Tuesday, February 3, 2009

Yes Man



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Engraçado como os dois lançamentos hollywoodianos da semana se comunicam, de certa forma. Tanto em Foi Tudo um Sonho (Revolutionary Road) como em Sim Senhor (Yes Man, EUA, 2008), os personagens partem para mudar de vida, infelizes com o estado de coisas e com a forma como se relacionam com o mundo em volta. Se no primeiro, um drama barrinha pesada, eles não conseguem, no segundo, uma comédia "pra cima" das mais simpáticas tudo corre bem. Curiosamente, Kate Winslet (em Foi Tudo um Sonho) e Jim Carrey (Sim Senhor) estiveram juntos em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, outra parábola sobre melhorar e mudar, meio do caminho entre os dois filmes.

Nesse novo filme de Jim Carrey, que o marketing nos levou a crer que seria tão pavoroso quanto O Mentiroso (Liar Liar), o interessante ator e comediante faz Frank, um bancário emocionalmente negativo, flagelo masculino que ainda sofre com o fim do seu casamento, anos antes. "Não" é a palavra chave da sua vida, "não" para o cara que distribui panfletos na rua, "não" para sair com os amigos que já estão desistindo dele, "não" para os clientes que vêm pedir empréstimos no banco. Imagino que "não" também para filmes como este, pois Frank é tão negativo que o seu tipo de filme antes do make over é Jogos Mortais e 300.

Como geralmente ocorre nesse tipo de coisa, ele encontra um velho conhecido que irá apresentá-lo aos prazeres do "sim!", levando-o a uma dessas palestras assustadoras de auto-ajuda, com platéia de centenas, em sala de convenções de algum hotel, que repete aos gritos mantras que chamam a mudança e explicam o segredo de viver. O ator inglês figura Terrence Stamp é o mestre do "sim", convencendo Frank a adotar a palavra de três letras que rima com tim-tim.

E lá vai Frank dizendo "sim", inicialmente a um sem teto que mora longe e no mato (o plano do homem emburacando nas brenhas é uma jóia de mau gosto), e que usa o celular de Frank até esgotar a bateria. Eis que quem planta colhe, pois os frutos desse primeiro "sim" levam Frank, sem celular e sem gasolina, a um posto, onde encontra a adorável figurinha Allison (Zooey Deschanel, espécie de gracinha número 1 do cinema ocidental), o início de um agradável romance.

O filme revela-se gracioso para com o bombardeio social e comercial diário que tenta nos levar a dizer "sim" (vírus de PC incluídos), seja verbalmente ou apenas clicando o computador, armadilhas que aprendemos com o tempo a resvalar em direção a uma quantidade realmente assustadora de "nãos".

A resignação de Frank rumo ao "sim" o leva a dois dos momentos mais grotescos do filme, e que se destacam feito dois dedos no olho. No primeiro, ele aparece com uma pretendente iraniana, tratada pelo filme como bichinho do mato que merece o tipo de achincalhe bem americano em relação a todas as coisas estrangeiras (ou de raiz muçulmana). O segundo envolve a vizinha idosa (e fogosa), e há uma piada fim da picada com, claro, próteses dentárias.

Felizmente, o filme é melhor do que esse tipo de coisa, e há um aspecto irônico de interesse. À frente dos empréstimos e trabalhando com crédito no banco, Frank evita no seu processo de vida pré-"sim" o seu chefe abiscoitado (é fã de Harry Potter) e, no contato com o público, passa a dizer "sim" sempre para micro-empresários ou alegres consumistas, o que talvez explique o tipo de crise mundial de crédito que nasceu nos EUA, "o crédito mais fácil do mundo". A piada funciona e lembra a outra piada política (esta consciente) de As Loucuras de Dick e Jane (sobre rombo em fundos de pensão).

Filme visto no UCI Ribeiro, Janeiro 2009, Recife

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