Saturday, February 21, 2009
Berlim: Bujalski e Lichtenstein
Beeswax
Happy Tears
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Com a sugestão de três colegas americanos (de Nova York), Daniel Kasman, do site The Auteurs, e Damon Smith e Cristina Garza, do www.filmcatcher.com, fui ver Beeswax, de Andrew Bujalski, que passou na paralela Forum, em Berlim. Eu reclamava com eles que fazia tempo que não via um filme americano pequeno, um verdadeiro “indie”, alguma coisa sem os cacoetes de Juno ou The Savages, representantes do tipo de amerindie que é a moeda corrente. Além de Beeswax, passou também Happy Tears, de Mitchell Lichtenstein (exibido na competição), e os dois juntos negam certas expectativas relacionadas a essa idéia pessimista de amerindie, ou ‘cinema independente americano’, o que talvez explique a dificuldade de vê-los fora de um contexto americano, ou de festivais internacionais.
Beeswax (cera de abelha) é um pequeno prazer, com uma honestidade clara e evidente desprovida de qualquer ambição de passar como cartão de visita para algum projeto futuro do diretor Andrew Bujalski na Dreamworks, ou na Warner. O filme parece ter sido feito com alguns dos nossos amigos, ou gente que conhecemos, e horas depois da sessão dá uma vontade estranha de saber como os personagens andam, de ligar para eles e descobrir o que têm feito.
Rodado em 16mm (“porque eu acho bonito fazer em filme”, disse Bujalski depois da sessão), e projetado no Cine Star 8 numa tela monstra (“não sabia que meu filme era tão grande!”), Beeswax tem um estilo cru perfeitamente contra balanceado pelo seu interesse nos personagens. A estrutura vai sendo montada aos poucos e organicamente, sem preocupações de plot ou clímax.
Duas irmãs (Tilly Hatche e Maggie Hatcher, irmãs na vida real) formam o eixo do filme. Uma delas, Jeannie, é sócia de um brechó de roupas usadas em Austin, no Texas. Ela é também usuária de uma cadeira de rodas, paralítica, e está tensa pois teme que desentendimentos com a sócia possam levá-la a uma ação na justiça. A outra irmã não parece estar trabalhando, sua vida emotiva consegue equilibrar um aspecto ativo, mas vago, acumulando ex-parceiros que ficaram muito mal por causa dela. A relação entre as duas tem uma harmonia e tanto, e que fotografa lindamente na tela.
Merril (Alex Karpovsky) é o outro personagem de interesse, estudante de direito que está fazendo o ‘bar exam’ (o equivalente da prova da OAB no Brasil), e envolve-se delicadamente com Jeannie, não apenas no campo amoroso mas também tentando ajudá-la nas tensões relacionadas ao problema com a sócia, Amanda (Anne Doogle). Não sei se é preciso deixar claro que o fato de Jeannie ter um problema físico nunca vira assunto no filme, e que bonito isso.
A naturalidade de tudo encanta no filme, composto por cenas que provavelmente não sobreviriam a uma rodada de oficina de roteiro, do tipo que tem ajudado (ou, em muitos casos, sujado a integridade natural de realizadores). Uma cena simplesmente mostra as irmãs tirando fotos juntas num descampado, um momento físico de movimentação e sincronia que torna-se um dos destaques de todo o filme. Uma outra apresenta Jeannie pedindo ajuda a um transeunte para sair do carro, o estranho abrindo a mala e entregando-lhe a cadeira de rodas desmontada.
Há um pequeno interesse de Bujalski na sub-trama sobre o processo na justiça que irá separar de vez as ex-amigas que ainda são sócias, embora nada realmente nos leve a nenhuma cena judicial, muito menos num tribunal. Mais interessante para Beeswax é analisar os rostos e a forma como reagem às questões mundanas da vida. Merril e Jeannie na cama, cientes do momento íntimo, a irmã sacando que os dois estiveram juntos, Jeannie administrando a loja como uma patroa que já se mostra uma leve chatinha controladora no papel de administradora.
É tudo muito real, e que muito me atrai por tratar-se de um filme americano onde as regras de sempre não se aplicam, pois estamos claramente na casa de alguém que sabe o que quer dos seus amigos. Para se ter uma idéia, Bujalski revelou depois da sessão que o filme veio da sua admiração pelas irmãs, duas amigas, crente de que as duas ficariam ótimas (e lindas) num filme.
HAPPY TEARS – No outro indie Happy Tears, de Mitchell Lichtenstein (filho do artista pop Roy Lichtenstein), o tom é outro e mais próximo do ‘bulshit indie’, deslizando perigosamente em direção ao padrão “dysfunctional family”. Temos também já um outro aspecto conhecido e que não configura-se necessariamente um problema, a presença de uma estrela hollywoodiana claramente à procura de algum tipo de redenção artística, imagino que a ser encontrada num pequeno filme como este. Demi Moore é a estrela e o filme em si destaca-se pela ousadia quixotesca do seu autor, um diretor claramente destemido no sentido de tentar idéias, mesmo que, em grande parte, elas não funcionem.
Na verdade, eu desenvolvi um certo apreço pelo filme horas depois de ter saído da sessão de imprensa do filme, impressionado com o quão tosco a coisa toda é. Finalmente, essa precariedade se transformou em alguma admiração, pois, se Mitchell Lichtenstein (Teeth, safra Sundance 2007, sobre o mito da ‘vagina dentata’ foi seu filme anterior, igualmente interessante pela sua corajosa incompetência abrangente) não tem medo de errar, fica na tela alguma coisa que transcende a mediocridade conservadora que é a norma.
Mais uma vez, temos duas irmãs, Demi Moore é a mais centrada, casada, classe média baixa, e Parker Posey (atriz troféu desse tipo de cinema há pelo menos 15 anos, em indies tipo Amateur, Flirt, House of Yes, Basquiat) a doidivanas que é chamada da sua vida fútil pois o pai delas acaba de oficialmente entrar na fase final da vida, através de um processo de irreversível de demência.
Lichtenstein é capaz de nos mostrar uma cena maluca numa loja, onde o atendente, portador de más notícias sobre o preço de uma bota, vira, do nada, um homem urubu. Ele também é capaz de nos mostrar honestamente as irmãs às voltas com as fezes do pai nu num banheiro, o tipo de detalhe que, de alguma forma, valoriza o filme e sua escrita humanamente certa por linhas tortas (ou toscas).
Rip Torn, como o pai, está muito bom, e Ellen Barkin tem uma participação estranhíssima como a namorada/enfermeira dele, personagem que o espectador nunca sabe exatamente do que se trata, ou quem ela é, algo que traz curiosa tensão para as duas irmãs.
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