Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Uma das revistas diárias que circulam por Cannes lançou concurso piada para ver quem pronunciava a palavra Synecdoche, parte do título do primeiro filme como diretor do famoso roteirista americano Charlie Kauffman. Synecdoche, New York, exibido hoje em competição, traz as peculiaridades do escriba responsável por roteiros de forte traço pessoal como Quero Ser John Malkovitch e Adaptação, de Spike Jonze, (produtor deste), e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry. Embora o filme tenha sido bem recebido pela imprensa, ficou sensação de estarmos diante de uma sopa de neuroses com curiosa afetação.
Kauffman geralmente atrai para si próprio, e para o seu trabalho de inventor de realidades pessoais ligeiramente deturpadas, a palavra "estranho". Há uma sensação de doença constante na sua obra, e que aqui parece atingir grau máximo.
Mesmo não compartilhando da sua visão modorrenta da vida, em narrativas onde os efeitos especiais de texto e imaginação livre parecem mais fortes do que dramas humanos apresentados, não há como não ficar admirado com o desprendimento que Kauffman tem para escrever até trincar os dedos personagens aflitos perdidos em situações sublinhadas pelo surrealismo (ver o "sétimo andar e meio" de Quero Ser John Malkovitch... ou o apagamento de sentimentos amorosos de Brilho Eterno...).
Desta vez, ele parece ter pego a estrada maluco beleza sem o cinto de segurança de um diretor para policiar seus vôos, partindo numa jornada sem volta, mas com a fé do seu elenco de atores simpáticos à causa autoral e independente.
São tantos os elementos que aparecem em cena na história de vida de um dramaturgo (Philip Seymour Hoffman, de Capote e A Família Savage) da cidadezinha titular que logo o espectador passa a acreditar que está vendo uma sopa espessa de digestão pouco saudável. Esse homem é deixado pela esposa (Catherine Keener), que vai avançar sua carreira de artista plástica em Berlim, levando a filha pequena junto. A menina cresce longe do pai e esquece o inglês.
A bilheteira do teatro onde trabalha (Samantha Morton) é apaixonada por ele, e é a moradora de um apartamento em constante estado de incêndio. Por algum motivo, o corpo dele entra em lento estado de falência quando todas as funções biológicas autônomas vão parando. Mais ou menos por aí, ele ganha "a bolsa dos gênios" da Fundação Macarthur e parte para construir um ambicioso projeto de teatro, onde cada ator irá ser ele ou ela mesmos, enquanto acompanhamos os envelhecimentos e decadências físicas e artísticas de todos os envolvidos.
Synecdoche, New York é um claro signatário da filosofia "a vida é sem sentido e depois você morre", mas é fato que é uma tentativa claramente anormal de se almejar algum tipo de expressão artística. É um filme adulto, apimentado pelos aspectos mais desagradáveis do amor, da sexualidade e das violências amorosas que existem na existência de cada um. Apenas, vendo tudo tão concentrado de uma vez só causa enjôo. O que não me surpreenderia se ganhasse algum prêmio importante no domingo.
cinemascopio@gmail.com
Uma das revistas diárias que circulam por Cannes lançou concurso piada para ver quem pronunciava a palavra Synecdoche, parte do título do primeiro filme como diretor do famoso roteirista americano Charlie Kauffman. Synecdoche, New York, exibido hoje em competição, traz as peculiaridades do escriba responsável por roteiros de forte traço pessoal como Quero Ser John Malkovitch e Adaptação, de Spike Jonze, (produtor deste), e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry. Embora o filme tenha sido bem recebido pela imprensa, ficou sensação de estarmos diante de uma sopa de neuroses com curiosa afetação.
Kauffman geralmente atrai para si próprio, e para o seu trabalho de inventor de realidades pessoais ligeiramente deturpadas, a palavra "estranho". Há uma sensação de doença constante na sua obra, e que aqui parece atingir grau máximo.
Mesmo não compartilhando da sua visão modorrenta da vida, em narrativas onde os efeitos especiais de texto e imaginação livre parecem mais fortes do que dramas humanos apresentados, não há como não ficar admirado com o desprendimento que Kauffman tem para escrever até trincar os dedos personagens aflitos perdidos em situações sublinhadas pelo surrealismo (ver o "sétimo andar e meio" de Quero Ser John Malkovitch... ou o apagamento de sentimentos amorosos de Brilho Eterno...).
Desta vez, ele parece ter pego a estrada maluco beleza sem o cinto de segurança de um diretor para policiar seus vôos, partindo numa jornada sem volta, mas com a fé do seu elenco de atores simpáticos à causa autoral e independente.
São tantos os elementos que aparecem em cena na história de vida de um dramaturgo (Philip Seymour Hoffman, de Capote e A Família Savage) da cidadezinha titular que logo o espectador passa a acreditar que está vendo uma sopa espessa de digestão pouco saudável. Esse homem é deixado pela esposa (Catherine Keener), que vai avançar sua carreira de artista plástica em Berlim, levando a filha pequena junto. A menina cresce longe do pai e esquece o inglês.
A bilheteira do teatro onde trabalha (Samantha Morton) é apaixonada por ele, e é a moradora de um apartamento em constante estado de incêndio. Por algum motivo, o corpo dele entra em lento estado de falência quando todas as funções biológicas autônomas vão parando. Mais ou menos por aí, ele ganha "a bolsa dos gênios" da Fundação Macarthur e parte para construir um ambicioso projeto de teatro, onde cada ator irá ser ele ou ela mesmos, enquanto acompanhamos os envelhecimentos e decadências físicas e artísticas de todos os envolvidos.
Synecdoche, New York é um claro signatário da filosofia "a vida é sem sentido e depois você morre", mas é fato que é uma tentativa claramente anormal de se almejar algum tipo de expressão artística. É um filme adulto, apimentado pelos aspectos mais desagradáveis do amor, da sexualidade e das violências amorosas que existem na existência de cada um. Apenas, vendo tudo tão concentrado de uma vez só causa enjôo. O que não me surpreenderia se ganhasse algum prêmio importante no domingo.
1 comment:
excelente. exatamente.
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