Thursday, June 26, 2008

Wall-e (um Mac)


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Esta semana, na cabine de imprensa de Wall-e (EUA, 2008), o novo produto da incrível fábrica Pixar, pediram aos jornalistas que entregassem seus celulares à representante da Disney, ordens expressas da grande corporação do castelo encantado para que os telemóveis não fossem usados como máquinas de pirataria. Os três colegas que atenderam ao pedido (declinei polidamente, dentro das possibilidades) viram seus aparelhos embrulhados em sacos plásticos de investigação forense. Ironicamente, protegiam um filme industrial que apresenta bela reflexão sobre um mundo feio de marcas e máquinas. A saber, meu modelo é esse, equipado com duas câmeras e, pelo menos uma delas, capaz de captar imagens decentes durante alguns minutos. Permaneceu comigo. Juro que não gravei nada.

O cinema é normalmente tido como um grande equipamento, uma máquina amparada por tecnologia industrial de produção e distribuição. Raramente, no entanto, filmes são vistos como máquinas em si, e Wall-e resulta numa criação e tanto, uma geringonça admirável. O filme é não apenas uma aventura fascinante para todos, mas pode também oferecer uma visão artística espantosa da sociedade moderna que o produziu, retrato borrado fiel.

Já há algum tempo que tornou-se repetitivo escrever anualmente sobre a excelência da Pixar, a produtora de Toy Story (1995), Os Incríveis (2004) e Ratatouille (2008), todos nota dez. Se fosse um time de futebol, a Pixar seria o campeão invicto há 13 anos, sempre de goleada. Seus vices (Shreks, Abelhas e Pandas, geralmente da Dreamworks Animation) fazem sucesso lutando pelos vitoriosos segundos lugares com piadas televisivas e animações esforçadas.

A Pixar, que foi comprada pela Walt Disney Company por sete bilhões de dólares depois de abafar os filmes da própria Disney em repercussão e arrecadação, conseguiu, sob contrato firmado a ferro e fogo, manter-se livre artisticamente da mãe controladora, sua distribuidora. É um ninho californiano de jovens criadores que continua avançando rumo ao infinito e além com obras cheias de imaginação.

Em Wall-e, o personagem principal é um robô com a sigla titular ainda legível na velha lataria (Wall-e: "waste allocation load lifter – class Earth", ou "empilhadeira de carga para distribuição de lixo – classe Terra"). O conceito é lindo. Essa maquininha é a imagem radical da solidão, o último 'habitante' da Terra, ou talvez dos EUA, que virou um grande lixão. Ele vive numa paisagem de sucata entre montanhas de dejetos das grandes corporações que só industrializavam em larga escala, talvez como a própria Disney.

Como em Blade Runner, a raça humana foi literalmente para o espaço, vivendo em colônias "off-mundo". É retratada como uma nação em órbita formada por americanos obesos cujo sedentarismo - assistido por todo tipo de tecnologia consumista - aboliu o simples contato olho no olho. Nessa sátira a toda uma civilização, o ser humano virou um mamífero inerte com a graça de leões marinhos, inchado pelo seu próprio conforto tecnológico adquirido.

Sozinho na Terra, Wall-e empilha o lixo deixado por essa cultura. No fim do dia, tem uma casinha para onde recolhe-se, sua única amizade a de uma simpática baratinha, a imagem poética da sobrevivência. Um VHS do musical da Fox Hello Dolly (1969) traz algum alento para rotina tão insalubre.

A recorrência do elemento industrial chama a atenção na Pixar. A humanização de brinquedos em Toy Story, ou automóveis, em Carros (2006), é levada a um outro nível, visual e sonoro. O diretor Andrew Stanton, que levou o Oscar de animação por outra demonstração de excelência via Pixar, Procurando Nemo (2003), investe na narrativa puramente visual com leveza marcante, sem diálogos durante boa parte da projeção.

O trabalho de som do gênio na área, Ben Burtt, além de algo especial, revela o conceito que talvez explique o sucesso de Wall-e como exemplar de uma expressão artística pura na sua contaminação como forma de expressão. Foi Burtt quem revolucionou a noção de áudio em Guerra Nas Estrelas e E.T. Não por acaso, Wall-e, visto de perto ou de longe, emitindo sons ou calado, parece mesmo o filho de R2-D2 de George Lucas com o alienígena de Steven Spielberg, filmes emblemáticos para as últimas três gerações, e os que fazem a Pixar pertencem a esse grupo. É de se imaginar o apelo que esse filme terá junto às crianças.

Andrew Stanton, 43 anos, fez do seu filme-máquina um dos mais artísticos mosaicos de peças avulsas do grande lixão que é a cultura pop pós-moderna, hoje, num cenário que mostra-se virtualmente impossível não adotar a estética liquidificador, sensação semelhante à tida numa outra obra autoral lançada há pouco, Fim dos Tempos (The Happening), de M Night Shyamalan.

Estão lá parte do design e da idéia de descontrole via tecnologia de 2001, de Stanley Kubrick, referencias visuais a construções marcantes de Alien e Aliens, em especial no tom industrial de um futuro velho, feito pelos restos da civilização, também de Mad Max. Jacques Tati e seu Playtime não deve estar longe, sem falar que Wall-e, sua amada sonda branca Eva e o filme em si tem a resistência, arrojo de design e confiabilidade de um Mac.

Não é apenas uma questão de admirar a riqueza do conceito, e de como ele é explorado, mas também de levar em conta o cheque branco que a Pixar teve ao nos mostrar um novo filme tão silencioso, por uma vez desprovido da idéia muito comercial de família e que ainda mostra um mundo em grande parte destruído pelas simpáticas multidões de gordos que, na verdade, somos nós, a raça humana.

Em Fim dos Tempos, tivemos um outro colapso da vida na Terra, talvez uma revolta da flora contra a raça humana. Em Wall-e, mais uma vez as preocupações com os destinos do planeta ganham imagens poderosas que só o cinema americano, na sua melhor expressão, é capaz de nos dar. É uma justificativa eco-temática num filme que mimetiza aquilo que ele mesmo é: máquina, indústria e lixo.

Filme visto no UCI Tacaruna, Recife, Junho 2008


Jogo de Amor em Las Vegas (da série "FILME QUE MULHER NÃO GOSTA NÃO DÁ BILHETERIA")

Kleber Mendonça Filho 
cinemascopio@gmail.com

O gênero por excelência do multiplex deve ser mesmo a comédia romântica. É a atração fatal de casais que saem à noite para "pegar um cineminha", o que casa com mantra machista largamente difundido entre distribuidores cinematográficos: "filme que mulher não gosta não dá bilheteria". Na última terça-feira, tudo foi confirmado outra vez. Numa das pré-estréias de Jogo de Amor em Las Vegas (What Happens in Vegas, EUA, 2008), sala quase cheia, gargalhadas em todas as direções para Cameron Diaz e Ashton Kutcher, dois representantes legais da feminilidade e masculinidade cinematográficas de Hollywood hoje, colírios para todas as orientações sexuais atualmente disponíveis.

A personagem dela (loira, magra, bronzeado de micro-ondas) acaba de levar um fora do noivo, o dele (alto, forte, contratualmente sem camisa) acaba de perder o emprego. Suas trajetórias paralelas os levam a Las Vegas, espécie de shangri-lá da cultura americana, "cidade do pecado" onde tudo é permitido em finais de semana regados a dinheiro, bebida e sexo, válvula de escape moral. E os dois lá se encontram para afogar mágoas e, trêbados, casam-se numa cerimônia a jato, horas antes de acordarem com a obrigatória ressaca física e moral.

O roteiro arremessa toda essa informação em cusparadas de imagens maníaco-obsessivas, aparentemente com a intenção de transmitir a loucura que é estar na manguaça em Las Vegas. Vamos Nessa (Go!) havia captado esse clima de farra de maneira bem mais eficaz, e aqui o recado é apenas levemente dado.

Um desdobramento engraçado traz para o casal (que já discute um rápido divórcio) um jackpot de três milhões de dólares, saído de uma máquina onde ela pôs a moeda e ele acionou a alavanca. E o casamento fugaz entre esses dois vira, claro, 'big business', e todos nós (desde o trailer) passamos a desconfiar para onde o filme estará indo.

Em alguns dos melhores momentos (até mais ou menos a audiência com o juiz), eu estava gostando razoavelmente. Há um estilo claramente 'screwball comedy' americana no ar, e o jackpot me pareceu uma idéia cínica sobre a idéia que os americanos têm de um casamento, tema tratado por último no filme do Sex and the City.

Sob ordem judicial, os dois são obrigados a viver seis meses sob o regime de casamento, e entram as piadas sobre tampa de sanitário para cima, cuecas espalhadas pela casa e as horas que ela passa no banheiro mexendo no cabelo. Comentários sobre o mundo corporativo onde ela trabalha marcam presença, e os dois amigos dela e dele ameaçam roubar a graça.

Em alguns momentos, Jogo de Amor em Las Vegas anima bastante a patifaria à mostra na tela com um estilo hiperativo anabolizado que é engraçado por si só. Contra o filme vai a clara higienização de uma história sobre adultos, sexo, bebida, farras e relacionamentos, o que nos sugere um filme melhor que poderia ter sido. Esse filme, aliás, já foi feito e chama-se A Guerra dos Roses (1990), aquela vitamina reforçada de fel que Danny de Vito dirigiu para adultos, com Kathleen Turner ("Woof! Woof!) e Michael Douglas.

Sobre o filme que foi feito, um dos preceitos da comédia romântica é o de que todos os caminhos levam ao casório, mesmo que ao final molenga você sinta uma estranha saudade dos personagens no início da projeção. O ponto de partida num produto como esse sempre soa mais livre do que o final de novela ruim.

Filme visto no UCI Recife, Junho 2008

Monday, June 23, 2008

Recife, Noite de São João

Recife, 23 de Junho, São João.

Cine São Luiz (Largo do Machado, Rio, circa 1976)

Reprodução feita por mim de foto pendurada no Restaurante Lamas, Largo do Machado, Rio.

Cine Olympia (Bairro do Arruda, Recife, circa 1955)

do acervo de Josias Saraiva.