Monday, August 11, 2008

Em Gramado / Segunda-Feira



Primata promove Ainda Orangotangos, de Gustavo Spolidoro, na entrada do Palais des Festivals na serra gaúcha. O longa estréia em 29 de agosto.
(foto: KMF)

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Dois rebentos da nova cinematografia digital passaram no primeiro dia da competição do Festival de Gramado, segunda à noite, sendo um argentino (mostra latina), outro brasileiro (competitiva brasileira). Por Sus Próprios Ojos, filme de Liliana Paolinelli, e Vingança, de Paulo Pons, enfocam, respectivamete, o universo das mulheres de presidiários na cidade de Córdoba, Argentina, e o segundo uma história de vingança situada entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Além de frutos do novo cinema digital, ambos também passam a impressão de serem filmes jovens tanto no bom, quanto no mau sentido.

Por Sus Proprios Ojos estréia na Argentina daqui a dois meses e deverá juntar-se ao muito superior Leonera, filme de Pablo Trapero que esteve no Festival de Cannes, esse ano, já lançado os cinemas argentinos com sucesso. Leonera, filme de um homem, investiga com olhar duro e também delicado a trajetória de uma presidiária que também é mãe.

Por Sus Próprios Ojos, por sua vez, investiga tema recorrente no cinema de olhar dito feminino: as mulheres (mães, esposas, companheiras) de presos. Dois filmes brasileiros vêm à mente nesse sentido, Visita Íntima, de Joana Nin (curta-metragem feito no Paraná) e O Cárcere e a Rua, de Liliana Sulzbach (longa feito no Rio Grande do Sul).

O filme de Paolinelli, apresentado na noite de segunda-feira, é claramente um filme verde, fruto de uma realizadora que ainda traz ranços universitários para o espaço da tela grande de cinema. O clichê do filme dentro do filme é mais uma vez abordado via figura de uma também jovem realizadora que tenta fazer um documentário sobre as mulheres de presos em Córdoba, cidade que fica a 800 kms de Buenos Aires.

À certa altura, a personagem pondera que talvez as verdadeiras presas sejam essas mulheres, idéia intrigante que não ganha maior investigação. Apaixonada de forma dèja vu pelo uso de uma câmera de vídeo dentro da cena, Por Sus Próprios Ojos resulta num filme de tese, do tipo “projeto experimental” de faculdade, e isso não é nada bom.

GAUCHÊS – Já Vingança aponta mais uma vez para a tendência inevitável (e rica em possibilidades) de uma digitalização do moderno cinema brasileiro, e isso muda não apenas o que emos em termos de imagem, como também a maneira que filmes são feitos. Embora sejam bem diferentes, Vingança compartilha do mesmo tipo de estrutura pequena (e câmera utilizada, a HVX-200 da Panasonic) do Nome Próprio, filme de Murilo Salles que passou domingo, também em competição.

Paulo Pons é da Pax Filmes, produtora que fez acordo de produção e distribuição com a Rio Filme. Através de verba oriunda do Prêmio Adicional de Renda da Ancine, levantaram R$ 320 mil para a realização de quatro filmes, R$ 80 mil cada, sendo Vingança o primeiro do lote. “Acredito que em três meses teremos o próximo pronto, que chama-se Espiral”, disse Pons na coletiva do filme, ontem.

Projetado em digital via Rain, o filme é tecnicamente muito bom, e as atuações de Erom Cordeiro e Branca Messina são eficazes, naturalistas. Ele é um rapaz gaúcho no Rio de Janeiro com planos de finalizar um plano de vingança para ato violento ocorrido seis meses antes, no sul.

O filme parece fadado a sofrer um racha entre a historinha de amor relativamente assistível com o personagem dele e o dela, e a obrigação de honrar o título com desdobramentos transplantados via guindaste pelo roteiro. Há também uso intrusivo de música (Dado Villa Lobos).

Pons (também roteirista) parece crer que bem mais do que um sub-produto da natureza humana, a vingança é uma exclusividade da cultura gaúcha, e dois personagens do sul elevam o nível de gauchez no sangue do filme a níveis inaceitáveis, provocando gargalhadas na platéia. José Mayer, em especial, termina incorporando para si a inexperiência do realizador no sentido de tratar um tema duro com afetações superficiais confundidas com traços inequívocos de identidade cultural.

Pons, 34 anos, mostrou-se ávido por fazer um cinema comercial de qualidade onde a reação do público poderá levar a mudar seu filme para adequar-se ao gosto médio popular, algo realmente perigoso. Finda a sessão (e também o debate), mais uma vez no cinema brasileiro tem-se a sensação de que conquista-se a técnica, mas não os conflitos humanos que são, de fato, o ouro de qualquer narrativa.

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