Tuesday, January 19, 2010

Lula - O Filho do Brasil


Milhares de figurantes.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Lula – O Filho do Brasil (2009) é o nosso filme evento, nossa produção mais cara, pelo menos por vontade própria. Como geralmente ocorre nesse tipo de promoção, o filme não precisa nem prestar, pois o negócio é vê-lo. Muito já foi dito nos últimos meses sobre esse produto, da ruidosa pré-estréia no Festival de Brasília, à controvérsia sobre o caráter eleitoreiro de um filme que seria bajulador, feito para um presidente que ainda está no poder. É notável, no entanto, que pouca coisa tenha sido articulada sobre a qualidade do filme em si.

É um desafio abordar em resenha o filme de um cineasta que passa por um drama pessoal no momento do lançamento nacional do seu mais novo trabalho. O diretor carioca Fábio Barreto, em coma desde o último dia 19 de dezembro, vítima de um acidente grave no Rio, recupera-se enquanto seu filme chega aos cinemas.

O desafio vem da sensação de separarmos o homem, Fábio, que sai de uma situação difícil de saúde, e, por outro lado, termos o acompanhamento do cineasta e sua obra.

Seu cinema não sugere uma tentativa de esconder sua natureza mascate. Aos 52 anos, Fábio Barreto tem já 13 filmes no currículo, alguns muito precários, como Bela Donna e A Paixão de Jacobina. Seu melhor momento como realizador talvez tenha sido O Quatrilho (1996), recompensado com uma indicação ao Oscar.

Seus pais, Luiz Carlos e Lucy, produtores de enorme prestígio e poder, são responsáveis por momentos essenciais do cinema brasileiro, como Terra em Transe e Memórias do Cárcere. Hoje, fazem filmes populares, ou populistas, de estilos mais simples. Vez ou outra, me pergunto se entendem de cinema, entender no sentido de bater o olho e reconhecer o valor de uma imagem, de um filme.

Porque decidiram mostrar Lula – o Filho do Brasil em Brasília, 2 meses antes da estréia? Sendo o filme tão ruim, não teria sido mais importante para o produto lançá-lo em cima do público sob um véu de mistério e sem que ninguém externasse nenhuma das opiniões negativas já tão divulgadas na imprensa e internet?

O filme parece feito a partir de um molde genérico do padrão bio-filme, ou especial de TV. Ao final de cada sessão, ouvem-se muito referências a 2 Filhos de Francisco, o sucesso de cinco milhões de espectadores de cinco anos atrás. Talvez seja o molde a partir do qual o filme foi montado, como se aquele outro filme fosse algum tipo de descoberta. E foi, financeira. Money talks, bulshit walks.

De bebê sertanejo a líder sindicalista no ABC paulista, seguimos com muita paciência momentos da vida de Lula, dramatizados sem muita força, exceto num momento.

Em 1980, Lula, discursando para uma multidão num estádio, sem microfone, pede que o que diz seja passado para os metalúrgicos que estão atrás, e o discurso segue em ondas de gritos. É uma seqüência que se destaca do todo, e ver o jornal Le Monde elegendo Lula Homem do Ano há uma semana apenas reforça a idéia de que as ondas emitidas por Lula persistem.

O tom folhetinesco domina o filme, no entanto. O pai (Milhem Cortaz, caracterização infeliz) parece um robô nordestino, com defeito. A mãe, Dona Lindu (Glória Pires), é mais uma mãe coragem, muleta popular e freqüente desse cinema comercial brasileiro (Cazuza, Zuzu Angel, Salve Geral). Ela não decola como personagem, pois registra mais como uma figurante com falas.

Se Dona Lindu é uma santa de um jeito só, Lula (Rui Ricardo Dias) é só dignidade e mito, nosso Evito. Cada imagem de Dias, que tem momentos eficazes de caracterização, nos leva à grande questão:

Captar somas gigantescas de dinheiro (orçamento divulgado está em torno de 16 milhões de reais) via patrocínio direto, para enaltecer a trajetória de um presidente ainda no poder é estranho. Nos EUA, W., de Oliver Stone, relato irônico, mas respeitoso, sobre George W. Bush, foi lançado no último mês do mandato.

Um olhar técnico de cinema aumenta o estranhamento sobre o filme, nossa produção mais cara até hoje. Não aparenta o dinheiro que custou, como numa cena dos anos 50, onde o Recife de 2009 é usado como fundo.

A cobrança de ver o que dizem ter gastado na tela é muito mais do que justa. Os Barretos jogam o jogo do cinema industrial, dos filmes que são capazes de conquistar 2o milhões de espectadores. Nesse tipo de cinema, o orçamento vira notícia, e o público vai ver o filme esperando ver o tipo de imagem popular que o dinheiro compra.

Avatar, por exemplo, gostando ou não, está tudo lá, para quem quiser cobrar, cada milhão escorrendo da tela. Na nossa maior produção, temos a mesma articulação indigente de planos de sempre, e uma sensação estranha de "onde está a grana?"

Filme visto no Teatro Guararapes, Olinda, Novembro 2009

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