Saturday, May 23, 2009

Prêmios Un Certain Regard


O Prêmio Un Certain Regard, "Dogtooth" Yorgos Lanthimos, Grécia.
Exibiram o filme agora há pouco, fui ver, não seria páreo para o Police, Adjective num mundo perfeito, mas...

Prix do Júri "Police, Adjective (Corneliu Porumboiu, Romênia). Há texto sobre o filme no blog.

"No One Knows About Persian Cats" (Bahman Ghobadi, Iran) "Les Pére de mes Enfants", de Mia Hansen-Løve, França. Há texto no blog sobre esse também.

Enter The Void (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Tudo o que você sempre quis saber sobre a origem da vida e os mistérios da morte formam o eixo temático de Gaspar Noé no seu novo filme, Enter The Void, filme que parece crer ter solucionado nossos grandes mistérios. Eu nunca tive grandes problemas com os dois filmes dele que eu tinha visto, Seul Contre Tous (1998) e Irreversível (2002), até os admiro, mas esse aqui me pareceu perdido nas suas ambições, sejam elas temáticas e, principalmente, estéticas. De fato, eu saí da sessão me sentindo uma lâmpada instalada num teto.

Esse plano lâmpada é o plano preferencial de Noé no filme, sobre um rapaz americano que mora em Tóquio e envolve-se com drogas em vários níveis, não apenas ao tornar-se um junkie, mas também transformando-se num traficante que encontra triste fim na bala de uma blitz da polícia japonesa, no banheiro imundo de uma boate. Muito útil que, minutos antes, um amigo lhe falava do Livro dos Mortos, teorizando sobre o que exatamente acontece quando o espírito deixa o seu estado físico, percorrendo o mundo de maneira penada e livre, ainda apegado ao mundo material.

Portanto, lá vamos nós, flutuando para fora do nosso personagem, que desde o primeiro frame de Enter The Void se apresentava em pontos de vista subjetivos, sua cara vista apenas no momento em que olha-se no espelho. Bom que fique claro que Noé realmente leva a sério a câmera subjetiva, pois a imagem vem até mesmo com as piscadas de olho, escurecimentos de milisegundos na imagem.

Com essa versão de duas horas e 30 minutos, Noé, um formalista que seria nome exemplar num curso de cinema para ilustrar o termo, de fato esforça-se para nos dar um filme como nenhum outro, e, bom que fique claro, ele consegue. O que realmente vira um problema para o filme é a obviedade infantil do todo. As idéias aqui apresentadas (e a fé nessas idéias) sugere uma mente adolescente impressionada com o tema, e com as drogas.

Antes de morrer, nosso herói experimenta um fumo extra forte, que queima, claro, a sete centímetros da lente da câmera, na nossa cara, como se estivéssemos fumando. E lá vamos nós viajar com o cara, versão um pouco mais elaborada do Visualizer do iTunes, tomando a tela scope do Lumière. Durante uns cinco minutos, formas geométricas coloridas acrescidas daquele eco de caverna que tem sido um sucesso no cinema contemporâneo são o que há no filme.

O rapaz tem uma irmã, relação bonita entre os dois, mas pelo baixo astral generalizado de suas vidas, flashbacks (tudo ainda em primeira pessoa, ou “nuca cam”, lente imediatamente atrás da cabeça dele) nos mostram o porquê de serem problemáticos, pois, é claro que uma tragédia familiar espetacularmente bem filmada será exibida.

Noé, portanto, transforma as frescuras de David Fincher com câmeras que passam por dentro de fechaduras e asas de xícara num exemplo de economia. Enter the Void é todo composto por planos seqüência digitalizados tão infindáveis quanto previsíveis, ao ponto de o espectador não conseguir mais ver um buraco que seja, ou uma lâmpada acesa, principais portais para a próxima cena, e lá vamos nós novamente atravessar paredes, ralos, buracos de bala, entrando e saindo da vagina da irmã e no momento mais filosoficamente corajoso do filme, estamos presos entre a vagina e o útero com a cabeça de um pênis indo e voltando como um coelho indeciso na sua toca.

As deixas visuais já haviam sido vistas em Irreversível, especialmente sua fixação com tetos, provável espaço favorável para transições digitais imperceptíveis. Na verdade, Enter The Void, independente do quão simplório e previsível seja, pode ser visto como uma experiência técnica radical inédita, que inclui até mesmo o que me pareceu a manipulação de uma criança para que sua performance fosse acentuada (gritos e braços parecem ter sido bem digitalizados para maior dramaticidade).

No mais, e daí?

Filme visto na Lumière em incrível digital, 22 de maio 2009, Cannes

Elia Suleiman - The Man


Foto fresquinha de Suleiman, cujo The Time That Remains me parece uma Palma de Ouro clara e evidente. Acabo de chegar de entrevista com ele. K.M.F

Romenos falam sobre lendas urbanas "comunistas"


Mais um vídeo brodagem do CinemaScópio. Entrevista de Cristian Mungiu, ganhador da Palma de Ouro há dois anos por 4 Meses 3 Semanas 2 Dias" sobre o muito bom "The Tales of the Golden Age", na Un Certain Regard.

O Amor de Tsai Ming Liang por Léaud e Truffaut

Léaud em Cannes 2009, com Tsai Ming Liang.
Léaud em Cannes 1959, com Truffaut

Na coletiva de imprensa do Visage (Rosto), do Tsai Ming Liang, estavam, além do diretor, Fanny Ardant e Jean Pierre Léaud. Mais uma vez ficou clara a devoção adorável do Tsai pela herança de François Truffaut e Jean Pierre Léaud, dois nomes que não conseguimos separar muito bem.

Truffaut morreu em 1984, Léaud continua vivo e saudoso, honrado de estar no filme do Tsai. Visage celebra a memória e, como o cineasta bem disse, "o rosto como memória". E o rosto de Léaud, ali na minha frente, traz algumas memórias que me falam sobre o cinema e sobre a passagem do tempo, pois o vimos crescendo na frente das câmeras de Godard e, especialmente, Truffaut. Tsai Ming Liang parece sentir isso também, e aconteceu de seu filme novo estar em Cannes exatamente 50 anos depois que Léaud, aos 15 anos de idade, veio ao festival pela primeira vez com Os Incompreendidos (Les 400 Coups).

Descarregando minha câmera agora há pouco, levei um susto com as 189 (cento e oitenta e nove) fotos de alta resolução, formato RAW. O excesso de fotos em cima de Léaud e Ardant talvez reflita essa necessidade de guardar as imagens como documentos, e esses documentos são exatamente os rostos do cinema. K.M.F

Friday, May 22, 2009

Tales of the Golden Age (Un Certain Regard)


Mungiu e amigos. "A Palma de Ouro me deu uma medalha do governo, até agora"
Como matar esse porco dentro do apartamento?

ATENÇÃO: Não por causa de mim e dos meus escritos, mas pelo assunto e criaturas relatadas, ESSE TEXTO É ENGRAÇADO.


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para quem acompanha a minha cobertura, já deve desconfiar que há alguma questão de afinidade entre o crítico e o novo cinema romeno, e deve haver mesmo. Eu gosto do estilo cru, do talento que têm para isolar pequenas tensões, do humor nesses filmes, de um senso de literatura sem frescura. E eu não sou o único.

É uma (nova) cinematografia que não pára de me impressionar desde que o próprio festival descobriu esse ninho de filmes feitos por um grupo de jovens realizadores com não mais do que 45 anos de idade e que têm conquistado uma série de prêmios em todo o mundo, inclusive a Palma de Ouro.

Esse ano, dois novos produtos dessa geração, o já abordado aqui Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu, tido por muitos como o melhor filme exibido na mostra Un Certain Regard, e o coletivo Amintiri Din Epoca de Aur (Histórias da Época de Ouro), outra jóia. Trata-se de uma coleção de lendas urbanas da época do comunismo, transformadas em belos cine-contos.

São cinco filmes que formam um programa de duas horas, levantando a reputação esvaziada desse tipo de projeto, sempre marcado pelo mesmo problema: a variação de qualidade entre as partes (Paris, Eu Te Amo, Cada um Com Seu Cinema os exemplos mais recentes). Nesse Histórias da Época de Ouro, há um nível (alto) constante que, mais uma vez, revela a capacidade que os novos romenos tem de filmar pequenas histórias com eloqüência e um tipo bem particular de humor.

Todas as histórias foram roteirizadas por Cristian Mungiu, que ganhou a Palma de Ouro há dois anos por Quatro Meses Três Semanas Dois Dias, o drama atordoante sobre um aborto no período final da ditadura de Ceausescu. Ele escreveu as histórias, dirigiu pelo menos duas e chamou um grupo de realizadores amigos da mesma geração, e que ainda não obtiveram o reconhecimento fora da Romênia, nem no longa metragem, para dirigir algumas das outras histórias.

Os filmes dentro do conjunto sugerem contos que revelam com enorme propriedade a vida muitas vezes absurda sob o comunismo. “O projeto já existia durante a produção de 4 Meses... e, na época, eu cheguei a anunciar que aquela seria a primeira história de uma série. De fato, foi, mas desta vez o tom é mais leve”, nos falou Mungiu na quinta-feira, ao receber a reportagem do JC num hotel, em Cannes.

Amintiri Din Epoca de Aur tem uma peculiaridade imposta. Os realizadores Hanno Hofer, Razyan Marculescu, Constantin Popescu, Ioana Uricaru e o próprio Mungiu decidiram abraçar a idéia de ser este um projeto coletivo sem informar exatamente quem é responsável pelo quê, sugerindo a noção de autoria conjunta. Recusaram-se educadamente a responder até mesmo a uma pergunta direta feita por nós sobre o autor de um dos filmes, “pois, de fato, todos tivemos parte em todos os aspectos desses filmes que fazem um filme”.

Outro aspecto curioso, nas sessões do filme em Cannes, cada platéia viu versões diferentes, pois há mais dois episódios que são inseridos “como se o filme fosse uma obra mutante”, falou Ioana Uricaru. Até agora continuamos sem saber qual é o seu filme. “Nossa idéia é passar para as platéias um pouco do que tínhamos nos anos 80 na Romênia, nos últimos anos de Ceausescu, quando nunca sabíamos o que poderíamos encontrar num supermercado”, diz Mungiu com o humor peculiar.

PORCO – Esse humor surreal, gerado por seres humanos presos num sistema totalmente decrépito (o filme se passa nos anos 80), é o fio condutor das histórias. Na primeira, uma pequena vila prepara-se para a possível vinda de representantes do partido, mesmo que a visita não aconteça. As exigências absurdas do sub-representante do partido, ali para preparar a visita que talvez não ocorra, termina em bebida e num final não apenas lindo, mas engraçadíssimo.

Na segunda história, o fotógrafo oficial do partido vive retocando fotos do ditador Ceausescu para fazê-lo parecer mais elegante ou/e mais alto, um problema durante a visita do então presidente francês Valerie Giscard d'Estaing, 30 centímetros maior que o premiê romeno e ainda fotografado de chapéu.
Um porco é a pobre estrela do terceiro episódio, dado de presente a uma família faminta que irá precisar achar uma maneira de abatê-lo-lo dentro do apartamento apertado sem que ninguém descubra, pois teriam que dividir a carne. A solução é catastrófica.

Duas das histórias, que a crítica em Cannes suspeita terem sido dirigidas por Mungiu, ganham tom menos gracioso, tomando o rumo de contos simplesmente excelentes. No primeiro, um caminhoneiro, perturbado por uma energia sexual ociosa, termina fazendo uma escolha errada ao conhecer uma mulher interessada na sua carga: ovos de galinha. O caminhoneiro, o excelente ator Vlad Ivanov, o médico de 4 Meses..., mostra o quanto é bom nessa história muito bem contada.

A última lenda urbana da sessão onde vimos o filme também parece ter sido feita por Mungiu, sobre um rapaz que dá um golpe só possível num antigo país comunista. Ele inventa que é do “ministério da química” e vai nos blocos de apartamento, de porta em porta, pedindo para que os moradores, usando garrafas de vidro, peguem mostras de água e ar (!?) nos aposentos. Mais tarde, vende as garrafas, num sistema primitivo de pequeno capitalismo.

E como Mungiu avalia o efeito da Palma de Ouro que ganhou, em termos de Romênia? “Vou descobrir quando começar a pedir dinheiro para meu próximo filme. Mas, quer saber, do ponto de vista prático? Ganhei uma medalha do governo e até achei que teria isenção no imposto de renda, ou alguma vantagem do tipo. Depois descobri que essa medalha me dá a honra de ter tiros de canhão no meu enterro”.

À Deriva (Un Certain Regard)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Depois dos seus dois primeiros filmes, que eu não gosto, Heitor Dhália revela um outro lado dos seus interesses em cinema com À Deriva, um drama de orientação jovem para o mercado, do tipo que os americanos geralmente descrevem como “coming of age story” (ritual de passagem). Se em Nina e O Cheiro do Ralo o realizador mostrava-se mais próximo da direção de arte e dos figurinos, À Deriva já ensaia enfocar o elemento humano em primeiro lugar numa história industrialmente competente na realização, sem esquecer ainda de embalar tudo num pacote que platéias poderão chamar de ‘bonito’.

Filmado num cartão postal praieiro do Rio de Janeiro em tons dourados por Ricardo Della Rosa, À Deriva nos apresenta a história de Filipa (a estreante Laura Neiva, que carrega o filme em praticamente todas as cenas). Filipa é a filha mais velha de um clã de cinco, com uma irmã mais nova e o irmão caçula.

Seus pais, o francês Mathias (Vincent Cassel, me pareceu desconfortável) e a mãe Clarice (Débora Bloch, ótima) estão em crise, e ela é alcoólatra. O roteiro, escrito pelo próprio Dhália, com a colaboração da também cineasta Vera Egito (em Cannes com dois curtas metragens na Semana da Crítica, Espalhadas Pelo Ar e Elo), toca em todos os pontos que filmes de rituais de passagem geralmente tocam.

Além dos já citados conflitos com os pais, constam também da lista os hormônios dos 14 anos, a perda da virgindade, acontecimentos que pertencem ao mundo adulto e que chegam para que a criança passe por um processo rápido de amadurecimento. Isso, claro, irá fortalecê-la para que, antes do fim da sessão, ela ganhe seu diploma de mulher feita.

Independente do quão previsíveis os desdobramentos sejam, um aspecto nos chamou a atenção, a maneira atordoada que Filipa tenta entender a ciranda de compromissos e traições no amor a partir das suas observações verdes que ela mantém sobre o pai e a mãe. Descobre no processo que ele tem uma amante, Angela (Camilla Belle), visão que ela logo irá entender se tratar de apenas uma parte menos importante do todo.

Isso ganha reflexo direto nas relações de amizade e paquera com a turminha da praia, meninos e meninas da classe média alta, veraneando. As sensações são acrescidas do poder purificador da água e do sol com fotografia saturada estilo Ektachrome (o filme parece se passar nos anos 80) e ainda alimentadas por um crime passional ocorrido na piscina da casa vizinha, onde a influência viral de Lucrecia Martel nos jovens cineastas de hoje mais mostra a sua cara.

No final das contas, é um produto feito com esmero industrial, passando sensação de decalque de peças diferentes do cinema contemporâneo no jeito de filmar sem que fique claro um ponto de vista autoral. A trilha sonora renitente de Antônio Pinto exemplifica isso, não só potencializando ‘feminilidade’ e ‘delicadeza’ num filme já tão cor de rosa, mas seguindo a rota conhecida dos pianinhos de Yann Tiersen.

Dhália tem um projeto de fazer cinema de mercado com um senso de qualidade internacional, e talvez nesse sentido seu filme seja bem sucedido. Se sua seleção na Un Certain Regard destoa em muito do que temos visto há uma semana, vale celebrar a sorte de ter o espaço conseguido para esta ultra-divulgação. À Deriva tem estréia brasileira prevista para 31 de Julho.

Filme visto na Debussy, Cannes, maio 2009

Sessão Oficial de 'À Deriva', em Cannes


50 Segs. dos 4 Minutos de Palmas Para 'À Deriva' Heitor Dhália e elenco (Vincent Cassel sem cabelo), Sala Debussy, Un Certain Regard, Cannes, 21 de Maio 2009

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


À Deriva, terceiro filme de Heitor Dhália, teve sua estréia mundial em sessão de gala quinta-feira, na sala Debussy, às 22h30. O filme integra a seleção da mostra Un Certain Regard. Foram quatro minutos de aplausos ao final. Antes do filme, Dhália subiu ao palco com os atores Vincent Cassel, Débora Bloch, Cauã Reymond e Laura Neiva, que estréia no cinema como personagem central de um filme sobre o processo de amadurecimento de uma garota de 14 anos, interpretada por ela mesma.

Cassel falou em português afirmando que agora é brasileiro e que em breve irá mudar-se para o país, que disse amar, “porque as coisas são bem melhores lá”. O filme foi apresentado pelo diretor do Festival de Cannes, Thierry Fremaux, que o descreveu como “uma obra extremamente pessoal”. Uma grande quantidade de brasileiros veio prestigiar À Deriva.

Dhália, pernambucano radicado em São Paulo, onde firmou-se profissionalmente nos anos 90, chega a Cannes com seu terceiro filme. Seus dois primeiros foram Nina (2004), uma adaptação de Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievsky, e O Cheiro do Ralo (2006), esse último um sucesso notável que correu por fora dos grandes lançamentos de cinema brasileiro e vendeu mais de 170 mil ingressos no país.

À Deriva tem o selo O2, a produtora de Fernando Meirelles que chegou a Cannes impondo respeito em 2002 com a projeção fora de competição de Cidade de Deus. Meirelles abriu também o festival ano passado com Ensaio Sobre a Cegueira. Na edição de ontem da revista Le Film Français, o apadrinhamento do filme por Meirelles em Cannes foi comentado numa matéria sobre a estréia de À Deriva.

O filme foi produzido com orçamento de dois milhões de dólares como parte de um contrato de co-produção entre a O2 e a Focus Features, subsidiária da Universal Pictures, também em Cannes com o novo filme de Pedro Almodóvar, Los Abrazos Rotos.

Antes mesmo de mostrar o filme no festival, Dhália foi notícia esta semana nas revistas de mercado publicadas em Cannes por estar à frente de uma nova empreitada no quesito produção. Estará no escritório brasileiro da produtora e distribuidora Celluloid Dreams, baseada em Paris e fundada pela iraniana Hengameh Panahi. Dhália irá escolher projetos no Brasil em parceria com Pahani, que deverá procurar novos talentos brasileiros para co-produções com o mercado externo. Os dois primeiros projetos serão do próprio Dhália, intitulados Serra Pelada e Uma Mulher, Uma Arma, Road Movie.

Enter The Void

Nossa, em 11 anos de Cannes, não sei se vi filme que me desagradou tanto. O filme do Gaspar Noé, 2h30 de duração, é um enigma. Como veio parar no festival, ainda mais na competição? Noé não tem amigos?

Minha Palma

Acabo de sair de The Time That Remains, seria a minha Palma certa hoje, sensação que não tive em nenhum outro filme. Elia Suleiman fez um filme lindo, pessoal, e que ainda tem a audácia de ir melhorando a cada cena rumo ao final.

É muito bom quando um filme lhe atinge em cheio, carga emotiva forte. K.M.F

Sessão do À Deriva


À Deriva, terceiro filme de Heitor Dhália, foi bem recebido ontem à noite na sala Debussy, com quatro minutos de aplausos da platéia. Dhália subiu ao palco com os atores Vincent Cassel, Débora Bloch, Cauã Reymond e Laura Neiva, que estréia no cinema. Cassel falou em português afirmando que agora é brasileiro e que em breve irá mudar-se para o país. Ele interpreta um escritor francês que passa férias de verão numa praia carioca com a sua família brasileira, sua menina de 14 anos o centro emocional do filme.

Thursday, May 21, 2009

Das Weisse Band (competição)

Essa aqui é pra quem acha Michael Haneke um ranzinza.
Uma das crianças estranhas.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Um dos filmes mais aguardados da seleção esse ano em Cannes era Das Weisse Band (A Fita Branca), a nova obra de Michael Haneke, o diretor de A Professora de Piano e Caché. O filme passou ontem, impondo o tipo de respeito que o cinema desse alemão radicado na Áustria normalmente impõe e, desta vez, com amplas chances de atrair a atenção positiva dos mesmos detratores de sempre, que detestam o diretor e sua capacidade de desafiar a platéia com momentos extremos. Seu novo filme não parece precisar narrativamente do fator choque, mas investe num mal estar misterioso facilmente associável à obra de Roman Polanski nos anos 60.

Haneke tem tela cativa no Festival de Cannes e a cada novo filme seu há a expectativa de que ganhe a sua Palma de Ouro, sensação que acaba de ser renovada após a projeção desse filme, embora eu não concorde exatamente com essa noção. Esse filme me pareceu o equivalente de um livro bem escrito e descrito, sua força parece acontecer talvez após a sessão a partir de um registro um tanto estudado ao extremo, mesmo para os padrões cerebrais desse autor.

De qualquer forma, é um dos maiores nomes do cinema mundial, sua obra marcada por filmes precisos que investigam a representação via imagem e violência, e nesta década, questões sociais fortes que casam bem com a sua mudança para a França, onde trabalha.

Das Weisse Band, na verdade, é o seu primeiro filme falado em alemão desde o primeiro Funny Games (1998). Haneke apresenta um filme de época, em preto e branco, ambientado em 1913-14 numa pequena vila alemã. Seu estilo preciso de filmar (planos perfeitamente compostos e fixos, movimentos desenhados a régua de uma câmera que desliza) continua intenso.

No entanto, há desta vez uma narração que humaniza bastante os desenvolvimentos duros da sua narrativa, uma série de acontecimentos discretamente tensos que sugerem um filme de horror que nunca realmente se assume como tal. Haneke sabe que o espectador irá preencher esse horror com uma visão geral da história da Alemanha na primeira metade do século 20, que todos conhecemos muito bem, e o filme funciona como a análise de uma pequena semente.

Nosso narrador, com a voz de um ancião, nos narra a história como lembranças distantes de um tempo em que acontecimentos misteriosos começaram a marcar a vida na pacata vila rural, povoada por uma população reprimida pela religião e pelos rígidos costumes. O lugar é um cartão postal perfeito, contraste clássico para a feiúra humana que ali habita.

Há uma agressão perturbadora a um garoto com problemas mentais, a perseguição de um homem cujo nome talvez seja judeu (em nenhum momento isso é explicitado, ou anti-semitismo mencionado), um incêndio, um acidente provocado de cavalo. Na ética local de medo e retaliações, ninguém sabe e ninguém viu, algo que chama a atenção do professor da escola (Christian Friedel), o narrador, então jovem.

Algo o leva a acreditar que as crianças do lugar são a chave do mistério, reprimidas pelos pais e pela igreja, e com pelo menos um caso de incesto e abusos sexuais. Talvez elas estejam colocando em prática, e ao pé da letra, os valores que recebem, idéia que perturba cada vez mais o narrador. Se lembrarmos que essa geração será adulta nos anos 20 e 30, e que tomarão posições de poder, Das Weisse Band agrega um peso e tanto como cenário social de uma época e de um lugar.

Como sempre no cinema autoral de Haneke, há um flerte não assumido com gêneros de cinema, e esse aqui sugere um filme de suspense que talvez Polanski teria feito. A imagem de grupos de meninos e meninas loiros sempre com a expressão vazia de que andaram fazendo alguma coisa, ou presentes em lugares onde não deveriam estar. Há uma carga e tanto de mistério e ameaça, e não é difícil lembrar de A Vila dos Amaldiçoados (Village of the Damned, 1960), ficção científica inglesa (refilmada por John Carpenter em 1995) sobre crianças malévolas e loirinhas.

Na coletiva de imprensa, Haneke disse que prefere ver seu filme como uma crônica sobre o mundo, e não tão especificamente sobre a Alemanha. “Concentrar as idéias no fascismo que abateu a Alemanha pode significar lavar as mãos e achar que o problema não existe em outros lugares. É um filme sobre o mundo”.

Sobre ter feito o filme em preto e braço, Haneke explicou que “nossa referencia iconográfica daquele período, no início do século 20, é a de imagens, fotográficas ou de cinema, em preto e branco. Além disso, o P&B nos libera das convenções do realismo.

Perguntado se o filme tem referências ao trabalho de outros diretores, o cineasta respondeu que “sempre tenho inúmeras referencias na minha cabeça, mas espero que o filme seja Hanekeniano”.

Filme visto na Sala Bazin, Cannes, 20 de maio 2009

Anticristo em duas versões

Anticristo teve vendas confirmadas para a Inglaterra e EUA, mas o distribuidor TrustNordisk anunciou na Screen International, hoje, que serão disponibilizadas duas versões para exploração comercial num filme cuja versão exibida em Cannes traz imagens de sexo explícito e mutilação genital. As duas versões, que parecem alguma piada do próprio cineasta dinamarquês, são as seguintes: "the naughty protestant one" (a protestante safadinha) e a "nice catholic" (a católica bacana).

Wednesday, May 20, 2009

Les Herbes Folles, coletiva

(foto Emilie Lesclaux)

Na coletiva (pouco concorrida) de “Les herbes folles”, Alain Resnais se declarou muito feliz de estar novamente no festival de Cannes pela primeira vez depois de cerca de vinte anos, mas deixou claro que essa ausência não foi uma escolha.

A uma pergunta sobre as suas motivações para continuar filmando, ele falou pragmaticamente que ele tinha que pagar as contas e acrescentou: “Je tourne pour voir comment ça va tourner” (jogo de palavras em francês que siginica “Filmo para ver o que vai acontecer”, ou melhor, “Rodo para ver o que vai rolar”). “O que me interessa, é produzir emoções. Mas faço os filmes como eles me vêem a cabeça. Pertenço de certa forma à escola surrealista, no sentido de trabalhar com a escrita automática e de deixar falar o inconsciente.”

Sobre o lugar dos seus filmes num festival mais marcado pela violência e o sangue, ele achou interessante ver como os tempos que vivemos afetam as tendências do cinema: “Isso revela uma certa lucidez: o cinema registra os atos selvagens dos quais é capaz a raça humana. O cinema acompanha tudo isso, assim como o teatro. Vejo ai uma vontade de transgressão.”

Os atores presentes (André Dussolier, Sabine Azéma, Emmanuelle Devos, Anne Consigny...) fizeram cada um a sua maneira uma homenagem emocionada ao “mestre” Resnais, ressaltando a generosidade e a curiosidade pela alma humana do cineasta. Anne Consigny lembrou da expressão de imensa felicidade que ilumina sempre o rostro de Resnais depois da filmagem de uma boa cena, deixando os atores num estado de “estado de graça”.

Resnais elogiou várias vezes o livro de Christian Gaillix do qual o filme é adaptado, também influênciado pelo teatro do absurdo de Beckett e Ionesco, dando ao filme um certo humor que, se não foi intencional, veio naturalmente.

Comentando uma frase de Thierry Frémaux, que disse que “a verdadeira herbe folle (erva selvagem) é o próprio Resnais”, o realizador contou que ele sempre teve uma saúde péssima, e que criança, um médico falou pra mãe que ele não sobreviveria. Por isso ele pode ser assimilado a uma erva daninha, um sobrevivente que apesar da fragilidade continua crescendo na pedra. Da mesma forma, Resnais comparou os seus filmes a ervas selvagens que ele dá a liberdade de crescer.

Coletiva Tarantino


Diane Kruger, Tarantino, Mélanie Laurent e Michael Fassbender.

Mais uma vez, Tarantino foi recebido como pop star pela imprensa, acompanhado do seu elenco franco-germânico-americano. Eli Roth, diretor dos filmes Hostel, um dos ‘bastardos’ no filme (ele esmigalha a cabeça de um soldado nazista com um bastão de beisebol), disse “eu sou judeu e, para mim, esse filme funciona como um tipo de pornografia kosher”.

Tarantino, que fez o filme com dinheiro alemão, não se cansou de elogiar seus atores germânicos, como Daniel Bruhl (Adeus, Lênin) e, especialmente, Christopher Waltz. Sobre Brad Pitt, “eu e Brad estávamos numa paquera há alguns anos, sempre nos olhando de longe em festas, mandando bilhetinhos um para o outro, até que finalmente deu certo”, disse o diretor.

“Eu não lembro bem de como vim parar no filme, mas Quentin me convidou para conversar, quando acordei vi umas cinco garrafas de vinho e um aparelho estranho de fumar alguma coisa que não entendi direito. Aí fiquei sabendo que tinha aceitado fazer o filme”, revelou no clima não muito engraçado de algumas coletivas em Cannes. K.M.F

Cinéfondation, Programa 1

O juri da Cinéfondation presidido por John Boorman: os cineastas Bertrand Bonello e Ferid Boughedir, as atrizes Zhan Ziyi e Leonor Silveira.

A Cinéfondation é um programa criado há dez anos pelo Festival de Cannes para promover o trabalho de jovens realizadores ainda estudantes. Este ano, o curta brasileiro Chapa, de Thiago Ricarte (FAAP) está concorrendo.

Inglourious Basterds (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Em 24 horas, Cannes nos apresenta três filmes de realizadores cujas gerações e culturas são diferentes, mas que mostram-se totalmente apaixonados pelo cinema como arte e ofício. Mesmo que a percepção objetiva do quanto cada um desses filmes seja bem sucedido como obras ou produtos varie de acordo com o observador, Los Abrazos Rotos, do espanhol Pedro Almodóvar, Les Herbes Folles, do francês Alain Resnais, e Inglourious Basterds, do americano Quentin Tarantino, formam uma trinca rica o suficiente para manter a chama do amor pelo cinema acesa por alguns anos ainda.

Vejam o caso de Inglourious Basterds (Bastardos Inglórios, estréia no Brasil prevista para outubro). Como nas passagens de Kill Bill e À Prova de Morte por Cannes, o filme de Tarantino é claramente o ingresso mais cobiçado do festival esse ano, o que levou a organização a programar sessão extra para a imprensa em outra sala para além dos 2300 lugares do auditório Lumière, hoje, às 8h30 da manhã. Energia na sala alta, com aplausos já no apagar das luzes. Na entrada da sessão de gala, à noite, a subida das escadarias pela equipe do filme parou o trânsito.

Temos aqui a obra de um autor em clara fase de transição. Findo o filme, não foi difícil imaginar Quentin Tarantino tomando a rota de alguns autores americanos que viram-se mais próximos da Europa do que de Hollywood a partir de determinado ponto de suas carreiras (Orson Welles, Jim Jarmursch, David Lynch, Francis For Coppola). E se Tarantino estaria sendo soprado em direção à Europa, a sensação não vem só do fato de seu novo filme se passar na França ocupada da 2a. Guerra, e ser dialogado em inglês, francês e alemão.

Obstinado no sentido de transcrever para a sua escrita visual e falada o interesse amoroso que tem pelos filmes, pela história do cinema e os grandes artistas que fizeram o celulóide, Tarantino nos dá um filme de tom bem distinto se observado no contexto da sua obra riquíssima.

Seu talento, até agora, mostrava-se intelectualmente instigante com conflitos humanos de alta qualidade sob uma literatura natural e fluente. Isso resultava num impacto incomum que também se traduzia em taquicardia, a capacidade rara de pegar uma platéia pelo pescoço e só soltar no final.

Salvo o capítulo de abertura (como Lars Von Trier, seus filmes são divididos em capítulos), seu novo filme talvez seja menos impactante nessa leitura visceral da ação, mas nos deixa a sensação de sofisticação artística como poucas vezes conseguiu fazer. Talvez seja o seu filme mais distante dos EUA em estilo, decupagem e referências. De fato, parece impregnado pelo espírito do cinema francês, não só em prosa e verso mas também através de piscadelas apaixonadas em direção à paixão francesa pelos filmes.

Além disso, seria impossível não ver que há no filme a musa de Cannes, festival que ama tanto Tarantino. Na verdade, vendo a entrada do diretor e equipe hoje nas escadarias do Palais ficou bem claras as primeiras intenções do americano, de festejar o cinema como em nenhum outro lugar, e sua desculpa é exatamente fazendo filmes que estréiem aqui.

“Somos franceses, respeitamos os cineastas”, exclama Shosanna (Mélanie Laurent), a jovem proprietária e programadora de uma sala de cinema na Paris de 1944, claramente o lugar preferido de Tarantino em todo o filme. Shosanna Dreyfus é judia e a única sobrevivente da seqüência de abertura, onde o ator alemão Christoph Waltz faz horrores com o texto bilíngüe num jogo curioso que expõe os mecanismos do cinema de gênero hollywoodiano que sempre nos oferece nazistas falando inglês.

Tarantino nos dá essa longa abertura, filmada na fazenda de uma família francesa, e anuncia o primeiro capítulo – Era Uma Vez... na França Ocupada Pelos Nazistas”. Ele parece voltar ao embate de ameaças sugeridas do seu roteiro de True Romance (Amor à Queima Roupa), onde Christopher Walken e Dennis Hopper pintaram o tipo de miséria que Waltz e seu coadjuvante (Denis Menochet) pintam aqui. Tenso.

Com duas horas e 25 minutos, e salvo esse primeiro capítulo, Inglourious Basterds toma uma série de escolhas inusitadas que chamam a atenção para duas coisas: primeiro, a participação dos titulares, um grupo de soldados americanos de origem judaica cuja missão é matar e esfolar alemães, resulta num estranho blefe.

O pelotão, liderado por Brad Pitt, ganha o segundo capítulo onde mostra do que é capaz: trucidar nazistas e colecionar seus escalpos, invasão do gênero western nesse filme, em grande parte, europeu. Curiosamente, depois disso os bastardos permanecem ausentes do filme, sugerindo que Pitt talvez tenha trabalhado não mais que uma semana para filmar suas cenas.

Cada uma das seqüências tem uma estrutura teatral interessante pela economia (um pedaço de floresta, uma taverna, o bunker de Hitler, o cinema). Sensação incomum de um bom teatro muito bem filmado é reforçada pelo texto perfeitamente escrito e interpretado, como numa cena com Winston Churchill e um oficial britânico (Michael Fassbender), crítico de cinema na vida civil, especializado em cinema alemão. Fica a sensação de que, de fato, o filme quer mesmo é estar no cinema, na cabine de projeção, no auditório, sala de espera, marquise e tela.

É nesse espaço lindamente projetado em art-decó que o filme entra em delírio de amor por essa arte, aliada a uma fantasia judaica que não se manifestava em termos tão vingativos e escapistas para com o nazismo desde que Steven Spielberg, Philip Kauffman, Lawrence Kasdam e George Lucas criaram Os Caçadores da Arca Perdida, derretendo soldados alemães a torto e à direita. Melhor ainda, Inglourious Basterds nos mostra que toda uma herança de imagens cinematográficas guardadas têm força suficiente para acabar com uma guerra, fantasia tão bela quanto enlouquecida em cima dos livros de história. A confiança de Tarantino como criador ganha expressão máxima na frase assinatura do filme, “acho que essa será minha obra-prima. Na verdade, não seria estranho se o filme decepcionar alguns e converter outros para obra tão feliz.

Filme visto com som terremoto na Lumière, Cannes, 20 Maio 2009

Valente apresenta 'No Meu Lugar'


Na Sala do 60eme, da esq. para a dir., Thierry Fremaux, diretor do Festival, Eduardo Valente, Marcos Dutra e a atriz Dedina Bernardeli.

Basterds


Demanda por ingressos a maior do festival para o filme de Quentin Tarantino.

Eduardo Valente, "No Meu Lugar" em Cannes


Montamos esse vídeo sobre Eduardo em Cannes, como crítico pela Cinética e cineasta com filme na seleção oficial. Seu primeiro longa "No Meu Lugar" passa hoje em sessão oficial. Agradecer à menina Emilie pelo esforço! K.M.F

Tarantino e amigos

Alain Resnais, Cinema



Durante a coletiva de Les Herbes Folle, agora há pouco.

Acabo de Sair do 'Inglourious Basterds'

Quentin Tarantino parece estar numa fase de transição na sua carreira, cada vez mais embarcando num cinema de autor com orientação francesa, diria até 'pour Cannes'. Não sei bem o que a Universal fará com Inglourios Basterds comercialmente falando. 1a reação é a de o seu filme menos empolgante, de longe, com uma queda na capacidade de manter ritmo e um orgulho excessivo dos diálogos.

Acompanho a carreira dele sempre com interessere e grande entusiasmo, e Inglourious Basterds é, claramente, uma decepção.

Salvo um ou dois floreios típicos do brilhantismo de Tarantino para a palavra (a tensa abertura parece trazer de volta a mágica do embate Christopher Walken/Dennis Hopper no seu roteiro de True Romance), não há nada de realmente novo no uso do filme de guerra, dos nazista e aliados, seus papéis e mesmo violência.

Há uma tentativa de vender o filme como "de guerra" e "ação", sobre os titulares que saem matando alemães, mas Inglourious Bastards não é sobre isso.

Provável fator de apego para alguns será a cinefilia latente do filme, sempre benvinda, mas nada de realmente inspirado e vindo do coração, ou ainda que nunca tenhamos visto antes.

Tuesday, May 19, 2009

I Love You Philip Morris (Quinzaine)




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Jim Carrey foi até a Quinzena dos Realizadores apresentar I Love You Phillip Morris, filme que estava tendo problemas de distribuição nos EUA mesmo com Carrey e Ewan McGregor no elenco. O motivo principal da dificuldade é o fato de ser um filme de teor gay, onde Carrey contracena de maneira amorosa com McGregor e com o brasileiro Rodrigo Santoro. “O roteiro desse filme, o de The Truman Show e o de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças foram os que me deram certeza absoluta de que eu precisaria fazê-los”, falou Carrey ao início da sessão.

O dinheiro para a produção do filme veio da França, via Europa Corp de Luc Besson. Há alguns dias, foi anunciada a compra do filme para os EUA via Consolidated Pictures. Os diretores Glen Ficarra e John Requa fizeram um filme estranho, que sugere inicialmente representar um ponto positivo para o avanço na imagem da homossexualidade no cinema comercial, usando atores de grande popularidade em cenas relativamente francas de sensualidade. Como era de se esperar, no entanto, I Love You Philip Morris termina sendo uma outra coisa.

Embora esteja sendo vendido como uma história de amor (e é), o filme, na verdade, é a história de um estelionatário (Carrey) que ganhou milhões, história real, espécie de primo não muito distante de Catch Me If You Can, do Spielberg, mas com orçamento reduzido. Diferente do filme de Spielberg, uma história de sucesso (sempre), I Love Philip Morris não acaba nada bem, o que nos leva de volta à estaca zero em termos de imagem positiva do homossexual, etc e tal.

Na verdade, os amantes se conhecem numa penitenciária texana, fator que já começa marcando os personagens como marginais, aparentemente incapazes de ter uma vida normal. McGregor está tentando, mas infelizmente sugere estar trancado numa camisa de força dramática, nunca o vi tão desconfortável. Deve ser difícil ser coadjuvante para Carrey, cuja presença enérgica revela que está claramente interessado no que está fazendo, mas é inegável que o seu gestual chega intacto de O Máscara.

Filme visto no Noga, Cannes, 19 de maio 2009

Los Abrazos Rotos (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Deus nos livre de acusar Pedro Almodóvar de estar se transformando numa marca registrada dele mesmo, numa griffe. Tal comentário pode facilmente ser reinterpretado positivamente como uma outra marca, a de um autor, que ele é já há um bom tempo. No entanto, Los Abrazos Rotos (2009), que passou hoje em competição em Cannes, passa a sensação de estarmos entrando na filial de uma loja que gostamos e conhecemos bem, numa cidade que nunca estivemos antes. Uma franquia dele mesmo.

O filme, que está na competição, foi muito bem recebido, é bom e bem feito, mantém a atenção com a sua sofisticação e ainda oferece as cores quentes de sempre. Talvez seja a repetição da excelência dentro de um universo já muito conhecido que gere reação de leve vazio em relação a Los Abrazos Rotos (Abraços Partidos), o que não deixa de ser irônico.

Um autor que mantém o seu olhar sob sentido agudo e constante de qualidade e que termina por não surpreender. Isso, claro, para muitos, ou a maioria, pode ser visto como algo muito bom, vide a reação positiva da platéia de críticos, que aplaudiram muito. Já um Lars Von Trier, que sai procurando outras imagens em direção ao experimentalismo, não apenas capota e pega fogo como parece existir uma torcida para que suas experiências corajosas não dêem certo. Curioso, não?

Tendo visto seus últimos quatro filmes em Cannes, volta a sensação boa de estarmos acompanhando uma obra em construção para Almodóvar, cada filme um novo volume com lugar reservado na estante.

Voltamos à decoração colorida e às paredes vermelho sangue. As investigações sobre o processo de criação já vistos em A Flor do Meu Segredo, Tudo Sobre Minha Mãe, Fale Com Ela ou A Má Educação ganham um novo capítulo e Penélope Cruz é mais uma vez lambida pelas lentes do cineasta espanhol, sua musa e representação máxima da imagem feminina.

De fato, é um filme sobre o poder da imagem como forma de sentirmos a vida, sugerindo que o espanhol continua totalmente apaixonado pelo cinema. Dessa vez, temos um cineasta (Lluiz Homar) que ficou cego na conclusão de uma grande história de amor. A cegueira o faz abandonar seu nome de nascimento, Mateo, e adota o pseudônimo Harry Caine. Nos anos 90, apaixonou-se por Lena (Cruz), atriz que selecionou para trabalhar no seu filme, Mujeres y Maletas. Acontece que Lena era a amante de um grande empresário, Ernesto (José Luis Gomes), possessivo, poderoso e produtor do filme, que será o filme dentro de Los Abrazos Rotos.

Esse filme interno lembra muito Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, em tom e nas cores, e logo o clima de paixão entre Lena e Mateo irá definir o triste fim do filme que está sendo rodado. Não só isso, mas imagens da época da filmagem, feitas sob as ordens de Ernesto para registrar todo e cada passo de Lena no set se transformam em documentos para o futuro.

Los Abrazos Rotos parece existir na inspiração que imagens do passado têm sobre as pessoas, seja uma cena vista na TV de Viaggio in Italia, de Roberto Rosselini, ou nas imagens do amor perdido que um homem cego tenta sentir com as mãos, num monitor de vídeo.

Uma das belezas de estar em Cannes é poder ouvir de perto alguns dos maiores criadores do cinema, e o que eles têm para falar do que fizeram. No caso de Almodóvar, sua paixão impressa nos seus filmes chega intacta na sua palavra, e sua honestidade e interesse pelo que faz, e pelos com quem trabalha, é cativante.

“Dirigir atores é lidar com seres humanos, e alguém que comunica-se mal, com algumas exceções, é um mau diretor de atores. Tenho um acordo tácito com meus atores de poder meter a mão em partes muito íntimas, e isso pode ser doloroso”, disse o cineasta. Ele disse também que quanto mais absurda e delirante a situação retratada num filme, mais realista e naturalista será o trabalho do ator. “Esta é a chave para os meus filmes, a vida real dentro de um sentido absurdo”.

Sobre voltar ao Mulheres à Beira de Ataques de Nervos, “foi como ser revisitado pelos fantasmas de mulheres do passado desse filme tão importante para mim, feito há 20 anos.” Almodóvar adiantou que estará em NY em junho para a adaptação de Mulheres... para a Broadway. “O roteiro de Mulheres está mostrando-se fértil como nunca”, e isso inclui ainda uma série de TV para a Fox, em inglês, o piloto está sendo filmado.

Filme visto na Lumière, Cannes, 19 de Maio 2009

Monday, May 18, 2009

No FLICKR


Lembrando que as minhas melhores fotos de Cannes estão sendo postadas no Flickr, http://www.flickr.com/photos/cinemascopio/.

Looking For Eric (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

O inglês Ken Loach, ganhador da Palma de Ouro 2006 com Ventos da Liberdade (The Wind That Shakes the Barley), e dono de uma trajetória riquíssima no cinema britânico de visão social, mostrou hoje em competição o muito bem humorado Looking For Eric (À Procura de Eric). O filme, aplaudido em cena aberta e praticamente ovacionado na sessão de imprensa, é um drama otimista ambientado na classe trabalhadora londrina sobre um homem, torcedor ardoroso do Manchester United, que recebe visitas esporádicas do seu ídolo Eric Cantona como conselheiro espiritual, ajudando-o a curar dores de um amor do passado. Loach deve estar super feliz com a vida e com a Inglaterra, pois o filme beira o doidivanas no sua capacidade de ser (para citar um outro filme de Cannes 2009)... er... Up.

O homem, nos seus 50 anos, é o carteiro Eric (Steve Evets), cujos enteados adolescentes dão trabalho e bagunçam a casa. O grande problema de Eric é ter abandonado a única mulher que amou, em 1979, assunto que nunca conseguiu administrar bem, a mãe da sua filha. Eric não consegue nem pronunciar o nome dela, Lily (Stephanie Bishop), tem visual sujo e uma atitude pessimista para a vida.

É quando entra no filme, magicamente, Eric Cantona, centro avante do Manchester United num passado não muito distante, na parede da casa de Eric via cartaz gigante, que, aos poucos, mostra que a vida pode ser mais leve. E é através da comunicação antes cortada que Eric irá se reaproximar da sua amada, hoje uma senhora enxuta que sempre quis voltar para ele.

A idéia original do filme veio de Cantona, que é francês (piadas sobre a total ignorância dos ingleses para com os franceses são engraçadas no filme). Ele propôs a Loach, um torcedor profissional na Inglaterra, um filme sobre algo que aconteceu com o próprio Cantona, a história de um torcedor que mudou de time quando o jogador mudou de time, trocando o Leeds United pelo Manchester United.

Looking For Eric terminou sendo um pouco diferente, mas, a exemplo de Meu Nome é Joe e do seu excelente curta na coleção Cada um Com Seu Cinema, a alma dos que amam o futebol (da maneira inglesa) está intacta aqui. Talvez seja essa alegria que guia o filme, e que chega intacta ao espectador. Vale ressaltar o talento especial de Loach filmar o cidadão comum, em locações reais, outra vez uma marca. Todos no seu filme parecem existir independente do mesmo, e isso é algo de especial. 'Feel good movie' de autor.

Filme visto no Lumière, Cannes, maio 2009

Coletiva Lars Von Trier


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Coletiva de imprensa tensa hoje a do Anticristo, o novo filme de Lars Von Trier, que passou para os críticos ontem à noite. O cineasta dinamarquês foi defender seu filme com os atores Willem Dafoe e Charlote Gainsbourg diante de uma platéia não tão agressiva quanto teríamos imaginado, mas ainda dotada de indivíduos munidos de pedras. Um jornalista inglês, do Daily Mail, o primeiro a pegar no microfone, exigiu, elevando a voz, saber o porquê da existência daquele filme.

Anticristo é o projeto muito anunciado de “filme de horror” do autor escandinavo. Se seus filmes anteriores tinham carga suficiente para inspirar sentimentos de horror e repulsa ao falar sobre a natureza humana, o amor e a vida em sociedade, seu filme de horror ‘de facto’ traz carga de agressividade no clima geral e, especialmente, nas imagens que muitos em Cannes preferiram não aceitar.

No material de imprensa distribuído em Cannes para o filme, Von Trier assina um texto intitulado “Confissões do Diretor” onde expõe a necessidade de ter feito o filme para superar uma crise - inédita até então na sua vida – de depressão que o deixou vegetando durante seis meses.

Von Trier então expõe algo desconcertante que é a cara dele, uma (falsa?) honestidade que gera linhas na imprensa como pouca coisa no cinema contemporâneo. Ele escreve: “O roteiro foi finalizado e filmado sem muito entusiasmo, feito de uma maneira que usou aproximadamente 50% das minhas capacidades físicas e intelectuais.” Anticristo, portanto, foi feito com metade da sua inteligência e força vital(!), uma filosofia que faria um sucesso no mundo do cinema caso virasse norma para diretores sem inspiração (improvável), e ele conclui afirmando que “não irá pedir desculpas pelo filme”, que declara ser o mais importante da sua carreira.

“Não vou pedir desculpas”, respondeu balbuciando e de voz trêmula ao jornalista inglês, que muito agressivamente exigia aos berros que Lars Von Trier pedisse as desculpas. “O Sr. Veio a Cannes, um festival de cinema, nós vimos o filme e acho que o senhor tem a obrigação de explicar o porquê de tê-lo feito”. Um outro crítico (francês) interviu e lembrou que o artista ali é o cineasta, e que o crítico deve se calar para ouvir, pois nada tem a falar. Foi aplaudido pelo resto da sala, algo que devolveu o diretor à sua linha de pensamento e até mesmo seu humor cáustico.

“Eu faço filmes para mim mesmo, sem pensar na platéia. Ah, sim, e eu sou o melhor diretor de cinema do mundo”, foi a sua principal pérola na meia hora de conversa, sarcasmo em punho.

Sua citação aparentemente cínica, ao final do filme, à memória de Andrei Tarkovsky foi um outro ponto de discussão. Para conhecedores da trajetória de Von Trier, a história de um curta metragem de faculdade que ele fez é conhecida. Ele teria incluído, na abertura do filme, uma dedicatória a uma garotinha que morrera de leucemia, tendo confessado mais tarde que “a dedicatória fictícia abriria os corações das pessoas para o filme que viria a seguir”.

“Posso afirmar de coração que a dedicatória a Tarkovsky é verdadeira. Minha vida mudou quando vi O Espelho pela primeira vez, numa telinha de TV. Tarkovsky certamente é Deus, mesmo que ele não tenha gostado nada do meu primeiro filme que viu aqui em Cannes em 1983 (The Element of Crime). Mas, tudo bem, isso não me afeta, ele veio de uma geração anterior à minha”. Um critico russo defendeu o filme dizendo que Checov e Dostoiévsky também foram incompreendidos no seu tempo, e que a Rússia irá entender Anticristo. “Bom, pelo menos é uma parte do mundo”, emendou o diretor.

Gainsbourg, filha de Serge Gainsbourg e Jane Birkin, mostrou-se quieta ao longo de toda a coletiva, e econômica nas palavras. Confessou que fazer o filme foi particularmente difícil pelo sexo e pela nudez, que foi uma experiência única que entende ser impossível de repetir, e que sabia disso mesmo antes.

Ao final da coletiva, perguntei à produtora de Antichrist, Meta Louise Foldager, se o filme chegaria intacto, na versão exibida em Cannes, às platéias do mundo, dado o conteúdo sexualmente explícito de alguns momentos. “Tudo depende do tipo de resposta que teremos ao longo do festival nas sessões de mercado. Há sim a idéia de talvez editar o conteúdo, mas, até agora, os distribuidores que viram o filme não vêem problemas”.

Lars Von Trier - Coletiva de Imprensa 'Antichrist'



Senso de humor do cara é destaque. Gravado hoje de manhã. (K.M.F)

To


Johnnie To, the man, que eu entrevistei agora há pouco. (K.M.F)

50% ?


Estou na coletiva do Von Trier. Traduzi isso aqui agora do material de imprensa distribuído. Chama-se A Confissão do Diretor. Hm....


"Dois anos atrás, eu sofri uma depressão. Foi uma experiência nova para mim. Tudo, não importava o quê, me parecia sem importância, trivial, não conseguia trabalhar.

Seis meses depois, como um exercício, escrevi um roteiro. Foi um tipo de terapia, mas também uma procura, um teste para ver se conseguiria fazer um outro filme.

O roteiro foi finalizado e filmado sem muito entusiasmo, feito de uma maneira que usou aproximadamente 50% das minhas capacidades físicas e intelectuais.

O trabalho no roteiro não seguiu meu modus operandi de sempre. Cenas foram acrescentadas sem nenhum motivo. Imagens foram compostas sem lógica ou reflexão dramática. Elas geralmente vinham de sonhos que estava tendo na época, ou de sonhos que tinha tido em outros momentos da minha vida.

Mais uma vez, o assunto era a "natureza", mas de uma maneira diferente e mais direta do que antes. Mais pessoal.

O filme não contém um código moral específico e contém o que alguns poderão chamar de "necessidades básicas mínimas" em termos de trama.

Eu lia Strindberg quando era jovem. Li com entusiasmo o que escreveu antes que ele foi para Paris onde virou alquimista e durante a sua fase lá... o período conhecido como "crise do inferno" - será que Anticristo foi a minha crise do inferno? Minha afinidade com Strindberg?

De qualquer forma, não tenho como pedir desculpas por Anticristo, além da minha crença absoluta no filme - o filme mais importante de toda a minha carreira!"

Lars Von Trier, Copenhagen, 25/3/09

Sunday, May 17, 2009

Vengeance, de Johnnie To (competição)


Halliday, com polaroids no coração.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Uma bicicleta velha andando sozinha impulsionada a bala num tiro ao alvo brincalhão de matadores profissionais. Um herói sem memória que precisa de polaroids para saber quem quer matar e um tiroteio sob a cumplicidade da luz da lua são alguns dos detalhes que fazem do cinema de Johnnie To uma espécie de jóia do gênero autoral de ação, em Hong Kong. Ele apresentou em competição hoje de manhã, Vengeance, co-produção francesa com Johnnie Halliday, astro pop francês que estrela o filme aos 66 anos de idade.

Halliday é um chef de Paris buscando vingança em Macau e HK pela morte violenta da sua filha e família, numa série de balaços que abrem o filme como trovões. Ele contrata três pistoleiros locais para, assim, fazer um estrago ainda maior no submundo. O filme tem largos prazeres, mas não é exatamente o que realmente esperávamos de To. Seu anterior, Sparrow, um balé de armas de fogo e guardas chuvas (exibido em Berlim, ano passado), era bem mais forte e interessante.

Um aspecto notável no filme é o próprio Halliday. Tem uma presença e tanto na tela, mas é melhor calado ou apenas fitando o infinito. Parece falar inglês com o tradutor do Google soprando as suas falas. E se seu personagem nunca realmente ganha vida, sua vingança torna-se apenas uma desculpa para as construções elegantes de To nesse filme de look 35mm/scope degradado da velha escola dos thrillers chineses.

Mesmo assim, há muito o que ver nessa seqüência de tiroteios (um deles, num lixão, é um luxo) que chega aos cinemas franceses semana que vem.

Filme visto na Lumière, 17 de maio 2009, Cannes

Un Prophète (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


É só depois do primeiro final de semana que as cartas começam a ser colocadas na mesa no Festival de Cannes. Nos últimos três dias, temos já um favorito francês à Palma, o drama da vida bandida Un Prophète, de Jacques Audiard. Le Prophète é o produto nacional querido na competição, recebeu raros aplausos demorados na sessão de imprensa e uma ovação de 12 minutos na sessão de gala. Bem feito, sério, com duas horas e meia e excelentes atuações, esse drama sobre a vida no crime dentro de uma prisão tem forte sabor do cinema clássico francês que canaliza o americano, vide Jean Pierre Melville ou Bob Swaim. O diretor, Oudiard, fez De Tanto Bater Meu Coração Parou, figura de respeito na França.

Nos mostra a ascensão de Malik (Tahar Rahim, excelente), garoto de origem árabe de 19 anos, preso por agredir um policial. Pela dureza do sistema interno e suas regras e valores, irá passar por um PhD do crime e se transformar numa figura de destaque a partir de um assassinato que é obrigado a cometer contra um delator também árabe, que ameaçava um chefão ali preso (Niels Arestrup).

A cena da morte, que nos mostra o que nosso Malik é capaz, não deverá sobreviver a uma refilmagem americana. É o tipo de detalhe que gera respeito no espectador em filmes onde heróis não são exatamente heróis, mas animais assustados à procura de sobrevivência.

A ascensão de Malik será acompanhada de visitas poéticas do fantasma do homem que matou, um dos toques especiais desse thriller humano e seguro que parece ter deixado a crítica e público franceses três graus acima de entusiasmo em relação aos observadores estrangeiros.

Un Prophète, que estréia na França em agosto (deverá ser um grande sucesso de bilheteria) é todo bom e tudo mais, mas não nos surpreende em nada no gênero. Talvez sejam as expectativas típicas de Cannes, onde estamos sempre procurando uma descoberta, um susto, filmes de outro planeta. Visto longe daqui, posso lidar melhor com o fato de que é apenas bem bom.

Filme visto na Lumière, Cannes, 16 de Maio 2009

Ne Change Rien (Quinzena)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para a Variety, sempre preocupada com o produto, Ne Change Rien (Portugal/França, 2009), o filme de Pedro Costa na Quinzena dos Realizadores, seria um bônus bacaninha para sair com o CD da banda de Rodolphe Burger que é registrada no filme. Essa Variety... leio sempre.

O filme, na verdade, é sobre a atriz, também cantora, Jeanne Balibar (ex-esposa de Mathieu Almaric, aliás), e é generoso com a música e talvez apaixonado por ela. É composto por uma série de planos fixos inicialmente distantes e enquadrados com porcentagem maior de sombra e menor de luz. Mini-DV fica muito bem monocromático, é o 16mm de hoje. Gradualmente, as imagens tornam-se mais próximas, íntimas, como se a timidez do olhar fosse se abrindo.

Há algo no preto e branco, e no interesse geral pelos rostos e pela música que me fez lembrar do Jarmursch dos anos 80, como se Ne Change Rien fosse o primeiro corte de um registro que nunca havia sido mostrado do diretor, na sua fase Stranger Than Paradise (1984, aliás, Câmera de Ouro em Cannes).

Há uma metragem amiga de uma hora e 40 e tantos minutos. O efeito geral é o de um prazer particular, com especial ênfase no tempo de Costa que, em mim, e numa seqüência em especial, sugeriu uma ponte com uma outra cena importante de Politist, Adjectiv, de Corneliu Porumboiu.

Nos dois filmes, dois personagens se enfrentam, e o tempo aumenta a voltagem do conflito também no espectador. No filme de Costa, ela ensaia La Perichole, de Offenbach, sob a voz (off câmera) do seu diretor, sua própria voz interrompida a cada três segundos com novas direções e sugestões. A beleza do que ela tenta cantar nunca realmente se confirma pelas interrupções da criatura dominadora, que não deixa o canto fluir. É uma abertura de uns bons dez minutos para o processo exaustivo do ensaio, da criação artística.

Eu não sei bem se os artistas em si são iluminados, ou se a banda de Rodolphe Burger de fato merecia o filme. De qualquer forma, o relato processual é tão raramente registrado e exposto como nesse filme.

Filme visto no Noga, 14 de maio 2009, Cannes

Antichrist, de Lars Von Trier (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


1as impressões, pela natureza do filme, pode mudar.

A sessão de Antichrist (2009), de Lars Von Trier, finda agora há pouco na Debussy, foi qualquer coisa, como o filme. "Ohhhhh...s", "Ahhhhhss...", gargalhadas involuntárias, gente se levantando bufando como se abandonar a sala fosse uma questão política. Finalmente, muitos calados, outros aplaudindo com força e outros ainda empurrando uma sonoríssima vaia.

Um homem passou mal na minha fila, o tipo de frase que os produtores estão querendo para o filme, mas que, nesse caso, precisa ser escrita por ser a mais pura verdade. Ele não foi o único e tenho que admitir que ver imagens e sons fazerem isso com dezenas de pessoas adultas é algo sempre muito interessante para o observador de cinema. Resta ver o que vai acontecer no encontro de Von Trier com a imprensa, que irá acontecer amanhã, ao meio dia. Essa é apenas uma primeira reação física ao filme. Resta esperar um pouco e sentir como ele vai bater algum tempo depois.

Cinicamente dedicado à memória de Andrei Tarkovsky, chamar Lars Von Trier de doente seria um grande elogio para o seu filme de horror. Fica a suspeita de que Antichrist deverá resultar numa batata quente comercial para as dezenas de territórios que o compraram bem antes de o filme começar a ser filmado, com base na trajetória do seu autor (nota: já tem distribuição no Brasil garantida). Há um fator sexual no filme que deverá revelar-se veneno para muita gente e, de fato, não se vê esse tipo de coisa normalmente no cinema. Nos EUA seria um NC-17 duplo, com gelo.

O filme me atrai pelo fato de, no já muito sambado território do "cinema fantástico", o dinamarquês ter conseguido fazer algo de fato estranho, com climas inéditos que parecem fazer parte de uma lógica bem particular, ou de um cinismo bem especial.

Por outro lado, seja lá que clima ele obtém não vem de uma construção narrativa envolvente. Fica uma sensação dúbia em relação a esse Anticristo como filme de gênero horror, pois o narrador mestre que Von Trier já foi, tão bom em administrar tensões crescentes (Breaking the Waves, Os Idiotas, Dogville), parece ausente desse filme frio sobre, ao que parece, a loucura da perda, do luto.

Por outro lado, sua capacidade de chocar com imagens de cinema em tela larga está intacta. Na verdade, esse é o único sentido do filme, e essas imagens em muitos aspectos parecem fáceis, materializando uma psicologia que soa misteriosamente cara ao próprio cineasta, em especial na sua dolorosa perseguição do elemento mulher. Digo fácil pois não há muito o que argumentar em palavras contra um pedaço grosso de madeira no saco. Golpes baixos.

Há, de fato, uma abertura que nocauteia a platéia com uma sequência de imagens fortes, hipnotizantes, que mostram um homem e uma mulher fazendo amor (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg), no exato momento em que algo de trágico acontece nas suas vidas. Essas imagens são acompanhadas por Rinaldo, Lascia Ch'io Pianga, de Handel, e quem ouviu Dogville e Manderlay sabe que Handel é um velho colaborador de Von Trier, como fora anteriormente de Stanley Kubrick.

O casal entra num processo de luto, isolam-se numa cabana na floresta e logo estaremos no território de Inverno de Sangue em Veneza (Don't Look Now, 1973), o filme de Nicholas Roeg sobre um casal que tenta superar a perda da filha pequena. Pensando bem, a sequência de abertura tem muito da sequência de abertura do filme de Roeg, o tom, o mistério, embora plágio esteja muito distante.

Como no filme de Roeg, nada realmente parece fazer sentido, e as imagens ganham a lógica, o tom e os filtros de fotografia normalmente associados aos sonhos, nesse caso um pesadelo bem febril e onde alguns dos medos mais profundos são escancarados, e alguns outros que Von Trier banca sem medo do ridículo - "Chaos Reigns!". Hm, sim, no filme...

Dafoe e Gainsbourg não parecem funcionar muito bem juntos, e Dafoe continua me passando a sensação de que está sempre no filme errado. A sexualidade filmada dos dois é forte, mesmo assim. Gainsbourg logo entra no formato escolhido por esse autor, chorando, gritando e batendo a cabeça no sanitário até sangrar, para começar.

Ela, claro, irá passar para estágios mais adiantados de demência agonizante, sendo o seu companheiro a principal vítima da sua loucura na mata, e é na segunda metade que a coisa fica realmente feia, quando a platéia começa, aos gritos e com náusea, a passar mal, mesmo que o que esteja sendo dito soe como uma grande psico-baboseira. Baboseira talvez, mas nada como uma tesoura nas áreas genitais para encerrar uma conversa rapidinho.

Anticristo não é o fracasso que os 45 minutos de projeção sugeriam, quando sons estranhos na trilha sonora de uma floresta viva e ataques de nervos começaram a forçar a paciência. Finda a sessão, no entanto, temos a sensação desconfiada de que, se for para errar, Lars Von Trier tem o talento bastante dúbio de errar dentro de uma loucura muito sua, e de ninguém mais.

Filme visto na Debussy, Cannes, 17 de maio 2009

Politist, Adjectiv (Un Certain Regard)

Cineasta
Filme

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O romeno Corneliu Porumboiu ganhou a Câmera de Ouro em 2006 pelo seu primeiro filme, Ao Leste de Bucareste, e está em Cannes esse ano com o seu segundo longa, Polícia, Adjetivo (Politist, Adjective), até agora o melhor filme que eu vi até agora em Cannes 2009. Porumboiu volta com ainda mais força a dois elementos que não apenas definiram o seu primeiro filme, mas que também parecem moldar a noção desse novo cinema romeno que Cannes descobriu desde 2005 com obras como A Morte do Sr. Lazarescu, de Cristi Puiu, e 4 Meses 3 Semanas Dois Dias, de Cristian Mungiu, ganhador da Palma de Ouro há dois anos. Os elementos são a palavra e o tempo de narração.

Mungiu fez um ácido anti-filme policial, neutralizando tudo o que uma platéia condicionada pelo gênero thriller hollywoodiano poderia esperar de uma história que envolve um policial e uma investigação. Porumboiu, com o senso de humor que lhe é peculiar, investe na espera, ingrediente que é normalmente cortado desse tipo de filme por ser considerada monótona e sem sentido. Porumboiu, obviamente, é hábil o suficiente para transformar o que seria monotonia em idéias cortantes e a idéia da falta de sentido numa aliada sua sempre temperada pelo sarcasmo.

Para completar, a investigação, baseada na suspeita de que um adolescente talvez fume maconha atrás da escola onde estuda, e de que ele talvez venda um pouco do que consome, temos o verdadeiro tema do filme, e sua principal beleza: como trazer um pouco de delicadeza e humanidade a um sistema mecânico que interpreta leis ao mais rígido pé da letra.

O jovem policial (Dragus Bucur) não acredita no que está fazendo, seus relatórios escritos com o interesse de um burocrata descrente geralmente informam que “nada aconteceu”. Argumenta que a lei deverá mudar em alguns anos, pois “ninguém é preso por fumar um baseado em nenhum país da Europa”. Quer poupar o garoto de sete anos na prisão, algo que irá acabar com a vida dele. Seu chefe argumenta com um leve sorriso que “que nada! Em três anos, no máximo, ele sai”.

O confronto entre os dois é levado às últimas conseqüências em matéria de cinema radical, e a reação da platéia é poderosa na captação de uma situação que Kafka poderia ter escrito, e que provavelmente tem uma carga muito forte da velha Romênia de um regime absurdo (Policia, Adjetivo se passe nos dias de hoje). Ajuda bastante que o chefe é interpretado pelo cinicamente sinistro Vlad Ivanov, o médico “Bebe” em 4 Meses 3 Semanas 2 Dias.

Armado com um dicionário e um quadro negro, esse chefe, montado na máquina burra da burocracia, irá promover uma batalha verbal absurda com o seu subalterno, que tenta de tudo para argumentar o óbvio e ainda manter a linha. É um exercício filosófico fascinante e espetacularmente frustrante, narrado em tempo real, tortura calculada para nosso personagem e também para o espectador alérgico às pequenas autoridades que, normalmente, são o que sempre são, estúpidas.

Ontem, Porumboiu me recebeu no stand do cinema romeno, já ciente de que seu filme vem impressionando muitos, colecionando críticas excelentes que geralmente indagam o porquê de Policia, Adjetivo não estar na competição. “Acho que o cinema é a linguagem do tempo, é a única arte que nos faz poder sentir o tempo. Eu procuro mostrar o tempo do estar, e, para mim, isso é muito mais importante do que dez páginas escritas de diálogo ou caracterização”, me disse. Porumboiu também acredita que o tipo de filme que faz é adequado para esse tratamento, uma vez que suas histórias se passam em um ou três dias, e não ao longo de muitos anos.

Sobre fazer um anti-filme policial, “desde o início que pensei num típico filme de gênero, isso está, inclusive, no título, e refleti sobre o tempo da espera para um policial, a espera onde nada acontece, uma ironia, pois num filme do tipo o que importa é a ação. No meu filme, é exatamente o oposto”. (foto KMF)

Filme visto na Debussy, Cannes, Maio 2009

Projeção Digital


Grand Theatre Lumiére, o maracanã do cinema. Este é apenas o balcão.

Agora temos dados. De fato, a projeção digital nunca foi tão forte em Cannes: são 50 filmes projetados em digital este ano, contra 20 em 2007 e 37 em 2008. Christie Digital Systems é, há três anos, a empresa fornecedora dos 19 projetores digitais do festival, incluindo 6 projetores DLP 2K nas salas Lumière, Debussy, Bazin, Buñuel, Salle du 60e e Cinéma de la Plage. No mercado, 3 projetores 2K e 9 projetores DLP de alta definição equipam os auditorios e salas de projeção. Outra novidade é uma sala de controle de qualidade 2K instalada no Palais du Festival para checar todas as copias digitais.

Tapete


Cannes, 13h47, domingo

Brillante Mendoza


"Nas Filipinas, as notícias sobre a violência e o crime são normalmente vistas como um tipo de entretenimento popular que cai na boca do povo. Talvez o filme funcione no sentido de lembrar que essa violência extrema tem muito pouco de diversão. Durante a filmagem, tivemos pelo menos duas novas notícias de pessoas que passaram por esse tratamento "açougue", o que, de certa forma, me estimulou a continuar no rumo que tomamos".