Sunday, February 8, 2009
Storm
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Sobre os dois destaques projetados no festival no final de semana, o tom multi-nacional está mais próximo de prêmios ecumênicos. A primeira coisa que pode-se dizer (positivamente) desses dois filmes meio que detona o filme do Tykwer. Por enfocarem redes (ou networks) internacionais, faz total sentido que ouçamos línguas diferentes. Uma das coisas mais belas de se viajar, e estar num tipo de estação espacial como essa, num festival de cinema, é o ataque ora delicado, ora estridente de gente falando múltiplos idiomas.
No cinema, especialmente o americano, isso é emudecido para que o inglês passe como um rolo compressor por cima de todos, beneficiando o público americano que parece tentar mentalizar o mundo como anglo-fônico. O filme de Tykwer não se esforça muito para usar as múltiplas línguas ao seu favor (poderia ser um fator curiosíssimo no filme), adotando a estética de estrangeiros que falam o inglês mais impecavelmente digitado possível, com corretor de texto, sinônimos e antônimos.
Melhor uso disso que vejo como uma ferramenta (alguém aqui viu Um Filme Falado, de Oliveira?) está em Storm e Mammoth. No sábado, passou o primeiro, falado em inglês, alemão e bósnio-croata, filme de aspecto enfadonhamente convencional, mas competente dentro disso, em especial nos meandros de um mundo regido pela política do presente como sendo mais importante do que crimes do passado. Tensões internas não são careta.
As peças do jogo são uma promotora inglesa (Kerry Fox) da corte de Haia, na Holanda, que tenta condenar um general croata por crimes de guerra, nos anos 90. O julgamento vai por água abaixo quando a principal testemunha mente. A chegada de uma segunda testemunha (a romena Ana Maria Marinca, de Quatro Meses Três Semanas e Dois Dias, excelente em três línguas), estuprada na guerra num incidente sangrento, hoje casada e morando em Berlim, transforma intimidações violentas vindas do seu país num desejo de escancarar tudo.
A tensão vem do fato de as revelações trazidas por essa mulher finalmente irem contra a vontade política que prepara o terreno para que a União Européia receba de braços abertos os países da antiga Iugoslávia, sem que lembranças desagradáveis venham pôr isso em risco. Ela terá de respeitar um acordo onde o julgamento deverá focar num outro crime de guerra, de relativa e menor intensidade, e evitar o outro, que ela sofreu com maior. É uma dessas situações absurdas que só a política e a burocracia são capazes de criar, e que ilustram bem um filme sobre a verdade pessoal e a relevância dessa verdade num panorama maior. Bem recebido.
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