Wednesday, August 13, 2008

Gramado 2


Em Netto e o Domador de Cavalos, Werner como o alter ego da filmografia gaúcha. Tarcísio Meira Filho faz um índio guarani.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A noite de terça-feira foi um tanto dura na mostra competitiva de longas, com destaque para mais um exemplar de um certo cinema gaúcho muito dedicado ao resgate de folguedos e folclores dos pampas. Abrindo com o documentário de Cabo Verde, sobre Cabo Verde, Mindelo – Atrás de Horizonte, filme caleidoscópio do cineasta Alexis Tsafas, a noite trouxe na seqüência o drama de época com tinta de western sulista Neto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas. Entre um filme e outro, o ator Walmor Chagas recebeu a principal homenagem do Festival de Gramado esse ano.

No palco do Palácio dos Festivais para receber o prêmio Oscarito, Chagas, gaúcho que foi para São Paulo aos 22 anos investir na profissão de ator, é um dos rostos mais conhecidos da dramaturgia brasileira, tanto no teatro, cinema e TV. No cinema, estreou no excelente São Pulo S.A (1965), filme de Luis Sérgio Person. Esteve também em Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues, para citar dois dos seus papeis memoráveis. Num discurso conciso, Chagas disse que “é uma situação muito estranha e emocionante. A sensação de ter apostado em alguma coisa que deu certo, trabalhar em cinema”.

No primeiro filme da noite, Mindelo – Atrás de Horizonte, apresentado em vídeo, o espectador embarca numa espécie de mostruário de imagens e sons de Cabo Verde, a fascinante ilha no meio do Atlântico, terra de Cesaria Évora, e onde vemos um mundo muito familiar em tratando-se da nossa própria imagem do Brasil, acrescida ainda de toques claramente europeus (via Portugal) e também africanos.

Sem entrevistas e obedecendo apenas ao que mais parece a lógica do vento, Mindelo – Atrás de Horizonte passa à nossa frente sem ritmo ou senso de estrutura, problemas que são momentaneamente compensados pela paixão dos realizadores por aquele lugar. Isso não redime o filme de um certo tom disperso.

Mindelo – Atrás de Horizonte passa na parte dedicada a filmes latinos, e nos faz pensar na abundância de filmes mais expressivos do que esse que integram a safra atual de cinema no mundo, apresentada em festivais internacionais, Cannes vem à mente. Poderiam ter em Gramado expressiva porta de entrada no Brasil. Curiosamente, não estão tendo.

OS FILMES GAÚCHOS - Algumas questões sobre a sempre infindável discussão em torno das escolhas de um festival no sentido de uma seleção, ou curadoria, foi estimulada pela projeção de Neto e o Domador de Cavalos. A chave para entender a presença do filme na seleção 2008 é relativamente simples: o filme representa a produção gaúcha, em grande parte estimulada pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul, o principal patrocinador do Festival de Gramado, ou no liguajar de captação usado pela organização via vinhetas e microfone, o "patrocinador master", o que lembra o quarto de luxo num hotel.

No início de cada sessão, um spot publicitário presta contas de duas dezenas de filmes incentivados ao longo dos últimos 13 anos pelo banco, e Neto e o Domador de Cavalos é mais um para a lista.

Portanto, parte da função de um festival é divulgar a produção regional, muito embora isso não esteja direta ou necessariamente relacionado a questões artísticas. No caso do filme de Tabajara Ruas, que em 2002 lançou Neto Perde a Sua Alma, um filme melhor, mas outra aventura histórica pelos pampas, o novo título dá continuidade à sensação de espanto em tratando-se do cinema que é feito no Rio Grande do Sul.

A própria publicidade exibida diariamente - com exceções claras dos filmes de Jorge Furtado, o Wood & Stock de Otto Guerra e o doc O Cárcere e a Rua, de Liliana Sulzbach - passa como uma espécie de mausoléu que é o moderno cinema gaúcho, uma produção regional peculiar que chama a atenção por, de fato, existir, tanto financeiramente como pelo seu isolamento.

É composta por filmes que não acontecem artística ou comercialmente. E essa produção acontece de forma praticamente separatista no sentido geográfico e gaúcho do termo, pois é incentivada, em grande parte, por dinheiro local, como o muito divulgado em Gramado apoio do Banrisul.

Neto e o Domador de Cavalos deverá juntar-se à longa lista de filmes (Nossa Senhora de Caravaggio, de Fábio Barreto, Lua de Outubro e Concerto Campestre, de Henrique de Freitas, Noite de São João, de Sérgio Silva...) que tiveram dificuldade de encontrar espaço longe das telas gaúchas, e que integram um fenômeno que, do ponto de vista estético, do cinema, deve ser estudado com mais afinco.

No novo filme, Ruas nos apresenta uma estética que lembra Escrava Isaura sem o benefício da tela da TV. O aspecto empalhado do filme encontra eco nesse cinema gaúcho apaixonado pela história da região, um cinema capaz de convencer Tarcísio Meira Filho a interpretar um índio guarani e onde o ator local (com reconhecimento nacional) Werner Schunnemann é uma espécie de alter-ego dessa cinematografia.

Ele interpreta Netto, envolvido na história do “negrinho do pastoreio”, adolescente escravo de tintas messiânicas que representa a luta contra a crueldade opressora e escravagista da região, no século 19. Se os valores da produção são escassos, é o cinema em si que choca.

Mais uma vez, volta a noção de cinema radiofônico, num filme que poderia passar muito bem numa transmissão FM. Há uma narração para cegos realmente impressionante no seu didatismo e intromissão, com informações tipo "o enterro foi no pôr do sol...", e corta para um alaranjado ... er... pôr do sol. Um espelho é meticulosamente quebrado em câmera lenta e um segundo depois, ouvimos um personagem exclamando "sete anos de azar!".

Os atores são deixados ao relento pelos enquadramentos fechados, ou pior, abertos, onde um grupo de personagens sugere adesão total a "Xs" no chão. A montagem prova que o filme e seu senso narrativo estão em apuros quando cenas destoantes são montadas paralelamente, e o que dizer do uso assustador e enigmático de atabaques na trilha sonora, em surtos de cinco segundos? Uso da 'noite americana' também débil.

É claramente o filme modelo sobre a conquista do incentivo e da captação, e a falta de domínio da visão de cinema pelo que ele deveria ser como expressão, seja ela como arte ou mesmo comércio. Incentivos estaduais devem ser sustados? De forma alguma, o cinema precisa ser incentivado, sempre, como ato de resistência cultural. Isso, no entanto, não significa que devamos fechar os olhos para os caminhos tomados por toda uma filmografia, e pelos modelos estéticos que ela mesma toma para si.

1 comment:

Anonymous said...

hahahahhahhha

o cinema gaúcho ta crescendo...