Thursday, August 13, 2009

Drag me to Hell


O Horror Oral de Sam Raimi.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A gente reclama de Hollywood, da monotonia da sua produção e, por tabela, da programação dos multiplexes, mas a verdade é que o cinemão americano, por linhas talvez tortas, termina surpreendendo pela diversidade. Essa semana, por exemplo, temos não apenas a anomalia que deve ser vista chamada Brüno, com Sascha Baron Cohen, mas também essa deliciosa baderna cinéfila que é Arrasta-me Para o Inferno (Drag Me To Hell, 2009), filme de Sam Raimi, ambos produções da Universal.

Se Brüno é fruto exclusivo do nosso mundo na primeira década do século 21, o filme de Raimi parece existir com base no passado do cinema comercial classe B feito nos EUA, nos filmes e séries de terror dos anos 60 e 70, como The Twilight Zone (Além da Imaginação) ou A Casa da Noite Eterna (Legend of Hell House, 1973). É um desses filmes onde o espectador tem a certeza de estar se divertindo tanto quanto o cineasta que o fez.

É a história de uma garota bacana chamada Christine (Alison Lohman), com namorado companheiro Clay (Justin Long). Ela trabalha com empréstimos num banco e descobre horrorizada que foi amaldiçoada por uma cliente idosa, Dona Gamush (Lorna Raver).

A maldição veio depois que Christine recusou um empréstimo para a cliente, decisão tomada pela nossa heroína de bom coração a partir de exigências de produtividade no banco e medo de perder uma promoção. Competitividade capitalista e liquidez garantida podem levar alguns a ter um encosto por perto, cuidado.

Na verdade, “idosa” não é a palavra certa para descrever a Dona Sylvia Ganush, pois ela é apresentada como o pesadelo perfeito da “velha debaixo da cama”. Séria, voz rouca, chapa nos dentes e um lenço na cabeça. Para americanos, a lista de horrores ainda inclui um espesso sotaque estrangeiro. É uma “velha”, no sentido mais aterrorizante do termo, parte integrante da psicologia infantil mais sombria.

Dizem que os dois gêneros de cinema mais difíceis de acertar são o horror e a comédia. Em termos práticos, a eficácia de cada um pode ser checada em reações físicas no espectador, seja rindo ou se encolhendo na cadeira, não raramente pulando ou contorcendo-se, com asma cômica ou boca seca. Dos dois gêneros, muito raramente surgem frutos que unem de maneira igualitária o medo e a graça. Esse é o caso de Arrasta-me Para o Inferno.

Sam Raimi tem a mão firme de um autor que escreve com caligrafia pessoal. Foi um desses talentos natos recrutados pela grande indústria a partir de primeiras experiências totalmente independentes que rodaram o mundo, como o clássico espetacular da invenção e da câmera absurda que é A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1983), feito por ele e seus amigos em 16mm e orçamento zero.

Talvez Hollywood tenha aberto os olhos para o trabalho de Raimi depois que dirigiu o delirante Darkman (1990) para a Universal e, encurtando a história, Raimi é hoje o homem por trás do sucesso de bilhões de dólares da franquia Homem Aranha, que vai agora para o quarto filme com ele ainda dirigindo.

Isso parece gerar um prazer ainda maior de vê-lo fazendo um filme pequeno como Arrasta-me Para o Inferno. Nesse tipo de cinema B, algo não funciona tão perfeitamente como deveria, o filme em si talvez deixe a desejar em partes, mas os prazeres são enormes ao longo de praticamente toda a duração, e sensação geral é a melhor possivel.

Vale observar curiosidades alarmantes nesse filme. Raimi não apenas aposta num trabalho de som radical, misto de “som clássico” amparado por trilha sonora de Christopher Young acrescida da agressividade das mixagens modernas, mas há uma engraçada fixação oral do filme (e de Raimi) em relação ao terror. Há muita boca aberta, ataque de boca, mordidas e líquidos indesejáveis entrando e saindo de bocas. Veja, com a boca tapada.

PS: Outra coisa sobre o fator estrangeiro da bruxa Ganush, e que nos confirma aspectos nefastos (mas sempre reveladores) da cultura americana. Além de ela ter sotaque, todas as pessoas intimamente relacionadas com o mal, até mesmo um guru benigno, tem a aparência de não-americano, ou sotaque de fora. Na verdade, são mexicanos ou europeus do leste. Nossa heroína, claro, que nada tem a ver com o mal, mas que é apenas vítima, é loirinha e americana como uma torta de maçã.


PS: A pré-estréia na qual vi o filme sábado, 8 de agosto, foi um pesadelo por si só. A imagem desfocava constantemente na sala 4 do UCI Boa Viagem, às vezes radicalmente (as legendas viravam borrões brancos indecifráveis). Espectadores gritavam (com o defeito), saíam para reclamar, o filme parou numa cena tensa, três minutos sem qualquer informação, o filme volta, desenquadrado. Nenhum pedido de desculpas, nenhuma cortesia (como nos EUA...) para que o espectador volte outro dia sem ter que pagar. Enfim, o UCI Boa Viagem, com 11 anos, está mais para uma sala de 2a. rodada, mas com ingressos caros de sala de 1a. Pena.

Tempos de Paz


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Daniel Filho está meio que no topo. Já nos seus 70, se manteve à frente da TV, do teatro e do cinema no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, sempre em posições de liderança. Nos últimos dez anos, parece ter encontrado um nicho gigantesco junto à Globo Filmes onde tem a liberdade de fazer a sua musculação criativa e comercial com uma série de sete filmes em oito anos, todos populares e que incluem os dois Se Eu Fosse Você, vistos por mais de nove milhões de brasileiros. E segue fazendo seu cinema com mais um exercício chamado Tempos de Paz (Brasil, 2009), com Tony Ramos e Dan Stulbach.

Ao se debruçar sobre os filmes de Daniel Filho, há sempre uma tensão curiosa para com o observador que não pode se considerar um admirador do que ele filma. Temos um homem do entretenimento brasileiro, talvez o maior nome de uma indústria de áudio-visual que ainda engatinha, associado diretamente a marcos históricos da cultura nesse país, como a novela Dancin’ Days (1978) e a um filme como Cidade de Deus, que assina como produtor associado.

Seus filmes recentes, como A Partilha (2001) ou Primo Basílio (2007) ilustram seu discurso, já muito conhecido, que é o de sempre se comunicar com o grande público. Parece estar fazendo bem esse trabalho há décadas. Essa busca pelo público tem a contrapartida, por parte dele, como realizador, de fazer filmes que estão acima da média brasileira de mercado, produções fluentes, com atuações corretas e roteiros funcionais que contam histórias.

Normalmente, seriam filmes medíocres se a média brasileira não fosse tão ruim. Como estamos, os filmes de Daniel Filho são os melhores produtos comerciais que temos, numa proposta nacional de mercado, público e lucro através de uma constância na sua produção.

Depois de Se Eu Fosse Você 2, lançado em janeiro, ele nos traz esse produto aparentemente pequeno, uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil. O resultado é curioso.

É essencialmente um diálogo teatral entre dois personagens antagônicos, Segismundo (Ramos) e Clausewitz (Stulbach), o primeiro, um chefe da alfândega no Rio de Janeiro em abril de 1945. O segundo é um ator polonês que desembarca no porto vindo da Europa. O brasileiro esteve à frente de horrores como integrante da policia de Getúlio Vargas, o polonês sofreu horrores do nazismo. O próprio Daniel Filho interpreta uma vitima política de Segismundo, homem íntegro que tenta entender o porquê da violência contra a sua pessoa.

Tempos de Paz parece abraçar as origens teatrais do material encenado, tentativa de o cinema honrar o palco, e isso inclui até mesmo a buzina do navio ouvida de tempos em tempos, com a identidade sonora de que estaria sendo operada por algum contra-regra.

O texto parece achatado, no sentido de que tudo o que é dito parece se bastar, sem entrelinhas ou dubiedades, levando progressivamente a momentos de dramaticidade que chamam sempre um virtuosismo terrivelmente piegas. Talvez seja o segredo da narrativa popularesca, uma situação sem nuances que levará a uma explosão de emoção encenada e pontuada.

O personagem Segismundo, um ignorante com passado sofrido, burocrata infernal e capacho sem escrúpulos, irá se curvar diante do poder da arte de um homem puro. Vale observar que, por outro lado, o artificialismo constante é finalmente assumido com alguma delicadeza.

Stulbach parece destacar-se com a alegria evidente de quem adora seu personagem. Ele e Ramos dividem o espaço cênico como num espetáculo popular encenado sexta à noite, com casa lotada. Poderá ser um sucesso para o nicho inexistente no Brasil de filmes pequenos com pretensões populares.

PS: Stulbach, durante a projeção, me lembrou não apenas do Tom Hanks, mas do Hanks de O Terminal, de Spielberg, preso numa situação semelhante, e pintado com tintas mesmas, a do bom homem que conquista a burocracia.

Filme visto no Box Cinemas, Recife, Agosto 2009

Pornochancheiro

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Wednesday, August 12, 2009

Brüno


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Há algo de atraente na feiúra de Brüno (EUA, 2009), filme dirigido por Larry Charles, mas que pertence ao ator e arte-anarquista inglês Sacha Baron Cohen. Ele interpreta o personagem titular, um jornalista espetacularmente gay, fascinado pelo mundo da moda e das celebridades. Talvez o filme não seja muito bem sucedido como proposta completa e fechada de uma comédia, mas termina sendo notável pela sua capacidade de desfigurar artisticamente um estado de coisas que já observamos com perplexidade real, diariamente.

Cohen impressionou com Borat (2006), um ‘documentira’ muito engraçado sobre, em termos gerais, a dificuldade que os EUA têm de lidar com o elemento estrangeiro. A estética do constrangimento tão bem pesquisada por Cohen já era o centro das atenções, atraindo vítimas insuspeitas para serem expostas pela sua ignorância, racismo e preconceito.

Em Brüno, ele expande seu raio de ação, e parece ter como alvo a sociedade moderna cujo epicentro continua sendo os EUA. Na verdade, é até difícil definir o quê Cohen está mirando nesse filme, que é o equivalente hollywoodiano (o estúdio por trás é a “Üniversal”) de uma bomba de prego toscamente montada. O filme é uma benvinda anomalia.

O eixo de Brüno aparenta ser a representação e percepção do homossexualismo, aqui personificado pelo fashionista austríaco de 1.90m, geneticamente incapaz de estar a menos de um metro de uma mulher.

Além de termos um pastor evangélico que cura homossexualidade (extensamente ridicularizado), há o clímax do filme, seqüência espetacular construída para dar corda numa platéia (dentro e fora do filme) que não parece entender que o homossexualismo existe e faz parte do mundo. Como sempre, planos de reação são o ouro desse tipo de investigação, e cada um deles aqui apresentado traz carga dramática grande.

No entanto, Brüno sai dando tiro não só em relação à percepção do ser gay.

“Madonna tem o dela, Brangelina tem o deles, eu também tenho” diz Brüno ao abrir uma caixa de papelão na esteira de bagagens do aeroporto, com um bebê africano dentro. O infante - trocado na África por um iPod - passa a usar uma camisetinha colada com a palavra “Gayby” estampada.

Idéias como estas dão conta, de uma só vez, do descaso do mundo rico para com a África, das celebridades e de suas excentricidades super divulgadas, dos valores de um mundo. Fica difícil, por exemplo, não lembrar daquele incidente com Michael Jackson pendurando seu bebê de uma varanda ao vermos fotos de Brüno e seu filho, o pai dentro de uma roupa de apicultura, o garotinho coberto de abelhas desprotegido.

Um outro momento inteligente envolve Paula Abdul sentando em mexicanos durante uma entrevista, interpretação perfeita para as diferenças que existem nos EUA, especialmente em Los Angeles. Está tudo lá, distorcido pelas lentes da anarquia.

Curiosamente, o efeito do filme está mais no todo do que nas partes. Um número de sequências maior do que o aceitável não parece funcionar, ficando o espectador a entender a idéia, mas a lamentar o resultado. Uma ida à Faixa de Gaza chama mais a atenção pela coragem da empreitada do que pelo efeito pretendido, e uma tentativa de destruir a reputação sexual de um político (Ron Paul) deixa apenas um gosto ruim na boca.

Essa tensão do constrangimento e do confronto vem de experiências não esclarecidas entre a realidade (Harrison Ford não quis fazer parte, subentende-se...) e a encenação (atores trabalhando para o filme, como no hotel, a própria Abdul). É um curioso jogo de cena que, de alguma forma, Eduardo Coutinho talvez ache interessante, borrando as linhas entre tensão registrada e tensão encenada.

Essa dúvida constante pode ser a principal riqueza do filme. Brüno talvez seja o repórter principal do mau gosto, o Perez Hilton do cinema, o E! Entertainment News estilizado, o enterro de Michael Jackson transformado em cena filmada. Seu filme de cinema traveste-se de TV para se tornar uma caricatura fiel de como as coisas têm sido.

Há algo de muito forte e obstinado nas entrelinhas do trabalho de Cohen e do seu provável mentor intelectual, o comediante americano Andy Kaufman, falecido precocemente em 1984. A obra de Kaufman ganhou um belo filme pelas mãos de Milos Forman, Man on the Moon (O Mundo de Andy, 1999).

Os dois artistas, judeus de origem, têm algum tipo de cruzada apaixonada contra os que fazem do mundo um espaço menor do ponto de vista das idéias, das diferenças. Resta abrir o debate para questionar os métodos de Cohen, que toca o terror ético armado com câmeras. É o mais próximo que temos do Coringa de Batman, livre, solto e bem pago, fazendo filmes. No caso de Cohen, ele não perguntaria "Why So Serious?", mas talvez o seu direcionamento seja "Porquê tão tacanha?". Aparenta estar lutando ferozmente contra isso.

PS: Adorei Brüno levando chibatadas da virgem.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Agosto 2009

Monday, August 10, 2009

Os 50 MELHORES Filmes da 2a. Guerra (Time Out)


A Time Out (Londres) propõe mais uma lista, a dos 50 GREATEST Filmes da 2a. Guerra Mundial, preparando terreno para o lançamento de Bastardos Inglórios, de Tarantino. Essas listas são sempre um prazerzinho, especialmente quando o filme que ocupa o Número 1 bate com o seu próprio filme NÚMERO 1.

O link é esse - http://www.timeout.com/film/features/show-feature/8357/the-50-greatest-world-war-two-movies-part-one.html, em inglês, claro.

Leiam os comentários de Quentin Tarantino e vejam como ele acerta todos, exceto, claro, seu discurso 'bulshit' (polido, educado, medido e pesado) sobre O Resgate do Soldado Ryan, de Spielberg. K.M.F