Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
“I remember you well, from the Chelsea Hotel...”
Leonard Coen
Interessante como é possível lavar o gosto ruim deixado na boca por um filme (Synecdoche, New York) com outro logo depois, e o segundo não é exatamente livre de sujeiras. Talvez seja o toque do diretor. Chelsea on the Rocks (fora de competição), de Abel Ferrara, é uma espécie de documentário sobre um espaço vivo e mítico de Nova York que todos nós conhecemos de fama, leitura, música e cinema chamado Chelsea Hotel, a hospedagem que faz parte importante do imaginário da arte e da cultura ocidental, de certa forma, refúgio de criadores, seus corredores já percorridos por gente como Dylan Thomas, Andy Warhol, Marilyn Monroe, Arthur Miller, Janis Joplin, a lista é imensa.
O filme, claro, é mais um tijolo na construção de uma filmografia ardorosamente nova-iorquina de Ferrara, cidade que tem seus cronistas trocando tapas em forma de filme para contribuir com retratos sentidos da cidade (Spike Lee, Martin Scorsese, Woody Allen). Livre, leve e solto, Ferrara e suas câmeras digitais com muito ganho de imagem (sem luz, grão digital estourado na tela) percorrem os corredores e entram nos quartos, alguns deles transformados, ao longo dos anos, em apartamentos. Como disse muito bem João Cândido, que está cobrindo para o Filme B, saindo da sessão, “É Edifício Máster on acid!”.
Ferrara entrevista (e no caso de Ferrara, entrevista significa ouvir suas gargalhadas insanas seja para concordar, ou discordar dos entrevistados, ele sempre off câmera) moradores novos e antigos, bebuns, drogaditos, talentosos e medíocres do presente e do passado que tanto foram parar no Chelsea naturalmente, como também ali se dirigiram para vampirizar sua suposta energia inspiradora. Essa energia atraiu (ou matou), por exemplo, Sid Vicious e Nancy Spungen, cujo fim violento Ferrara recria “como tanta gente maluca que vem aqui se vestir dos dois e reconstituir a estadia no Chelsea”.
Entrevistas novas são intercaladas com material de arquivos pessoais, como a reação filmada na hora de um morador, de sua janela, à descida das duas torres, sub-tema que deixa clara a importância do 11/9 no coração de Nova York. Ethan Hawke, claramente envelhecido e com aura de senhor maduro, fala abertamente que foi para o Chelsea (onde fez um filme, aliás, Chelsea Walls) para recuperar-se do fracasso do seu casamento (com Uma Thurman).
O filme parece lançar visão secamente nostálgica para um espaço (tombado pelo patrimônio histórico nos EUA), e Ferrara sugere que um take over e a saída do também mítico Stanley Bard, gerente e proprietário (cotista), que misturava uma noção bem incomum de administração e amizade com alguns dos mais conhecidos hóspedes, como Robert Crumb.
O encontro dele com o cineasta tcheco Milos Forman é uma delícia, dois velhos amigos dos anos 60, o Chelsea a casa de Forman na época em que não tinha dinheiro. Juntos, desencavam histórias fantasmagóricas como a da velha que dormiu com a carne no fogo e morreu não do incêndio, mas afogada pela água dos bombeiros. Documento afetivo sobre espaço humano, delícia.
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1 comment:
Ouvi dizer que o Ethan Hawke canta uma música que compôs enquanto morava no Chelsea. É verdade?
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