Tuesday, February 3, 2009
The Curious Case of Benjamin Button
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
« A vida não é medida em minutos, mas em momentos », diz o slogan de cartão de crédito utilizado no cartaz de O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, EUA, 2008). O filme de David Fincher nos apresenta a história de um homem (Brad Pitt) que nasce velho e morre bebê depois de viver cerca de 80 anos na contramão do processo natural de todos os que ele conheceu e amou. É um dos filmes de prestígio e qualidade que aparecem como surto nessa época do ano, feito para deixar o grosso das platéias nos cinemas comerciais saindo pensativas até chegarem ao quiosque do shopping para pagar o estacionamento.
São 160 minutos dos mais ilustrativos, como se Fincher partisse para explicar, tim tim por tim tim, a imagem final da « criança estelar » de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, crente de que não deixará uma pergunta que seja sem resposta. O filme incha com grande pompa o conto de F. Scott Fitzgerald, originalmente publicado na coletânea Tales of the Jazz Age.
Vendo O Curioso Caso de Benjamin Button ser empurrado ladeira acima por Fincher e equipe técnica das mais capazes, nos chama a atenção uma das questões mais importantes dos que procuram na arte (teatro, música, dança, cinema…) algo que de fato nos intrigue, nos deixe mudados após nossa exposição à criação. Há uma diferença importante entre pensar e mostrar, e o filme de Fincher passa mais como um álbum de fotografias que, na pior das hipóteses, nós já esperávamos ver, da primeira à última foto.
O eixo existencialista do filme é uma história de amor entre o personagem titular e uma mulher chamada Daisy (Cate Blanchett, seu rosto e corpo indo dos 23 aos 80), ambos com mais ou menos a mesma idade, nascidos no pós-1a. Guerra Mundial em Nova Orleans. Button herda a fortuna do pai, Daisy torna-se uma bailarina que chega a dançar com o Bolshoi.
A grande tensão aqui vem do fato de ele, aos cinco anos de idade, ter a aparência de um diminuto nonagenário em cadeira de rodas, trabalho de caracterização e efeitos especiais interessantíssimo. Além de Pitt estar sob perfeita maquiagem, seu corpo ainda foi diminuído digitalmente, dando-lhe a aparência de um Yoda infantil, e o efeito é muito convincente (e estranho).
Todos nós sabemos que a idade avançada faz os idosos recuperar traços e tons infantis, mas o filme transforma isso numa imagem e tanto, parte das preocupações do realismo extremo perseguido por Fincher na sua carreira, na sua crença de que mostrar talvez seja mais relevante do que abstrair.
É uma das marcas pessoais desse realizador, que iniciou-se no cinema saído da publicidade e do videoclipe com Alien 3 (1992). Estilizou o filme de serial killer com Se7en (1995) e foi para as jugulares do pós-moderno com Clube da Luta (1999), um filme certamente curioso, mas claro trabalho de um cineasta verde, ainda com dificuldades de lidar com pequenos detalhes como o ser humano.
Seu interesse pela técnica cinematográfica faz com que seus filmes tenham o ar de brinquedos de um menino mimado, até que há dois anos ele lançou o muito bom Zodíaco, um brinquedo e tanto. Esse filme pessoal sobre, essencialmente, um lugar e um tempo, a cidade de Fincher (São Francisco) numa época (os anos 70) que ele viveu e conheceu, funcionou muito bem dentro da sua vontade de ilustrar tudo tão bem, sugerindo uma nova fase, talvez mais amadurecida, na sua trajetória.
Em Benjamin Button, no entanto, um filme sobre a vida e como vivê-la, é provável que o mostrar seja menos importante do que o sentir e o viver, aspectos que ganham tratamento já tão visto antes. Mais uma vez, por exemplo, temos a estrutura de um idoso no leito de morte, contando a sua insuspeita história de amor para um filho, algo usado recentemente no burocrático Ao Entardecer, com Vanessa Redgrave.
Vale salientar que a abrangência temporal do filme, ironicamente, parece falseada pela quantidade de artifícios que dublam lugares como Nova York, Rússia, Paris e o Atlântico Norte (em estúdios ou digitais), enquanto imagens da Índia parecem ter sido feitas de verdade. Em geral, o filme tem o look falso típico do cinema que utiliza o digital como um aliado que pode virar um inimigo.
Como o seu personagem Louis de Pointe du Lac em Entrevista Com o Vampiro (1993), Pitt atravessa a sua história com uma narração consciente cujo principal mote, e algo repetido inúmeras vezes, é a certeza de que « nada é para sempre ». Pitt, um ator competente que mostra-se quase sempre acima da sua presença indiscutível de estrela hollywoodiana, atravessa o filme com um ar frustrante de sonolência, como se Button nunca tivesse realmente parado para viver a vida, mesmo que ela tivesse o relógio indo no sentido anti-horário. Uma desconfortável lembrança de Forrest Gump (escrito pelo mesmo roteirista de Benjamin Button, Eric Roth) paira constantemente no ar, sem o benefício da ambiguidade daquele outro filme.
Esse filme de Oscar revela suas verdadeiras cores num final que honra em imagens o seu slogan publicitário, o tipo de artimanha emotiva cuja ressonância não parece ir muito longe.
Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, janeiro 2009
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