Monday, March 8, 2010

Oscar 2010: Um Registro sobre Contradições


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Contradição foi a palavra chave na noite do Oscar 2010. Numa indústria sempre faminta por dinheiro, Guerra ao Terror, um filme que arrecadou, até agora, 14 milhões de dólares nos cinemas americanos, passou por cima de Avatar, que já está com 720 milhões no banco. Mesmo assim, prestigiram Sandra Bullock, estrela e miss simpatia embalada pelo suce$$o fenomenal do seu último filme, Um Sonho Possível (estréia no Brasil 19 de março). E na véspera do dia internacional da mulher, Kathryn Bigelow entra para a história como a primeira mulher a ganhar um Oscar de Direção por Guerra ao Terror, grande vencedor numa cerimônia que foi amplamente anunciada como empolgante, mas que arrastou-se mancando até o final.

A vitória do pequeno Guerra ao Terror (The Hurt Locker), filme produzido fora do sistema de estúdios, sugere a grande contradição de uma indústria que parece apoiar com o reconhecimento do Oscar o tipo de filme que ela mesma tem tido dificuldade de produzir. Não apostar em filmes pequenos e a maior facilidade hoje de arcar com custos gigantescos de arrasa-quarteirões tem sido assunto corrente em Hollywood.

“Guerra ao Terror foi feito sem exibições teste, sem memos do estúdio ou grupos de foco”, como bem informou a dupla de editores Bob Murawski e Chris Innis, no palco. É uma frase que pode passar despercebida, mas que revela o tipo de cinema que Guerra ao Terror representa frente aos produtos espremidos, espancados e empacotados por executivos no mundo corporativo da indústria de hoje, e que resultam no tipo de coisa que vemos semanalmente nos multiplex.

AVATAR - Pode-se dizer também que a história repete-se se lembrarmos de 1977, quando Guerra Nas Estrelas, de George Lucas, na época um sucesso e um fenômeno ainda maior do que Avatar é hoje, perdeu para o pequeno, intimista e pessoal Noivo Neurótico Noiva Nervosa (Annie Hall), de Woody Allen. O gênero ficção científica definitivamente não é levado a sério pela Academia, preferindo reconhecer méritos técnicos (Avatar ganhou Fotografia, Efeitos Especiais e Direção de Arte).

DVD - Do topo dos seis prêmios conquistados por Guerra ao Terror (som, edição de som, montagem, roteiro original, diretora e filme), foi impossível não lembrar da distribuidora brasileira Imagem Filmes. Ela comprou The Hurt Locker para distribuí-lo no Brasil, mas em junho passado, por não acreditar num produto que não encaixava-se no padrão de mercado, optou por jogar o filme direto em DVD, sem lançá-lo no cinema.

Contraditoriamente, resgatou o filme desperdiçado para lança-lo nas salas mês passado, depois das indicações ao Oscar, e agora perde a chance de faturar alto com os Oscars do filme de Kathryn Bigelow. Preparam agora um lançamento de Guerra ao Terror em Bluray, ainda um mercado de nicho. O DVD, de qualquer forma, não deve parar essa semana, nas locadoras.

Contradição curiosa foi o fato de Bullock, aos 45 anos, ter recebido, na noite do sábado, o Framboesa de Ouro de Pior Atriz por um outro filme, All About Steve, e na noite de domingo o Oscar de Melhor Atriz por Um Sonho Possível. Bullock esteve presente nas duas cerimônias, mostrando que bom humor é uma qualidade sua.

O também admirado Jeff Bridges levou Melhor Ator por Coração Louco (Crazy Heart). Bridges é presença já há 40 anos no cinema, filho de “uma família do showbusiness” (seu pai foi Lloyd Bridges, seu irmão Beau Bridges), com grandes atuações passadas contando como excelente currículo (A Última Sessão de Cinema, Starman, Suzie e os Baker Boys, O Grande Lebowski).

Preciosa, filme de Lee Daniels, outro filme de pequeno porte, saiu-se bem com dois Oscars, Atriz Coadjuvante (Mo’Nique) e Roteiro Adaptado (Geoffrey Fletcher), enquanto a Academia mostrou-se inglória e ingrata com um dos grandes filmes americanos do ano, Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. Das oito indicações, converteu apenas uma, ator coadjuvante para o alemão Christopher Waltz.

TWITTER – Vale registrar o fenômeno de comunicação que é o twitter, onde, pela 1a vez, cinéfilos e imprensa usaram a ferramenta de mensagens com 140 caracteres para acompanhar a entrega do Oscar com comentários e informações instantâneas, troca inédita de impressões em tempo real, entre continentes diferentes.

Eu, pessoalmente, gostei de usar o twitter como bloco de anotação (com momentos realmente silly) e termômetro para medir a própria cerimônia, descartando eventuais fãs chocados com a derrota de Avatar. Me pergunto como será o twitter em Cannes, pois o meu interesse é escrever como alguém alfabetizado, e não ficar teclando frases soltas. Ironicamente, a sedução da ferramenta é grande.

Na internet brasileira, já foi possível sentir o peso cultural da vitória do filme argentino O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos), de Juan José Campanella, vencedor surpresa de Melhor Filme Estrangeiro (o favorito era A Fita Branca).

Entre o desconforto de alguns com uma suposta superioridade do cinema argentino para com o brasileiro, e a transformação da vitória de Campanella numa preocupação real com os caminhos da Copa do Mundo (a Argentina pode ser superior cinematograficamente, mas é inadmissível em termos de futebol), nos resta achar a preocupação histórica com o jardim do vizinho interessantíssima. E engraçada.

E se o assunto brasileiramente paranóico é futebol a partir do Oscar dado ao cinema, no ano da copa, vale ficar assustado com pelo menos uma cena de O Segredo dos Seus Olhos (filme que eu não vi), amplamente divulgada no You Tube desde ontem à noite. Sem querer borrifar gasolina na fogueira, mas é uma cena cheia de virtuosismo que mostra total intimidade com a experiência de ir ao estádio, assunto que o cinema brasileiro é tradicionalmente perronha. A cena:



THE BREAKFAST CLUB - Os apresentadores Alec Baldwyn e Steve Martin defenderam bem as piadas roteirizadas, com destaque para uma sátira a Atividade Paranormal, mas sumiram do palco por longos períodos. Foi uma das cerimônias mais sem ritmo da memória recente, alternando entre monotonia e partes apressadas em ligeiro ‘fast forward’ para ganhar tempo.

Para concluir, a mais dolorosa contradição da noite de domingo. Uma homenagem longa e elaborada ao cineasta John Hughes, falecido precocemente ano passado. Sua obra impactou quem era jovem nos anos 80 com filmes como Curtindo a Vida Adoidado, O Clube dos Cinco e A Garota do Rosa Shocking. No palco, os atores, na época adolescentes, hoje quarentões. Vale destacar via Twitter as exclamações de uma sociedade que foi adestrada a valorizar a cosmética acima de tudo, sem lembrar que atores envelhecem e tomam rumos que podem não ter nada a ver com o cinema.

Isso, aliás, ilustra bem a trajetória de Hughes. Ele nunca foi lembrado pela Academia quando vivo. Na verdade, ele afastou-se de Hollywood depois do sucesso dos filmes Esqueceram de Mim (Home Alone), enojado com a ética dos executivos e dos estúdios, partindo para viver uma vida tranqüila com sua família até sua morte repentina. A homenagem deixou sabor agridoce de cinema através da idéia de imagens deixadas.