Friday, January 23, 2009

Guel Arraes Sobre 'Romance'



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

10/11/2008

"Uma das coisas boas de lançar um filme é poder já estar pensando no próximo", disse ontem, durante um almoço, no Pina, o cineasta pernambucano Guel Arraes. No Recife para apresentar seu último filme, Romance, Arraes confidenciou que o sistema de já ter um novo projeto encaminhado funciona bem para sustentar o tranco de colocar um filme novo no mundo, com as tensões inerentes ao processo (receptividade do público, da crítica).

Seu próximo projeto será uma atualização de O Bem Amado, de Dias Gomes, com Marco Nanini no papel principal que foi, de certa forma, imortalizado na cultura brasileira por Paulo Gracindo na Globo dos anos 70. "A pré-produção já está a pleno vapor, estamos procurando locações e devemos filmar no final de janeiro".

Ele mostrou-se pouco entusiasmado com a possibilidade de fazer cinema popular sem povo, e com as carreiras possíveis que filmes são capazes de ter atualmente no Brasil. Ele acredita que o novo projeto faça o duplo salas de cinema/depois mini-série na Globo, estrutura invertida se lembrarmos que Auto da Compadecida (2000), seu primeiro longa metragem, passou primeiro na TV.

Com uma obra marcada pelo tom híbrido da sua linguagem – "dirigi três peças, mas, na verdade, eram mais TV do que teatro como texto", Arraes chega a Romance com um filme onde o número de cortes é menor do que os seus anteriores, e com a suspeita de que talvez seja um filme "mais fechado" do que Auto ou Lisbela e o Prisioneiro (2003) que, juntos, venderam mais de quatro milhões de ingressos. O filme será lançado nacionalmente amanhã, com cerca de 90 cópias, número médio/grande.

"Essa questão da linguagem sempre me chama a atenção. Saí do Recife em 1969 e em Paris eu tinha um gosto muito alternativo para cinema, inclusive evitando ver filme americano, me apaixonando por Jules e Jim e freqüentando a Cinemateca Francesa de Henri Langlois. "Quando voltei para o Brasil, fui trabalhar direto na Globo, e de repente me vi questionando aqueles preconceitos anteriores meus."

Arraes também parece fazer uma auto-reflexão sobre um dos seus personagens em Romance, o do chefão televisivo de José Wilker. "Vejo nele muita coisa de Daniel Filho e do Boni, mas também de mim mesmo como produtor.

Ele vê o amor como o motor do seu filme novo, baseado em dois pontos: "a música de Caetano Veloso e Jules e Jim, de Truffaut. São obras que discutem o amor contemporâneo que marcaram minha vida. Outra coisa é trabalhar com grupos de teatro que sempre me pareceu muito doce e nostálgico, que talvez remeta aos anos 70, meus anos de formação".

Sobre Tristão e Isolda, Arraes definiu seu interesse pela obra como "técnica". "para fazer uma história de amor sobre o amor, pensamos originalmente em Dom Quixote e Dulcinéia. O amor como ser intransferível, inexprimível, é um bom tema para ficcionalizar".

Dentro da idéia de criar uma ficção com tons sempre alegóricos, perguntamos a Arraes o porquê de seu trabalho tentar evitar a realidade imediata, algo que Romance já revela um pouco mais. "Interessante você levantar isso, pois minha formação é de documentarista, mas na ficção me preocupo muito com o controle sobre as coisas. A estação de metrô que está em construção no filme não está ali por acaso, mas por fazer parte da história. Talvez seja algo que vem do teatro!"

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