Saturday, September 27, 2008

Paul Newman Faleceu






(um dos meus filmes preferidos dele)

aos 83 anos.

Friday, September 26, 2008

Festival do Rio 2008



Filmes, Copacabana e gente com duas cabeças. É o Festival do Rio, meu décimo primeiro, aliás. Mais aqui. KMF

Meu breve guia do que ver. (***** max)

*LIVERPOOL * 1/2
* Aquele querido mês de agosto ****
* ELEGY * 1/2
* Procedimento Operacional Padrão ***
* CHE de Steven SODERBERGH *** 1/2
* ENTRE LES MURS de Laurent CANTET - ****
* GOMORRA de Matteo GARRONE ****
* LA FRONTIÈRE DE L'AUBE de Philippe GARREL - ***
* LA MUJER SIN CABEZA de Lucrecia MARTEL - ***
* LE SILENCE DE LORNA de Jean-Pierre et Luc DARDENNE ***
* LEONERA de Pablo TRAPERO - ***
* SERBIS de Brillante MENDOZA - ****
* SYNECDOCHE, NEW YORK de Charlie KAUFMAN - ** 1/2
* TWO LOVERS de James GRAY - ****
* UN CONTE DE NOËL de Arnaud DESPLECHIN - *** 1/2
* WALTZ WITH BASHIR, de Ari FOLMAN - *** ½
* BOOGIE, de Radu Muntean - ***
* A FESTA DA MENINA MORTA, de Matheus NACHTERGAELE - **
* TULPAN de Sergey DVORTSEVOY - *** ½
* SURVEILLANCE de Jennifer LYNCH - *** 1/2
* THE CHASER de Hong-Jin NA - *** 1/2
* THE GOOD, THE BAD, THE WEIRD de Jee-woon KIM - ***
* VICKY CRISTINA BARCELONA de Woody ALLEN - *** 1/2

Thursday, September 25, 2008

A Última Amante



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Os filmes da cineasta francesa Catherine Breillat são capazes de despertar discussões acirradas no pós-sessão, seja pela voz psico-internalizada do sexo, ou pelo uso incomum de uma pedra ou de um cabo de enxada num outro momento mais duro. Filmes seus como Romance (1999), Para Minha Irmã (Á Ma Soeur, 2001) ou Anatomia do Inferno (Anatomie de l'enfer, 2004, inédito no Brasil) passam como versões radicais do modelo francês de verbalizar a sensualidade, despertando a repulsa e o sono em muitos, ou o interesse em outros. A Última Amante (Une Vieille Maîtresse, França, 2007) representa o toque Breillat numa embalagem mais acessível do que a norma. O filme é não apenas inteligente e humano, mas também divertido.

Exibido em competição ano passado no Festival de Cannes, A Última Amante é uma adaptação literária de um romance de 1851 escrito por Jules Barbey d'Aurevilly. Investiga com enorme efeito o mito da amante, « a outra », a terceira peça (in)desejável de um casal, prazer para uma das partes (nesse caso, o homem), pesadelo para a sua mulher escolhida perante a sociedade. Essa semana, aliás, foi noticiado que uma amante no centro-oeste terá de indenizar uma esposa no valor de 31 mil reais não tanto por adultério, mas por perseguir obsessivamente a mulher oficial, ao ponto de ameaçar sua relação com os filhos e levá-la a perder o emprego.

A amante no filme de Breillat, a franco-espanhola Vellini (Asia Argento), não sugere ações do tipo, muito embora ela tenha qualidades particulares. Sabe-se que é filha de uma nobre mulher francesa com um toreador, relação ilícita que definiu sua posição na sociedade francesa (o filme se passa em 1835).

Seu caso de amor com o muito bem nascido Rino de Marigny (Fu'ad Ait Aatou) já tem mais de dez anos e é público e notório. Essa relação será testada com o anúncio de que Rino irá casar-se com a virtuosa boneca de porcelana Hermangarde (Roxane Mesquida), da alta roda.

Como em outras obras literárias do mesmo século (Les Liaisons Dangereuses/As Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos, ou The Age of Innocence/A Época da Inocência, de Edith Wharton), bem adaptadas para o cinema por gente como Stephen Frears e Martin Scorsese, temos dois cínicos manipuladores: o visconde de Prony (Michael Lonsdale, que presença!) e a condessa d'Artelles (Yolande Moureau), que discutem, tomando chá e comendo bem, sobre os impulsos romântico-carnais das peças de tabuleiro que manipulam.

Informada por Prony sobre os planos de casamento do seu amante, Vellini não mostra-se vencida, pois ninguém, segundo ela, tem idéia da força que existe entre ela e Rino. Mais tarde, ele chega para uma despedida apaixonada, a conclusão de um romance libertino e instável, mas que sempre resultou nos dois juntos, na cama.

O filme é inegavelmente de Breillat, que o realizou como prova da sua força pessoal, pois recuperava-se, aos 56 anos, de um derrame que a deixou parcialmente paralisada, meses antes de filmar. O cinema francês de época, sem grandes orçamentos, traz uma elegância no filmar que chama a atenção.

A sorte focada de Breillat, no entanto, está nos seus atores, que encarnam humana e visualmente os arquétipos clássicos de quem representam. Rino parece representar à perfeição o cavalheiro que simboliza o desejo feminino projetado de um ser masculino. Sua noiva é a perfeição virginal e nobre.

No entanto, é Ásia Argento que sai com o filme embaixo do braço. Essa atriz interessantíssima tem algo de inegavelmente punk, aspecto que tem sido utilizado com paixão por outros diretores em filmes ambientados hoje em dia (Terra dos Mortos, Transilvânia), mas que parece criar uma tensão muito interessante num filme de época como esse, e isso vai até mesmo para a sua tatuagem visível que Breillat parece ter deixado de pensar em maquiar.

Sua beleza que muitos confundem com feiúra tem algo de desafiador, seja de charuto na boca ou lambendo a ferida do seu amado. A composição de Argento para Vellini é talvez seu melhor papel no cinema, até agora.

Filme visto no Estação Botafogo 1, Rio, Setembro 2007

Reflexos do Passado




Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Questão recorrente, e fonte de alguns prazeres para o espectador, é a união entre música pop e cinema. Muitos filmes usam canções como muletas para trazer sensações que o próprio filme não é capaz de transmitir em imagens, para não falar dos que só querem empurrar uma canção comercialmente, a música tão importante quanto o Mc-Lanche Feliz que vai na promoção do filme. Poucos, no entanto, transformam a música (ou uma canção) num personagem, talvez o aspecto mais interessante de Reflexos do Passado (Flashbacks of a Fool, Inglaterra, 2008), filme do novato Baillie Walsh.

Esse diretor de comerciais conseguiu filmar seu projeto pessoal pela participação do amigo, aqui produtor e ator Daniel Craig, o atual James Bond. O título original traduz como "Lembranças de um Bôbo", e Craig (muito bom) é o personagem titular, o astro hollywoodiano Joe Scott. A apresentação de Joe não é das melhores, numa cena de sexo obrigatoriamente escura e 'artisticamente' desfocada. Na cama com o que mais parecem duas modelos, cheirando cocaína e com performance abaixo do esperado, Braillie vai de mão pesada ao tentar gritar para o espectador o quão decadente seu personagem está.

A coisa piora com a entrada em cena da sua empregada, Ophelia (Eve), que reitera a decadência do patrão num curto discurso que combina com a decoração fria e espaçosa da casa californiana à beira mar. Na verdade, o que Ophelia diz é inferior à sua pessoa, e à sua presença refrescante, uma vez que as outras demonstrações de humanidade próximas a Joe são a sua fornecedora de drogas, seu empresário tubarão em Hollywood ("eles querem alguém mais jovem, Joe!") e um diretor de filmes de ação sem nada na cabeça. Uma vida vazia, pois.

Toca um telefonema da Inglaterra, que informa Joe sobre a morte de um amigo de infância, Boots. A notícia irá levá-lo a um redemoinho de questionamentos pessoais e a uma bruta saudade de um período essencial na sua vida, nos anos 70. Abre-se um longo flashback onde a Inglaterra das memórias é ensolarada e sensual (filmada na África do Sul...), e onde a música pop era bela.

O jovem Joe (Harry Eden), filho de uma casa feminina (mãe, tia, irmã), também à beira mar, e aos 16 anos, inicia-se sexualmente com uma mulher casada (Jodhi May) escrava de hormônios e que parece ter a palavra "CATÁSTROFE" estampada na testa, aviso que o inexperiente Joe não consegue ler. Predatória, negativa e carente, ela é uma personagem interessante, com certeza, e ainda mãe de uma garotinha. Vale ponderar que é difícil não associar o fim narrado desta personagem a uma lógica puritana de ação e castigo divino.

Joe também paquera uma garota de sua idade, Ruth (Felicity Jones), menina linda e gente boa, a relação de amizade e intimidade (sem sexo) entre eles é claramente a melhor coisa do filme. São não apenas belos exemplos de juventude ansiosa pela vida, mas também cercados por uma ambientação perfeita dos anos 70 via décor, roupas e admiração sem limites pela música de David Bowie e Roxy Music.

É aqui que o filme revela-se claramente apaixonado por uma música: If There is Something (1972), do Roxy Music, que marca um momento pequeno mas significativo de felicidade, e que passa a assombrar o filme inteiro e talvez o próprio espectador como uma Madeleine de Proust para Joe e do seu tempo perdido. Observa-se que Ruth e If There is Something são personagens fortes, já que Reflexos do Passado parece esquecer de desenvolver Boots, pivô de tudo, o amigo que morreu jovem, e que conhecemos apenas superficialmente.

Essa música em particular funciona, pura e simplesmente, pelo fato de o filme se preocupar em tocá-la para que possamos ouvi-la, um pouco como um amigo que quer mostrar uma faixa incrível que precisa ser descoberta com som alto e livre de interrupções. Esse tempo, coisa tão rara no cinema moderno apressado, é raro. A química entre os personagens ajuda bastante, com destaque para a ótima Jones.

Mesmo com desdobramentos trágicos que beiram uma terrível novela das oito, e que revelam ainda a cartilha de que "sucesso e dinheiro não trazem felicidade", o espectador poderá lembrar, finda a sessão, o quão íntimos os ingleses são da música pop, talvez por terem, eles mesmos, a melhor música pop do mundo. O conceito de existir uma trilha sonora para as nossas vidas é perfeitamente utilizada. Prova disso está não apenas numa sequência final eficaz emocionalmente, mas por nos levar a perceber que a nossa melhor lembrança do filme coincide com o momento mais feliz da vida do seu personagem principal. Isso é bonito.

Wednesday, September 24, 2008

'Crítico' no Festival do Rio


Sábado, 4 de Outubro, 18h, Cine Palácio 1

(material de divulgação/press release)

O filme “Crítico” é a primeira experiência em longa-metragem do cineasta de Kleber Mendonça Filho (Vinil Verde, Eletrodoméstica, Noite de Sexta Manhã de Sábado). Neste documentário de 76 minutos, cerca de 70 críticos e cineastas, entrevistados no Brasil e no exterior, discutem o cinema a partir do conflito que existe entre o artista e o observador, o criador e o crítico. O filme foi produzido com incentivo do Funcultura do Governo de Pernambuco, com apoio da Faculdade Maurício de Nassau. É uma produção do CinemaScópio, em co-produção com a Link Digital.

O filme chega ao Festival do Rio depois de passagens pelos festivais de Tiradentes (estréia, em janeiro passado), BAFICI – Buenos Aires Festival Internacional de Cinema Independente), Curta-se (Aracaju), FAM (Florianópolis), Gramado e Atlantic Film Festival, em Halifax, Canadá. Curiosamente, a primeira entrevista feita para o filme foi em setembro de 1998, e sua exibição no Festival do Rio marcam os dez anos de trajetória do projeto.

"Crítico" passou ainda por dois anos de montagem e um trabalho de pesquisa, entrevistas e reunião de dados que teve início em 1998. Como crítico profissional de cinema (Kleber Mendonça Filho escreve para o Jornal do Commercio, no Recife e tem seu próprio site, o www.cinemascopio.com.br), a realização desse documentário foi guiada pelos questionamentos pessoais de quem se posiciona na indústria cultural tanto como cineasta, como também observador da arte e da indústria do áudio-visual. Entre 1998 e 2007, KMF registrou depoimentos no Brasil, Estados Unidos e Europa, a partir da sua experiência como crítico.

No filme, há depoimentos reveladores de criadores como Walter Salles, Nelson Pereira dos Santos, Costa Gavras, Tom Tykwer, Gus Van Sant, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Fernando Meirelles, Carlos Reichenbach, João Moreira Salles, Cláudio Assis, Richard Linklater e Carlos Saura, para citar alguns. Críticos do mundo inteiro também foram registrados, representando meios como Les Cahiers du Cinéma, Telérama e Positif (França), O Globo, Folha de S. Paulo (Brasil), e Variety (EUA). É um filme sobre cinema, e também sobre os que o fazem.

Em termos técnicos, "Crítico" é fruto de um novo tipo de tecnologia que viabilizou uma obra realizada com câmeras portáteis digitais e uma montagem executada em computadores pessoais pelo próprio realizador, e pela montadora Emilie Lesclaux. A montagem final inclui imagens do acervo pessoal do realizador, como de arquivos internacionais de filmes que encontram-se em domínio público, disponíveis via internet. Esse material compõe o todo, estabelecendo um diálogo entre a palavra e as imagens do próprio cinema.

Sobre o realizador

Kleber Mendonça Filho nasceu no Recife, Brasil. Formado em jornalismo, tem um trabalho abrangente como crítico de cinema e também como co-programador da principal sala de perfil alternativo do Recife, o Cinema da Fundação Joaquim Nabuco. Nos anos 90, ele fez documentários, obras de caráter experimental, e ficção como videomaker. Como cineasta, ele tem utilizado técnicas diferentes atualmente disponíveis (digital, 35 mm, fotografias still, animação). O foco do seu cinema está nas pessoas, no amor e no medo.

Os curtas metragens de Kleber Mndonça Filho, Enjaulado (1997), A Menina do Algodão (2003), Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006) ganharam mais de 70 prêmios nacionais e internacionais, com passagens por festivais como Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, Roterdã (Holanda), Clermont-Ferrand (França), Hamburgo (Alemanha), Cork (Irlanda), Upsala (Suécia), Huesca (Espanha) e a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes.


Filmografia:

Enjaulado (Caged In, 1997, Betacam, 33 mins.)
A Menina do Algodão (The Little Cotton Girl, 2003, Mini-DV-35mm, 6 mins.)
Vinil Verde (Green Vinyl, 2004, stills/35mm, 16 mins.)
Eletrodoméstica (2005, 35mm, 22 mins.)
Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2006, Friday Night, Saturday Morning, Mini-DV/35mm, 14 mins)


Sinopse

70 críticos e cineastas discutem o cinema a partir do sempre interessante conflito que existe entre o artista e o observador, o criador e o crítico. Entre 1998 e 2007, Kleber Mendonça Filho registrou depoimentos sobre esta relação no Brasil, Estados Unidos e Europa, a partir da sua experiencia como crítico. Com depoimentos reveladores de criadores como Gus Van Sant, Tom Tykwer, Eduardo Coutinho, Curtis Hanson, Carlos Reichenbach, Walter Salles e Carlos Saura, Crítico abre uma janela para uma arte cada vez mais julgada por mecanismos de mercado, e que luta para permanecer humana tanto no fazer, como no observar.


Ficha Técnica

Mini-DV - imagens de arquivo – fotos still / 35 mm
Cor e P&B, Dolby Digital, 76’
2008

Filme: Kleber Mendonça Filho
Produção, Roteiro e Montagem : Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho
Produção de finalização: Error! Contact not defined., Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho
Pesquisa : Emilie Lesclaux
Entrevistas e imagens adicionais (Paris) : Leonardo Sette, Francisco Fagan
Música original : DJ Dolores
Letreiros : Daniel Bandeira
Animação : Daniel Bandeira, Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho
Arte do cartaz : Kilian Glasner
Finalização : Link Digital
Mixagem: Estúdio Carranca

Trailer

Tuesday, September 23, 2008

Tropa de Elite USA



Do ponto de vista da linguagem, esse trailer roliúde de Tropa de Elite diz tudo. O filme parece ter sido feito para existir nessa peça pré-programada, fruto de algum 'trailer droid' que destaca com precisão todos os ticks industriais do filme. Cinema e globalização, tema rico.

e vejam isso: (obrigado Arnaldo, da comunidade do CinemaScópio no Orkut)

Sunday, September 21, 2008

A Casa da Mãe Joana


Juliana Paes é no filme a fada brasileira por excelência.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

A Casa da Mãe Joana (Brasil, 2007), filme de Hugo Carvana, passa como um alegre pesadelo para feministas. Esse filme retrô sugere algo como se ouvíssemos numa mesa de bar vizinha histórias machistas de homens que já foram jovens. A imagem assinatura do filme é a da sensualidade brasileira desejada de uma Juliana Paes fadinha masculina em coloridos baby-dolls, andando pra lá e pra cá. Esse curioso produto de mercado lembra o que restou do espólio da comédia popularesca nacional, com peças avulsas da chanchada, do programa de auditório e de uma 'sensibilidade uísque' tão cara a uma faixa social burguesa dos homens da boa idade, grupo que abriga Carvana, aos 71 anos.

Carvana - "o Dr. Andrade da novela Três irmãs" – é uma figura memorável no cinema brasileiro, sua personalidade artística não deve estar distante da sua própria pessoa. Fez um filme marcante em Vai Trabalhar Vagabundo (1973), onde o malandro carioca ganhou representação icônica. Fez o repórter Valdomiro Pena na excelente série Plantão de Polícia, na Globo dos 70/80 (porquê não existe em DVD?!), com o mesmo tipo de malemolência anarquista-zona sul-Rio de Janeiro.

Esse tom antigo marcado por toda uma trajetória revela-se presente no seu filme novo, e não deixa de ser uma curiosidade observá-lo. Rodado em grande parte em estúdio, com planos médios e fechados predominando, há, mesmo assim, um aspecto de "filme" que outros produtos atuais do tipo não parecem alcançar.

Temos um grupo de quatro homens safados que aplicam golpes em mulheres para ganhar dinheiro e conquistar outras mulheres. A filosofia é nunca ter que dar um dia de trabalho que seja, se dar bem sexualmente e beber uísque. Em ordem decrescente de idade, Antônio Pedro, José Wilker, Paulo Betti e Pedro Cardoso integram essa quadrilha. Terão que rever seus dogmas para saldar dívida contraída num esquema mulheril que não deu certo.

Desdobramentos beiram o indescritível, com Betti de prostituto semi-nu para mulheres maduras usando adereços de couro e protagonizando piadas de Viagra. Wilker vira enfermeiro para um comendador e travesti de idade avançada (Agildo Ribeiro de cadeira de rodas e vestido de mulher), enquanto Cardoso fica de caso com a esposa (Malu Mader) de um joalheiro. Como num vaudeville tupiniquim, entra ainda a mãe de Betti (Laura Cardoso), conseguindo aos poucos superar a mera 'piada de véia', e a filha de Wilker, uma menina chamada Tainacã (Fernanda Freitas, simpática), sempre com um sorridente shortinho, e, às vezes, sem.

Já o mais velho Pedro tenta incorporar a alma feminina brasileira ao virar uma falsa colunista mulher para algum jornal, sua musa é Juliana Paes, tratada pelo filme como uma aparição através de pirlimpimpins digitais alegremente toscos. A capacidade de Paes sorrir e fazer biquinho impressiona. O elemento macumba sela a bagaceira como indiscutivelmente brasileira. Arlete Sales, Miéle, Beth Goulart e Cláudio Marzo também compõem o elenco, ou o quadro.

Estômago


Raimundo Nonato descobre a existência do vidro, em Estômago.


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Saiu quarta-feira o resultado do edital do BNDeS. O título de um dos projetos premiados me chamou a atenção: 5 Vezes Favela – Agora Por Eles Mesmos, de Carlos Diegues, o "agora por eles mesmos" o fator curioso. Informa que o 5 Vezes Favela dos anos 60, filme patrono do fascínio do cine brasileiro com o universo da pobreza, terá, desta vez, o olhar do favelado, ainda que o projeto seja assinado por Diegues. De alguma forma, isso me leva a Estômago (Brasil, 2007), filme que reflete questões de cine-representação em imagens que vêm de cima para baixo (da pior forma possível). O elemento em questão é a figura do "nordestino".

Essa produção do Paraná tem a carpintaria relativamente segura do seu diretor, o curitibano Marcos Jorge, que usa como personagem principal Raimundo Nonato (João Miguel, de Cinema Aspirinas e Urubus), mais uma variação borrada do Didi Mocó/João Grilo reconfigurado para um ambiente urbano contemporâneo no sul do Brasil. O espectador poderá perceber para onde o filme quer ir a partir do exato momento em que Nonato desce do ônibus, elemento simbólico da cultura brasileira, ligação entre o norte e o sul.

Nonato, que Marcos Jorge compõe como uma 'pessoa simples' (fala 'engraçado', não sabe o que é gorgonzola) tem talento para a gastronomia. Sempre de cabeça baixa e grato por estar respirando, se deixa explorar por Zulmiro (Zeca Cenovicz), o dono de um bar, que exige longas horas de trabalho escravo. Dá a Nonato não um salário, mas um lugar para dormir e uma série de pequenas humilhações inspiradas pelo preconceito sul>norte.

Feliz com o pouco que tem, Raimundo Nonato revela-se ao preparar coxinhas, um sucesso que irá atrair a prostituta Íria (Fabiula Nascimento) e o restaurateur Giovanni (Carlo Briani). Esse outro escroque assume a tarefa de domesticar esse bom selvagem baiano/paraíba que dialoga tão bem com estômagos alheios. O tom de comédia italiana - que alguns colegas excêntricos confundiram com algo remotamente associado a Fellini - é aplicado ao todo via música, com resultados ainda mais sinistros.

Na verdade, a coisa piora. Paralelamente, vemos Nonato cumprindo pena na prisão. Algo de ruim aconteceu na sua trajetória de cozinheiro, talvez no seu relacionamento com Íria, ou com Giovanni. O roteiro de Jorge, Cláudia da Natividade, Fabrizio Donvito e Lusa Silvestre tem a funcionalidade e graça de um Uno Mille, mantendo as pontas amarradas até a grande revelação final, uma decepção, aliás, pois desde bem cedo que o espectador sabe exatamente para aonde estamos indo, canibalismo incluído.

Na prisão, Nonato também sobe hierarquicamente ao agradar a barriga do chefe do tráfico Bujiú (Babu Santana), e logo nosso homem simples irá dar a volta por cima no único espaço que um filme com olhar social tão raquítico poderia permitir para um Raimundo: nas cavernas sanitárias de qualquer sociedade que é o sistema penitenciário. É praticamente uma volta por baixo. Ajuda saber que Nonato revela-se ainda um assassino comedor de carne humana, prova do quão selvagem ele sempre foi, e sempre, ao que parece, será.

As formas de representação social são o grande tema do cinema brasileiro hoje, e um filme como Estômago revela aspectos importantes. Cineastas continuam filmando estereótipos sociais que só existem em clichês de larga grossura, o que explica olhares enviesados como os de Domésticas (1999), de Fernando Meirelles e Nando Olival, Tropa de Elite (2007), de José Padilha, ou este Estômago. Essencialmente, são realizadores que trabalham intimamente com universos que eles não conhecem. Os resultados são bonecos grotescos confundidos com personagens.

Ainda sobre representação, dois atores no filme ilustram isso. Se o excelente João Miguel ainda consegue humanizar Nonato com os olhos via contrabando, e sob os maus tratos imperativos do roteiro, é Santana via seu traficante encarcerado que ilustra esse olhar externo paralisante, de cima para baixo. Esse ator competente parece preso no inferno astral do mesmo papel sempre (criminoso, traficante de cara feia...) em praticamente todos os seus filmes, de Cidade de Deus a Uma Onda no Ar, Quase Dois Irmãos e Maré – Nossa História de Amor. Será irônico se Santana repetir, mais uma vez, a imagem imposta do mesmo bandido no 5 Vezes Favela – Agora Por Eles Mesmos, de Carlos Diegues.

Filme visto no Palácio 1, Festival do Rio, setembro 2007