Sunday, August 10, 2008
Louis Garrel e o 'Nascimento do Amor'
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Esse trabalho de formação de público nos cinemas do Parque e Apolo, no Recife, via trabalho de Ernesto Barros, apresentou O Nascimento do Amor (La Naissance de L'amour, França, 1993), filme de um dos nomes mais discutidos do atual cinema francês, Philippe Garrel. O filme passa numa cópia (muito boa) da Cinemateca da Embaixada da França, com entrada franca, na tela do Apolo. O título não existe em DVD no Brasil.
Garrel recuperou recentemente um reconhecimento que há muito lhe fugia com Os Amantes Constantes (Les Amants Réguliers, 2005), prêmio de Melhor Diretor em Veneza, embora a sua trajetória tenha começado ainda nos anos 60. No Festival de Cannes desse ano, esteve pela primeira vez na competição com seu filme mais recente, La Frontière de L'aube, cujo ator é seu filho, Louis Garrel, também em Os Amantes Constantes.
Aos 60 anos de idade, Garrel é certamente um artista curioso. Seu cinema tem o tom de uma visita a um museu, mas um museu vivo de memórias afetivas de uma época, do cinema de uma época. Vendo seus filmes, percebe-se um sério caso de obsessão com os anos formadores da sua pessoa artística, na década de 60.
Todos os clichês que curtas metragens estudantis usam para transformar o cinema da Nouvelle Vague em fetiche (o preto e branco, a fumaça do tabaco, som mono, as presenças espirituais de Godard e Truffaut), Garrel usa na mais expressiva seriedade romântica. Se visto com cinismo, seu cinema pode ser encarado como um móvel pesado e antigo, o que talvez explique o achincalhe que foi a sessão de imprensa de La Frontière de L'aube em Cannes, em maio, filme que, mesmo assim, foi muito defendido por parcela expressiva da crítica, em grande parte, francesa.
O cinismo de platéias pós-modernas não perdoaram as elipses muito em voga em 1962, a fotografia de tom e composição típicas da mesma época e um romantismo literário mais comum no final do século 19. E para não discordar totalmente de quem riu, talvez seja realmente gracioso ver autor tão radical no seu saudosismo por uma imagem do passado. Quem viu Os Amantes Constantes deve lembrar que o filme parecia ter sido feito em maio de 1968, a começar pelo uso impressionante do preto e branco. Na verdade, o preto e branco de Garrel aparenta ser mais preto e mais branco do que o dos outros cineastas.
Por outro lado, o cinema de Garrel é orgânico, tem sentimento, não consiste apenas de tiques. Seria, na verdade, improvável que um cineasta insistisse tanto em volta tão curiosa ao passado se não perseguisse verdade pessoal própria.
Sabe-se que já muito jovem, Garrel definiu-se "afilhado" de Jean Luc Godard, e seus primeiros filmes tinham perfil radical e experimental. Nos anos 70, chamados de "os anos Nico", associou-se artística e amorosamente à ex-chanteuse alemã do Velvet Underground, chegando cada vez mais perto de um cinema narrativo. No entanto, sua versão de "cinema narrativo" talvez seja ainda bem difícil face à noção muito divulgada de narração via cinema comercial.
O Nascimento do Amor não é diferente. Para começar, o filme tem Jean Pierre Léaud, já cinquentão, o ator que associamos naturalmente à obra de Truffaut via personagem Antoine Doinel (Os Incompreendidos, Beijos Proibidos), e também a alguns Godards (A Chinesa). O fotógrafo responsável pelas belas imagens é Raoul Coutard, colaborador de Truffaut e Godard. O eixo dramático: o amor, através de dois homens maduros, um é escritor (Léaud), o outro diretor (Lou Castel).
O filme vai nos levando aos poucos em pequenos momentos de intimidade entre esses homens e as mulheres que eles amam. De companheiras fixas a amantes, da vida em família ao surgimento de um novo amor na imagem de uma belíssima garota jovem, síntese da imagem romântica que associamos com facilidade ao cinema francês e ao seu legado, e o plano final desse aqui uma prova disso.
Acompanhando a obra de Garrel, é possível lembrar da discussão sem fim sobre o peso de estéticas passadas em algumas cinematografias. Na França, a Nouvelle Vague, também evocada por cineastas jovens como Christophe Honoré em filmes como Em Paris (também com Louis Garrel incorporando o que mais parece um jovem Léaud, de Truffaut). No Brasil, todo o legado/peso de Glauber sobre o moderno cinema brasileiro, quase sempre medido com a régua do Cinema Novo.
No caso de Garrel, ele talvez mostre que seus filmes são modernos na sua nostalgia sem fim.
Filme visto no Cine Apolo, Recife, agosto 2008
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