Tuesday, January 19, 2010

Distrito 9


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O filme de ficção científica Distrito 9 (District 9, Estados Unidos/Nova Zelândia/África do Sul) deixa curiosa sensação. Por um lado, é original em vários sentidos, o primeiro deles por tratar-se de uma visão artística muito interessante de uma sociedade (a sul africana, a partir de Johanesburgo), articulada por um sul africano, Neill Blomkamp, 30 anos. Por outro, tem um aspecto de bate entope feito a partir de uma dezena de outros filmes que o público jovem talvez nunca tenha ouvido falar.

Vale ressaltar que Distrito 9 chega uma semana após o lançamento de Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, outro diretor (relativamente) jovem que utiliza pedaços do cinema passado. Tarantino, no entanto, parece funcionar como um chef, especializado em fusões orgânicas. Blomkamp, por sua vez, estaria mais próximo de um mecânico a serviço de um desmanche.

Seu filme é uma ampliação de Alive in Joburg (2005), curta metragem que ele mesmo fez. Blomkamp foi apadrinhado por Peter Jackson e Distrito 9 virou uma produção ainda pequena e (relativamente) barata (27 milhões de dólares), assessorada por todas as máquinas de pós-produção que Jackson adquiriu durante e depois de sua trilogia O Senhor dos Anéis. Tcnicamente, o filme é incrível, dos efeitos de imagen/criaturas à mixagem de som verdadeiramente assombrosa.

O ponto de vista de Blomkamp nos dá uma revisão do filme de invasão alienígena ao reprocessar a imagem clássica de uma nave gigantesca estacionada em cima de uma metrópole (vide Independence Day). Os alienígenas não são agressivos, mas perdidos, pois a nave parece ter quebrado. 20 anos se passam e os visitantes viram um problema social.

A leitura é clara, vinda de uma sociedade que saiu do Apartheid há menos de 20 anos. Os extraterrestres (apelidados pejorativamente de “camarões”, pela aparência) são levados a um campo de concentração (o Distrito 9) para que a sociedade humana tenha um maior controle, sem ter que olhar pra cara feia deles.

Para o filme, nigerianos talvez estejam um grau abaixo dos E.Ts, uma vez que parecem ter escolhido viver no munturo e ainda exploram os visitantes como gangsters sanguinários. É compreensível que os nigerianos não tenham gostado do filme, e nos sugere o tipo de leitura regional que os sul africanos têm da Nigéria, um pouco como o que ocorre com os russos no cinema de Hollywood.

O filme tem um herói burocrata, capacho do governo que ganha a dúbia honra de organizar a segregação. Ele invade com a força do exército (lembra o Bope) a enorme favela que abriga mais de um milhão de visitantes. Um incidente irá contaminar seu DNA ao ponto de ver seu corpo mudando, adquirindo traços alienígenas. Irá sofrer na pele o que fazia sofrer como agente da segregação.

Utilizando de maneira um tanto bagunçada parte de uma linguagem jornalística (reality) de TV, com câmera na mão e tom documental e entrevistas, e, por outro, uma câmera (também na mão) com o olhar do próprio filme, o filme de Blomkamp parece dividido ao meio, um pouco como o seu próprio herói.

De um lado, o filme “fantastique” socialmente sarcástico que explode matéria orgânica com grande alegria, do outro esse cinema em shuffle como decalque de momentos inteiros de A Mosca, O Predador, Missão Alien, Robocop, Cloverfield, lista tão longa que inclui até mesmo o que parece uma versão mini de Transformers. No geral, curioso, mas há de se respeitar Distrito 9. E quando você acha que já viu tudo, Blomkamp fecha com um plano maravilhoso do nosso herói, no tipo de imagem que capta muito bem o aspecto fantastique de um produto do gênero.

Filme visto no UCI Recife, Outubro 2009

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