Thursday, September 11, 2008

Breve Crônica da Aceitação



Fernando Meirelles apresenta Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago o aceita. Há uma intimidade nessas imagens que supera o constrangimento e chegam à beleza. Lisboa, maio 2008.

Ensaio Sobre a Cegueira



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Livro dos Conselhos.

Esse pensamento introduz os escritos de José Saramago na sua obra Ensaio Sobre a Cegueira, e o mesmo pensamento não deixa de chamar a atenção voltando ao livro depois de ver a versão cinema adaptada por Fernando Meirelles. Sem necessariamente jogar juízo negativo de valor sobre o olhar de Meirelles, hábil realizador de formação moderna via TV e publicidade, a capacidade de reparar qualquer um dos quadros que ele compõe é frequentemente roubada pelo ritmo assoberbado das suas narrativas. Suspeita-se que seus filmes funcionem mais via acúmulo sensorial ditado do que pela pacata sugestão de uma imagem a ser vista, e reparada.

Com esse filme falado em inglês, numa produção internacional parcialmente rodada numa São Paulo travestida de lugar nenhum (a identidade da cidade literalmente apagada nas placas dos carros), Fernando Meirelles dá continuidade ao seu projeto de cinema que visa o planeta, não tanto o Brasil como sua base temática. A ponderação vem do lamento de ver suas habilidades voltadas para o genérico, e não tanto para a sua visão universal do país em si.

Meirelles teve a honra pesada de abrir o Festival de Cannes em maio último, onde o filme passou numa versão levemente diferente da que está sendo lançada nos cinemas. Foi tirado um off redundante na abertura, na voz de Danny Glover. Falado em inglês, filmado e interpretado por uma equipe muti-nacional, Meirelles trilha caminhos tomados por Hector Babenco, que em 1984 fez O Beijo da Mulher Aranha com levada também internacional, na mesma cidade.

Essa habilidade de fazer cinema para o mundo é restrita a poucos cineastas no Brasil, Babenco e Meirelles com certeza, Walter Salles seria o outro, seu Linha de Passe estreou semana passada com uma leitura totalmente diferente da capital paulista.

Curiosamente, ao almejar o genérico/universal, num filme que, como Babel, de Alejandro Gonzalez Iñaritu, parece um ensaio indireto sobre a globalização, tanto pelo que está na tela quanto pelo sistema de produção, Ensaio Sobre a Cegueira alinha-se a uma série de filmes recentes que mostram um mundo em colapso, como Eu Sou a Lenda, de Francis Lawrence, Fim dos Dias, de M Knight Shyamalan, ou Diário dos Mortos, de George Romero. A diferença é que ele não parece reparar que fez um filme de gênero. Revendo o filme, lembrei de O Nevoeiro, que abraça o cinema de gênero nos dando colapso humano semelhante na sua clausura.

Em Ensaio Sobre a Cegueira, o filme, temos um exemplo curioso das constantes correlações entre as duas linguagens, e como o cinema tenta transformar em imagem aquilo que foi originalmente criado via letras. Sensação semelhante pode afligir o crítico de cinema que escreve um texto a partir de uma série de imagens que fazem um filme, por sua vez tirado de um livro. Como viabilizar essa tradução?

O tom híbrido do filme parece estar em cada momento, e não apenas relacionado às letras e às imagens. A montagem e enquadramentos são cinema, mas há algo de muito teatral no confinamento desses personagens e suas linguagens corporais de desorientação. Por fim, como produto de mercado, Ensaio Sobre a Cegueira fica entre o acessível (popular) e o restrito (alternativo).

Talvez existam dois tipos primordiais de cineastas que adaptam obras literárias para o terreno das imagens narradas. O primeiro, dominado pelo respeito à obra raiz, tenta honrar as letras com o seu cinema. O segundo, crente de que os dois meios são incompatíveis (ou de que seu filme será melhor do que o livro...), partem para filmar sem mostrar constrangimentos com eventuais distanciamentos da obra original.

Meirelles mostra-se claramente adepto da primeira postura, vide suas traduções coesas para Cidade de Deus, de Paulo Lins, e O Jardineiro Fiel, de John Le Carré.

Assistindo a Ensaio Sobre a Cegueira, percebe-se a tradução literal do que é física e visualmente possível no campo do cinema, e o filme poderá virar estudo de caso. Dos segundos de abertura num semáforo ao desenvolvimento de boa parte dos incidentes que estabelecem o eixo dramático do livro de José Saramago, percebemos que a palavra de ordem é mesmo fidelidade.

Aqui, a população de uma cidade (talvez do mundo) vai ficando cega. Eles só enxergam uma tonalidade branca, "um mar de leite", e o mal súbito afeta a todos, exceto uma mulher (Julianne Moore), a esposa do médico (Mark Ruffalo). Num grupo que se forma involuntariamente, há ainda "a rapariga de óculos escuros" (Alice Braga), o "ladrão de carro" (Don McKellar, também roterista), o velho da venda preta (Danny Glover)...

Eles terminam numa espécie de campo de concentração, sob regime de quarentena, e o tom apocalíptico é confirmado numa série de conflitos internos que, curiosamente, têm algo de muito teatral na composição enclausurada, ou mesmo na percepção de que os atores estão participando de numa oficina especial de cegueira no palco.

Os primeiros 30 minutos revelam virtudes e já seus problemas. A fidelidade amorosa de Meirelles pela obra de Saramago chega a ser tocante, mas logo vemos que há algo mais do que a fidelidade de tom e de imagem que faz um filme existir. Como traduzir, por exemplo, a tensão transmitida pelo texto corrido e sem pontuação clara de diálogos e narração, sentida no livro? Seria com o ritmo inclemente da montagem na primeira metade?

Meirelles e seu fotógrafo e parceiro César Charlone administram as imagens com grande domínio, mas já algo no design deles que parece querer nos dominar constantemente. Investem num cansativo efeito cegueira, como se estivéssemos com as pupilas constantemente dilatadas. Passa a sensação de tradução ao pé da letra que termina como problema.

Nesse sentido, voltamos à idéia de olhar, ver e reparar. Ensaio Sobre a Cegueira parece estar correndo em alta velocidade com a suspeita de que precisa fazer o serviço em duas horas pontuais. Essa duração, repleta de incidentes, sugere uma obra que se beneficiaria de ainda mais tempo para existir dentro do pânico desorientado da raça humana sugerido pelo livro.

Meirelles, hábil construtor de um cinema ágil e moderno, não parece buscar no tempo um aliado para a sua narração, mas apenas um inimigo, e sua pressa (contratual? Conceitual?) é reveladora disso.

Numa imagem memorável na sua eficácia e síntese, por exemplo, ele nos mostra uma criança (cega) tropeçando numa mesa (invisível), a mesa repentinamente materializando-se num afiado flash de efeito especial. Essa cena talvez sintetize a diferença primordial entre o ler e o ver, o olhar e o reparar.

Filme revisto no Kinoplex Plaza Shopping, Recife, setembro 2008

Fernando Meirelles: Entrevista



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Ensaio Sobre a Cegueira foi publicado em 1995. Três anos mais tarde, seu autor, o português José Saramago, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. 13 anos depois, o livro vira filme após uma divulgada relutância inicial do seu autor no sentido de liberá-lo para as imagens do cinema, e a adaptação chega pelo olhar do cineasta brasileiro Fernando Meirelles.

A carreira de Meirelles no cinema, depois de anos na TV e na publicidade, vem sendo pontuada por transformações enérgicas de livros em filmes. Reprocessou a narrativa multi-facetada de Paulo Lins sobre a comunidade carioca de Cidade de Deus na descarga de adrenalina hiperativa e ultra-violenta que é a sua versão filmada (2002), já um dos filmes mais importantes da história do cinema brasileiro e o principal diplomata desse cinema no exterior, nesta década.

Sua obra seguinte, O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener, Inglaterra/EUA, 2005), fez Meirelles mergulhar no universo do thriller internacional com tintas conspiratórias, a partir do livro do britânico John Le Carré. O resultado foi um produto de mercado surpreendentemente humano sobre a espetacular divisão que existe entre o mundo rico e o mundo pobre.

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, Brasil/Canadá/Japão, 2008), o filme, estréia esse mês no país depois de abrir o Festival de Cannes, em maio, com uma recepção que dividiu a crítica internacional. Foi em Cannes que eu conversei com Meirelles, dias depois da primeira projeção do filme. Aspecto curioso desse realizador é a sua transparência na conversa com jornalistas, e nessa entrevista ele admitiu uma certa decepção com as primeiras reações ao filme. Falou também sobre adaptar o livro e sobre o papel de São Paulo nas imagens apresentadas de uma história originalmente localizada em lugar nenhum.

Kleber Mendonça Filho - Adaptar uma obra literária sobre cegueira para a mídia cinema. O que lhe levou a crer que isso daria certo?

Fernando Meirelles – Eu não achei que daria certo, é verdade. Eu li o livro há dez ou 11 anos atrás, fiquei muito impressionado e imediatamente fui atrás dos direitos para adquirí-lo através da editora de Saramago no Brasil. Saramago, no entanto, não quis vender, ele me falou que "o cinema destrói a imaginação". Eu simplesmente encerrei o caso. Seis anos depois, Niv Fichman, o produtor, comprou os direitos e, de repente, o projeto voltou para mim. De quatro mil diretores no mundo hoje, porquê eu? Entrei no projeto e voltei aos aspectos que me atraíram ao livro. A fragilidade da civilização, que finge ser sólida e sofisticada, mas que, se algo dá errado, tudo entra em colapso. Basta ler os jornais hoje em dia e vemos que estamos indo nessa direção, o alerta contra Sars, o Tsunami na Ásia, o furacão Katrina, em Nova Orleans. Ao voltar para o livro, percebi no processo de adaptação as muitas camadas da história, que eu tentei explorar no filme.

KMF – Historicamente, produções internacionais como esta mostraram que representam a morte artística de um projeto. Como foi a combinação de tantas nacionalidades (brasileiros, japoneses, canadenses, americanos, mexicanos) para chegar a um consenso?

FM – Pura sorte de ter achado uma química. Não tivemos uma briga ou nenhum problema, foi tudo tão tranqüilo. É por isso que nos créditos de abertura, colocamos "esta é uma produção bem independente". Espero adotar esse modelo para sempre, daqui para frente.

KMF – Como observador do seu trabalho, percebe-se que você tem levado sua carreira cada vez mais longe do Brasil, O Jardineiro Fiel já apontou isso, Ensaio Sobre a Cegueira confirma esse lado. Nós podemos contar com o seu talento para narrar histórias brasileiras, feitas no Brasil?

FM – Esse filme foi filmado em São Paulo, com técnicos brasileiros: o fotografo, o montador, os técnicos de som, os efeitos especiais digitais... São todos brasileiros. Na verdade, eu acho o filme muito brasileiro. A história é universal, sem uma localização exata, mas trata-se de uma história sobre a humanidade, e o Brasil faz parte dela. O filme é falado em inglês pelo fato de eu ter sido convidado para fazer um filme falado em inglês. Há também o fator orçamento, Ensaio Sobre a Cegueira não poderia ter sido feito em português. Quando você faz um filme em português, ele não pode custar mais de quatro ou cinco milhões de dólares, caso contrário ele não irá se pagar. Pela estrutura do filme, ele é um projeto caro, e isso exige o inglês. De qualquer forma, eu estou trabalhando numa mini-série para a Globo que chama-se Som e Fúria, e estarei filmando até o mês de outubro, toda filmada no Brasil. Para falar a verdade, eu acho que para trabalhar em português, a melhor coisa atualmente é fazer televisão. Tanta gente vê, e no cinema, não tanto. Ainda por cima, é tão bom poder trabalhar com U$ 20 milhões, ao invés de ter que brigar com dois ou três milhões de dólares. Filmar no Brasil significa estar trancado nas limitações, é uma questão prática.


KMF – Seu inglês é muito bom, mas você teve reservas sobre trabalhar o texto em inglês? É diferente o tom?

FM – É claro que eu prefiro o português. Eu falo inglês e conheço o significado das palavras, mas para cada palavra há um significado obscuro ali por trás que eu conheço muito bem na minha língua mãe, mas não no inglês. Se eu falo "mangueira" em português que, em inglês, traduz-se como 'mango tree', para o estrangeiro é apenas a imagem fria de um tipo específico de árvore. Para mim, lembro do meu avô, do sabor, do aroma, vai além da palavra. Quando filmo em português, troco o uso das palavras o tempo todo, enquanto no inglês, me falta a poesia da língua, algo que lamento muito não ter.

KMF – Você falou sobre o colapso da civilização. Algum conflito interno lhe levou a enxergar Ensaio Sobre a Cegueira como um projeto pessoal?

FM – (pensativo) Talvez não deveria compartilhar isso aqui, mas a verdade é que em 2005, por algum motivo inexplicável, eu me vi em depressão. Vale saber que aquele havia sido um excelente ano, minha família é sólida, saudável, sou casado há 22 anos e bem, eu estava divulgando O Jardineiro Fiel, tudo ia bem, indicações ao Oscar, etc. Mesmo assim, chegou o final do ano e me vi devastado e pensei em nunca mais fazer cinema, me vi de cara para a parede. Decidi parar durante 2006, olhar para dentro de mim mesmo e achar o problema. Não vou dizer o que achei, claro, mas voltei, fiz esse filme e percebi que ele é um pouco isso. Ensaio Sobre a Cegueira faz a indagação, "quanto teremos que sofrer para poder enxergar?". Esse processo pessoal me pareceu semelhante ao processo da zona de quarentena, porque depois dali as pessoas são capazes de reconstruir.

KMF – Essa zona de quarentena não deixa de lembrar um pouco o próprio Festival de Cannes, que lhe convidou para assumir um das posições mais radicais de auto-exposição do mundo do cinema, que é abrir o festival com um filme. Como lida com tanta exposição?

FM – A exposição, ou a quantidade de exposição faz parte do trabalho, e acho que parte desses meus problemas que relatei aqui vieram exatamente dessa questão, "a exposição", algo que, obviamente, eu não aprecio. Por outro lado, por fazer o tipo de cinema autoral que faço, faz parte acompanhar os filmes, para o bem e para o mal. Aqui em Cannes, por exemplo, eu tenho tido que lidar com as piores criticas que já tive na minha carreira. Não é uma experiência agradável, mas, mesmo assim, estou confiante de que o filme terá o seu público. Para levantar meu astral, os produtores me enviaram críticas do The Guardian, Corriere della Sera, Daily Telegraph, Los Angeles Times, um clipping de críticas positivas de jornais diários que é o que o grande público lê, diferente das publicações voltadas para a indústria, que foram negativas. Acho que esse filme precisa de um certo tempo para decantar, você assiste, talvez não gosta muito, mas depois ele volta à sua cabeça e você passa a enxergá-lo de maneira diferente. Sinto isso um pouco com os filmes de Wong Kar Wai, que inicialmente me aborrecem um pouco. Depois, eles ficam na minha cabeça e não vão embora.

KMF – Você aprendeu alguma coisa com essas criticas?

FM – Eu não as li, apenas fui informado. Ler críticas tira o meu foco. Eu já li criticas, e o que ocorre é que durante dois dias você fica respondendo, ponto por ponto, dentro da sua cabeça. É destrutivo.

KMF – Você disse certa vez que tinha medo de fazer um filme de 'zumbi', e o filme, de fato, tem uma estrutura semelhante.

FM – Eu não gosto desse gênero e meu medo vinha do fato de a primeira imagem ser a de um grupo de pessoas andando por ruas desertas. Creio que o filme não vai nessa direção.

KMF – Isso não deveria ser visto como algo negativo, há grandes 'filmes de zumbi', como os de George Romero. Há uma cena no supermercado que lembra muito Dawn of the Dead.

FM – Eu não conheço esse filme.

KMF – Qual a maior dificuldade na adaptação?

FM – Estabelecer a história. Apresentamos os personagens como no livro, a partir do momento em que eles já estão ficando cegos. Se fosse um filme hollywoodiano, tenho certeza que seriam criados mecanismos para aliviar isso, talvez dois dos personagens teria um passado, nós nos envolveríamos com eles e aí sim, eles ficariam cegos. É claro que cogitamos criar um primeiro ato só para apresentar os personagens, mas fugiríamos da história. No livro, eles não têm nomes ou passado, e isso terminou sendo uma decisão arriscada. Outro aspecto que vai contra a cartilha é não termos personagens agradáveis, os principais não despertam muita simpatia. Temos uma prostituta, um ladrão, o médico que é arrogante, a esposa boba.

KMF – Você fala da "esposa boba", mas no livro, ela não é uma "esposa boba".

FM – Talvez ela não seja, quero dizer, no livro ela é um tanto constante, creio que no filme tentamos construir um arco maior para ela no sentido do que ela era e no que ela se transformou.

KMF – Qual foi a participação de Saramago no filme?

FM – Inicialmente, achei que ele não estava muito interessado no projeto. Depois começamos a trocar inúmeros emails e senti que ele estava dentro, mostrando ter expectativas enormes em relação ao filme. Chegou até a dizer que a única peça que estava faltando numa grande exposição dedicada a Saramago em Lisboa era o filme, "com o filme, minha vida estará completa", o que, claro, me fez entrar em desespero.

KMF – Na coletiva de imprensa logo após a primeira exibição de Ensaio Sobre a Cegueira, você mencionou a existência de dois filmes, um no sentido da imagem, outro no sentido do som.

FM – Usamos artifícios para trazer a noção de cegueira para a platéia, como as imagens saturadas de branco, imagens multiplicadas para passar desorientação de espaço nos personagens. Em relação ao som, há uma construção no sentido de diálogos cobrirem imagens não relacionadas. Tenta passar a idéia de desconectar o som da imagem, reforçando a ilusão de cegueira.

KMF – Há um bom momento onde o garoto esbarra numa mesa, mas a mesa só se materializa no quadro com o esbarrão. Que tipo de pesquisa vocês fizeram no sentido de expressar em imagens a cegueira?

FM – Criamos uma oficina para atores e figurantes, composta por três sessões de quatro horas cada, todos vendados. Grupos de até 25 pessoas saíam com o responsável pela oficina, Chris de Voort, pelas ruas, treinando os sentidos, muitas vezes seguindo sons. Tínhamos jogos como, por exemplo, achar comida através do olfato, às vezes lutar pela comida como na própria obra. Eu aprendi muito com essas oficinas. Às vezes, depois de duas horas com os olhos vendados, alguns começavam a ficar tristes, deprimidos, paravam e começavam a chorar como criança. Outros ficavam agressivos. Nas cenas mais fortes, emotivas, alguns atores pediram para usar lentes de contato especiais que bloqueiam a visão, pois era demais pedir para atuar e ainda processar a atuação especial de estar, ou agir, cego.

KMF – Sua parceria com César Charlone na fotografia é duradoura, como é dirigi-lo?

FM – Não se dirige César, você compartilha com ele, ou você mesmo é dirigido. O eixo do trabalho foi desconstruir imagens, muita coisa no processo de pós-produção. Sobre a imagem do filme, eu estou muito orgulhoso do trabalho de efeitos especiais realizado na O2, no Brasil, efeitos 3D, 300 ao todo, nunca antes feitos, mas agora sabemos como fazer.

KMF – Sobre essa questão, seu filme traz para o espectador brasileiro um sentido de imagem incomum dentro de uma idéia de cinema nacional, uma vez que vemos São Paulo, cidade tão fotografada dentro do próprio Brasil, travestida com tintas de um cinema fantástico. Algo comum para os americanos, mas não para o brasileiro.

FM – É verdade.

KMF – De qualquer forma, para um livro que se passa em "qualquer lugar", São Paulo mostra-se muito claramente reconhecível como São Paulo, com imagens do Minhocão, particularmente, bem presentes.

FM – Eu tentei resistir, filmamos bem mais do que está no filme. Pensei que para os brasileiros, paulistanos particularmente, seria um clichê bem grande. Por outro lado, pensei que, por ser uma produção internacional que será vista em todo o mundo, o clichê vale para apenas 5% desse público, o brasileiro.

Perigo em Bangkok



Nicolas Cage e peruca estranha em duas cenas do filme.

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Às vezes a gente fica observando decisões feitas por alguns artistas, algumas delas de botar a mão na cabeça. Um deles é o ator Nicolas Cage, que saiu dos filmes pequenos e autorais nos anos 80 e 90 (Arizona Nunca Mais, dos Irmãos Coen, Coração Selvagem, de David Lynch) para ganhar um Oscar de ator por outro filme de pequeno porte, Despedida em Las Vegas (1996). Depois disso, virou astro em filmes caros tipo The Rock e 8mm. Recentemente, fez o Motoqueiro Fantasma e O Homem de Palha, dois filmes bem ruins, e agora aparece com um cabelo estranho em Perigo em Bangkok (Bangkok Dangerous, EUA/Tailândia, 2008), dos irmãos Pang, diretores chineses.

Esse thriller escuro não é tão ruim quanto a crítica americana nos levou a acreditar que seria (estreou lá há uma semana), embora contribua pouco para elevar a qualidade dos filmes recentes que têm como personagens principais assassinos profissionais (Hitman, O Procurado). O filme também chama a atenção por tratar-se de uma produção internacional feita na Tailândia por uma equipe tailandesa, curiosidade na mesma semana que vê o também multinacional Ensaio Sobre a Cegueira chegar às salas.

Perigo em Bangkok é uma refilmagem de um thriller de mesmo título dirigido pelos mesmos irmãos Pang em 1999, muito visto no mercado asiático. É mais um desses filmes onde o personagem principal não ri, mata laconicamente e movimenta-se na calada da noite como um ninja. E, claro, esse vistoso corte de Barbie morena assanhada, o mais estranho mini-carpete visto desde o gerente de boate de Tom Hanks em Da Vinci Code (o de Barden em No Country For Old Men não conta, pois de propósito).

Uma narração dele próprio explica seu modus operandi, composto por regras como associar-se a algum apoio local que seja descartável (pequenos criminosos, viciados em heroína), nunca deixar pistas (não parece conhecer investigação forense) e dar o fora o mais rápido possível. Cage murmura no microfone algo sobre o trabalho oferecer boa grana e levá-lo não importa aonde, o que termina soando como um depoimento sincero do próprio ator sobre suas escolhas recentes no cinema.

Esse matador chega a Bangkok para executar serviços, todos seguidos de gordos depósitos na sua conta corrente. Associa-se a um pequeno marginal chamado Kong, portador de maletas que trazem armas especiais para cada serviço e informações sobre a próxima vítima. Tudo isso você já viu antes, e todos nós entendemos que o sisudo matador irá mudar da água para o vinho, não tanto porque sentimos a mudança, mas pelo fato de filmes do tipo gostarem desse tipo de coisa.

Uma guinada interessante é um inesperado fator Luzes da Cidade, onde nosso amigo interessa-se por uma surda-muda, funcionária de uma farmácia. É ela quem irá dar um pouco de delicadeza a essa alma solitária. Uma cena curiosa onde os dois vão jantar de repente parece fazer parte de um outro filme, talvez uma comédia romântica, claramente a melhor cena do todo. O tema principal é comida picante.

No mais, é tudo muito escuro e rotineiro. A mudança de caráter é absurda, o cabelo permanece esquisito, as mortes dos vilões sem graça (vilão descartável No. 7 leva tiro e cai), mas, mesmo assim, permanece no filme a impressão de que estamos vendo um thriller estranho, com alguma personalidade, marcada por um final não muito hollywoodiano que deixa a sensação de ser um produto algo de alienígena na sua previsbilidade.

Filme visto no UCI Ribeiro Boa Viagem, Recife, Setembro 2008

O Mistério do Samba



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Lançado há duas semanas no Rio de Janeiro e em outras capitais, alguns críticos afirmaram que O Mistério do Samba seria a resposta brasileira a Buena Vista Social Club (1999), o filme do alemão Wim Wenders que explorou factual e comercialmente o tesouro musical de uma certa geração de artistas cubanos. Curioso que, de fato, há semelhanças. O documentário de Carol Jabor e Lula Buarque de Holanda também nos dá um guia na pessoa da estrela brasileira da MPB Marisa Monte, que, como o músico americano Ry Cooder no filme de Wenders, nos apresenta nomes importantes da chamada Velha Guarda da Portela. O resultado é agradável, e o som do filme excelente.

O Mistério do Samba, composto por imagens cristalinas em película e também material mais cru em vídeo e de arquivo, é claramente o fruto de anos de trabalho. A relação de Monte com o material funde-se com o seu próprio esforço de pesquisa, utilizado ao longo da sua trajetória e, em especial, no seu álbum de 1998, Tudo Azul. Ver Monte abrindo uma fita cassette cheia de papéizinhos que sugerem segredos da MPB ainda desconhecidos revela o tipo de riqueza de artistas - em grande parte, negros - que compuseram músicas que o filme celebra, e que já fazem parte da trajetória desta cantora branca, popular e brasileira.

A presença de Monte, aliás, aparenta certo desconforto inicialmente. De óculos escuros e um tanto ciente demais da presença da câmera, misto incerto de entrevistadora, apresentadora e/ou admiradora, ela ameaça transformar-se no elefante na sala de estar do filme. Essa sensação diminui frequentemente, mas pode ser exemplificada numa sequência talvez questionável rumo ao final, onde ela não apenas junta-se a toda a velha guarda, mas parece ficar com o melhor e mais potente microfone, sua voz soberana sobre a de todas as outras estrelas. Se por um lado, é selada a união do clássico com o moderno, por outro nossa guia vira rainha nu lugar já repleto de realeza.

O filme cresce quando são os personagens descobertos que ganham voz, seja falada ou, especialmente, cantada. Zeca Pagodinho e Paulinho da Viola falam, esse último responsável pelo LP de 1970 Portela Passado de Glória; mas são os compositores desconhecidos, já idosos, homens e mulheres, que viveram suas vidas como artistas iluminados na Portela, mas que na rotina diária ganharam a vida como pintores, operários da construção civil e especialistas em refrigeração.

O filme alinha-se com pelo menos três outros, todos 'samba movies' cariocas, frutos de cineastas jovens, realizados ao longo dos últimos dez anos: os curtas Nelson Sargento (1998), de Estevão Ciavatta, Coruja (2001), de Márcia Derraik e Simplício Neto, sobre os colaboradores de Bezerra da Silva, e o longa Cartola (2007), dos pernambucanos Hilton Lacerda e Lírio Ferreira. Outros dois curtas vêm à mente: Meu Cumpade Zé Ketty, de Nelson Pereira dos Santos, e Batuque da Cozinha, de Ana Azevedo.

A percepção de que boa parte desses artistas teve vida operária, distante dos royalties e do luxos das gravadoras, parece unir esses filmes, em especial os colaboradores de Bezerra da Silva que Coruja revelou com enorme carinho. Em O Mistério do Samba, um sentido bonito de passado domina o filme, pois todos lembram e lembram, aspecto de um documentário que, de certa forma, é também sobre ser velho e viver com as glórias do passado. O papel das mulheres (tias Doca, Surica e Eunice) ganha interessante observação, numa época em que elas tinham a permissão de, basicamente, cozinhar e serem musas.

Bom falar um pouco sobre som. Nessa era do 'som digital' vendido como acessório de ostentação do cinema, ouvir filmes raramente resulta em prazer, ou cafuné para a cabeça e as orelhas. Com a tecnologia e o já conhecido som de seis canais (o já famoso 5.1), os filmes muitas vezes soam como demonstrações de resistência para tímpanos e alto falantes. No entanto, é bom poder ouvir um filme brasileiro pequeno como esse onde a incrível qualidade de gravação e mixagem sonora não está a serviço de explosões, mas de uma música que faz a sala vibrar com a força concreta do surdo, e que vozes, cuícas e cavaquinhos lhe cercam de todos os lados numa sinfonia brasileira. E, como o filme em si, tudo flui de maneira tranquila, prosaica.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Setembro 2008

Wednesday, September 10, 2008

11/9



The Revolution Will Not Be Televised.



Física, deslocamento e evaporação. Infelizmente, sem legendas em português.


9/11 Conspiracy Theories 'Ridiculous,' Al Qaeda Says

O humor do 11/9 é assunto delicado nos EUA, mas esse é um dos exemplos de humor auto-reflexivo (por americanos) mais inteligentes que eu já vi, ataca diretamente os que acreditam que tudo não passou de uma conspiração do próprio governo Bush. Infelizmente, sem legendas em português.

Monday, September 8, 2008

Vinheta #3 Janela Internacional de Cinema / Fim das Inscrições



E a deadline para as inscrições vai até sexta-feira, 12 de Setembro.