Tuesday, February 3, 2009

Lemon Tree


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Vendo a produção multinacional (Alemanha, França, Israel) Lemmon Tree (Etz Limon, 2008), dirigido pelo israelense Eran Riklis com olhar claramente pró-palestino, talvez seja possível não apenas entrar um pouco mais nos conflitos tão divulgados que dividem muçulmanos de judeus, mas também pensar em alguns dos nossos. A imagem principal desse filme é a linha reta que divide, e que aqui ganha as formas de muros e cercas.

A incursão ultra-violenta que deixou mais de mil palestinos mortos ao longo do último mês na Faixa de Gaza dá relevância factual a Lemon Tree, exibido no Festival de Berlim do ano passado. Curiosamente, as citações a mísseis do Hezbollah e frases como "Israel às vezes passa dos limites" passam a sensação de que o filme foi finalizado duas semanas atrás.

Lemmon Tree (lançado no Brasil com esse título, literalmente "Limoeiro") utiliza um pequeno incidente doméstico em tom de fábula para ilustrar uma situação cujas linhas gerais o mundo já conhece relativamente bem. O governo de Israel decide derrubar os pés de limoeiro que pertencem a uma viúva palestina. Os militares decretam o pomar de Salma Zidane (Hiam Abbass, boa presença) uma ameaça à segurança do novo ministro da defesa, Israel Navon (Doron Tavory, milico asqueroso), cuja nova residência é vizinha da solitária viúva.

Seus limoeiros foram plantados pelo seu pai e, durante 40 anos, sustentaram a pequena economia da sua família. Ameaçados com o corte sumário (mais simpática indenização), as árvores oferecem, em teoria, proteção e disfarce para inimigos do estado contra o ministro e sua esposa, Mira (Rona Lipaz Michael), uma arquiteta, ela mesma sempre às voltas com linhas retas na tela do seu computador e em projetos plotados.

Sob uma camada espessa de "world cinema" edificante, Lemmon Tree revela-se aos poucos uma fábula de interesse, clássico arquétipo de Davi e Golias. Não há aqui a ironia cortante de um Elia Suleiman (do excelente Intervenção Divina, um dos melhores filmes desta década), cineasta palestino que não poupa os dois lados, mas também não há o equilíbrio internacionalmente calculado de Paradise Now. O ponto de vista é claramente a favor da personagem palestina, mulher que parece ter se recusado, ao longo de toda a sua vida, a falar hebraico, a língua dos seus vizinhos de cerca.

Com a ajuda de Ziad, um advogado (Ali Suliman, um dos homens bomba de Paradise Now), ela irá lutar na justiça contra Israel para manter o direito de ter o seu pomar, luta que o filme transforma em cenas rápidas e pouco espetaculares de tribunal, levando Salma e Ziad à última instância da suprema corte. Isso irá atrair a atenção da mídia internacional, a simpatia de governos estrangeiros e a um racha entre o ministro e sua esposa, ela uma espécie de eixo moral imparcial da história.

Nada mais simbólico que rupturas ocorram. Riklis, durante todo o filme, não economiza nas imagens de mecanismos de separação: as novas cercas de arame que separam o pomar da casa do ministro, o chamado Muro de Israel no West Bank (registrado em vídeo com tons documentais), check-points e novos muros erguidos para deixar as duas partes ainda mais distantes.

É o segundo comentário pessimista filmado via israelenses da safra 2008 a mostrar algum senso crítico sobre Israel e suas atitudes político-brutalizantes, o outro o notável Waltz With Bashir, de Ari Folman, que ganhou o Globo de Ouro de Filme Estrangeiro e que acaba de ser indicado (ontem) ao Oscar de Filme Estrangeiro.

Para brasileiros, Lemmon Tree também pode nos levar a lembrar que um outro conjunto de ferramentas históricas e políticas nos fazem viver com uma quantidade também espetacular de cercas e muros, divisórias ora cruéis, ora apenas ridículas do medo que separa as muitas classes que fazem o Brasil. É o cinema falando dos outros, mas, de certa forma, de nós mesmos.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, janeiro 2009

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