diabo Veste Prada onde cada cena nova-iorquina parece ter sido patrocinada por alguma griffe importante. Em termos gerais, o público feminino (e também parte da platéia gay) poderá salivar com a incrível quantidade de sacolas caras ocupando o quadro.

Aos poucos, no entanto, o filme revela-se uma negação da idéia muito defendida pela tradição e, de fato, por esse mesmo cinema, a do casamento como espetáculo de ostentação social, e isso parece mostrar respeito pelos personagens originais da série, em especial Big e, finalmente, a própria Carrie.

Essa negação leva a uma decepção amorosa surpreendentemente bem resolvida, e que fortalece o fator amizade entre essas quatro, e a partir daí as coisas melhoram substancialmente, ficando as sacolas e as poses fora do filme, afinal. Curiosamente, esse produto com "P" maiúsculo não perde de vista o seu objetivo, um filme que tem no elemento mulher um dos seus trunfos comerciais (estréia americana semana marcada por quantidade avassaladora de mulheres nas sessões). Depois de animá-las com poder de compra, passa a abordar questões emotivas relacionadas à insegurança, à solidão e ao poder de meninas que se adoram como amigas.

A moral da história me surpreendeu num mundo tão supostamente fútil ao lembrar que a união entre duas pessoas é muito mais importante pela sua intimidade do que pela aprovação social projetada. Samantha é outra que decide fazer o que quer da vida longe de uma relação fixa, e, também para a minha surpresa, ela não morre assassinada com um furador de gelo. De fato, ela ganha a liberdade que deseja para viver uma vida de sexualidade constante.

As outras duas talvez representem a parte do roteiro que visa buscar identificação com a parcela mais conservadora do público, e tentam como podem viver suas vidas normais (maridos, filhos). Como favor político para o todo, observem que a secretária de Carrie (Jennifer Hudson), jovem e romântica ("eu vim para NY encontrar o amor"), ganha o destino de um casório encomendado pelo roteiro com direito a véu e grinalda.

Essa veia feminista do filme me parece saudável num mundo de imagens machistas onde predomina o look (TV, filmes, internet) "Molhadinhas da Payboy". Um vizinho de Samantha, espécime da raça modelo Calvin Klein (e o modelo francês Gilles Marini foi mesmo, aliás, modelo CV) ganha o tratamento "Molhadinho da Playgirl", numa cena perfeitamente cafajeste onde ele se ensaboa nu com direito a nudez lateral milimetricamente editada para máximo efeito de sugestão vista, sob os olhares não apenas de Samantha, mas do público alvo.

Não há exatamente ambições de bom cinema no filme (enquadramentos e tempo de TV predominam), e o espectador deve preparar-se para relacionar-se bem com a poltrona na sensação de que estamos vendo 25 capítulos condensados de uma vez só. Estranho que achei o filme muito longo, mas nunca chato, tipo de sensação comum numa boa novela. Essa aqui é sobre amigas, sacolas e relacionamentos.

Filme visto no UCI Recife, Junho 2008

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