Saturday, February 13, 2010

Exit Through the Gift Shop (Trailer)



Muito bom esse filme. De Banksy.

Shutter Island


Widescreen Traumas

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Toda vez que Martin Scorsese abre a boca, o assunto é o cinema e a ânsia que ele tem pelos filmes. Em coletivas de imprensa de festivais grandes como Berlim, cineastas geralmente negam referencias óbvias, projetam originalidade e um desligamento calculado do cinema no passado. Hoje em Berlim, para apresentar Shutter Island (fora de competição), Scorsese, mais uma vez, soava como um professor sem academicismos, falando sobre uma obra que tem na loucura suas cores principais.

Shutter Island (que estréia no Brasil 5 de março com o título A Ilha do Medo) é a história de um agente do FBI (Leonardo Di Caprio, na sua quarta colaboração com Scorsese) que investiga o desaparecimento de uma paciente num manicômio isolado numa ilha, na Baía de Boston, nos anos 50.

Esse personagem agressivo vai se perdendo cada vez mais dentro da ilha, e é acompanhado por um colega do FBI (Mark Ruffalo) e pela fotografia ostensiva do colaborador de longas datas de Scorsese (e recentemente Quentin Tarantino), Robert Richardson. Vale registrar que Richardson parece sempre tentar seqüestrar os filmes que ilumina com seus focos de luz branca e dura, o que está me causando um cansaço.

Mais do que uma marca, passa quase como uma mania não muito positiva, e isso tem marcado os filmes de Scorsese de uma forma que talvez não seja boa. É tão lugar comum quanto o uso de tracks dos Rolling Stones nas suas mixagens, ausentes aqui, imagino que por questões de anacronismo.

De qualquer forma, aos poucos, A Ilha do Medo leva o espectador a entrar num redemoinho de mistério onde passado e presente, sob clima ostensivo de um cinema clássico de gênero, são embaralhados. É nesse clima chuvoso, sob música do cinema noir de mistério, que Martin Scorsese nos dá uma jornada delirante pela psicologia dos traumas humanos.

Nem sempre o filme parece segurar a sua própria onda, uma vez que cenas inteiras arrastam-se imersas na insanidade da trama. No entanto, A Ilha do Medo termina juntando um esforço marcante de estilo por parte de Scorsese, um filme de gênero de um autor apaixonado pelos gêneros. Referencia mais óbvia aqui é Shock Corridor, de Fuller, mas lembranças de À Beira da Loucura (In The Mouth of Madness), de Carpenter, Bug, de Friedkin, ou mesmo Jacob’s Ladder*, de Adrian Lyne, são possíveis.

Como já andei escrevendo recentemente, A Ilha do Medo, assim como no The Ghost Writer de Polanski, ou Invictus de Eastwood (acrescente aí A Troca, Gran Torino, etc), ou As Ervas Daninhas, de Resnais, ou ainda no cinema dos últimos anos de Rohmer, há uma sensação refrescante de anacronismo, como se esses autores maduros estivessem criando bolhas especiais para que seus filmes existam de maneira sempre muito empolgante, e elegante.

Voltando. Uma conexão alemã do personagem de Di Caprio na trama parece ter feito um bom contato com a platéia de Berlim, embora qualquer tentativa de detalhar a história desse investigador nessa ilha possa estragar as descobertas do espectador que ainda verá o filme. À certa altura, vale dizer, é apresentada a informação de que “sonho” em alemão é “traum”, cuja origem é a palavra “trauma”.

“Creio que esse filme traz muito do que eu vivi como criança, crescendo nos EUA da Guerra Fria, nos anos 50, época onde o medo fazia parte de tudo. A aniquilação total podia acontecer a qualquer hora via guerra nuclear. Filmes como Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers), de Don Siegel, refletiam esse estado de coisas”.

Na coletiva de imprensa lotada (sobrei, vi no frio, no telão), estavam Di Caprio, que parece ter se tornado o ator pessoal de Scorsese na sua fase mais recente. Trabalhou em Gangues de Nova York, O Aviador e Os Infiltrados. “Me sinto feliz de poder trabalhar com alguém que me fez crescer através de seus filmes, começando por Táxi Driver”. O ator revelou que seu pai tem a mesma idade de Scorsese, nasceu no mesmo bairro de Nova York e foram à mesma escola. Confirma clima paternal entre ambos.

Estavam também presentes Ruffalo, Ben Kingsley e Michelle Williams. O elenco lembrou que Scorsese projetou filmes como Laura, de Otto Preminger, durante o processo de preparação. Di Caprio também revelou a importância de observar o trabalho de James Stewart em Vertigo – Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock, outra referencia clara.

Cobrado por um jornalista se ainda faria filmes de gangster, o maestro do cinema americano disse que “filmes como Os Bons Companheiros e Cassino foram experiências pessoais de narrativa, onde queria trabalhar com narrações em off. Tiveram seu tempo e seu espaço. De qualquer forma, há um projeto que estou discutindo com Robert de Niro, que seria sobre homens já velhos, relembrando o passado no crime”.

*Não é spoiler. A trama desse filme nada tem a ver com um personagem que descobre-se morto.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fev 2010

'Gainsbourg: Vie Heroique'


Bardot/Casta e Gainsbourg/Elmosnino, compondo.


Da BD de Sfar, Gainsbourg e seu Doppelgänger, 'La Guele'.


Serge Gainsbourg - Bonnie and Clyde
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Bardot e Gainsbourg em 'Bonnie & Clyde'.


France Gall cantando Gainsbourg.


Whitney Houston et Gainsbourg chez Drucker
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Para quem não conhece, grande momento de Gainsbourg incorporando seu alter ego, 'Gansbarre'. Ao vivo, para toda a França, Gansbarre fala para Whitney Houston, "I want to fuck her"

Esse texto foi escrito antes da cobertura de Berlim.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Já passa da marca de um milhão de espectadores nos cinemas franceses a biografia filmada Serge Gainsbourg – Vie Héroïque, sobre um dos maiores nomes da música na Europa. O compositor de Je t'aime... moi non plus e dezenas de partituras memoráveis, ex-amante de Brigitte Bardot, ex-marido de Jane Birkin e pai da atriz Charlotte Gainsbourg, morreu em 1991, aos 62 anos. Inseparável de cigarros Gitanes, Gainsbourg chegou ao final com o pé no acelerador, rebatizando-se cinicamente de ‘Gansbarre’, sua versão mais radical do artista bebum provocador. Sua origem judaica é um aspecto forte do filme.

O diretor de Gainsbourg – Vie Héroïque é um estreante, Joann Sfar, artista gráfico que lançou, junto com o filme, uma interessante ‘graphic novel’ para Gainsbourg, que trata como um personagem fantástico. No livro (capa dura, 431 páginas, Editora Dargaud), Sfar oferece desenhos de produção e expande idéias sugeridas no filme, que mistura aspectos convencionais de um biofilme do tipo, com toques de grande imaginação.

O filme junta-se a relatos de vida que o cinema francês tem filmado recentemente, como os filmes sobre Edith Piaf (La Môme) ou os dois sobre Coco Chanel (Coco Antes de Chanel, Coco & Stravinsky), com peculiar tratamento se compararmos com o clássico biofilme americano (sempre concluídos com um triunfo absoluto).

Gainsbourg, interpretado com incrível fidelidade física e de espírito pelo ator pouco conhecido Eric Elmosnino, foi o filho de imigrantes judeus russo. É não apenas assombrado pela perseguição aos judeus na Paris da 2a. Guerra, mas passa a assumir o design nazista de difamação. O judeu é representado num cartaz de rua como um monstro gordo e narigudo com múltiplas patas que tomam a França com olhos gananciosos. A criança Lucien (o nome original de Gainsbourg) desenvolve um “outro”, que o acompanha como um amigo imaginário.

Sfar escreve no seu livro que “não quis fazer um filme sobre a carreira de um cantor; mas sobre um poeta que decidiu conquistar a França ao apropriar-se da língua francesa. Não trata-se de uma biografia, mas de um relato épico.”

Gainsbourg, que pareceu inverter tudo o que seria diferente ao longo da sua vida, era reconhecidamente um homem feio. Seu talento e visão poética de mundo, no entanto, o levaram a conquistar uma série de mulheres não só belas, mas fortes, que o filme apresenta como num desfile, factualmente ligando cada mulher a uma fase específica de inspiração artística. E ainda ficaram de fora Françoise Hardy, Anna Karina e Catherine Deneuve.

Está tudo lá, de forma um tanto burocrática, alguns dos grandes sucessos de Gainsbourg não apenas musicalmente, mas também emocional e sexualmente, ainda que essa sensação de narrativa previsível seja quebrada pela atualização do duplo na idade adulta de Serge.

Essa criatura (“la gueule” em francês, termo provavelmente intraduzível, “fuça” talvez chegue perto) uma caricatura dele mesmo, sempre preparada para inspirá-lo em direção à boêmia e à safadeza. É seu anjo da guarda apaixonado e ciumento, num trabalho de expressão corporal curioso do ator Doug Jones, também visto sob pesada maquiagem em O Labirinto do Fauno.

Depois de fornecer dois enormes sucessos para a estrela adolescente francesa France Gall -Poupée de Cire, Poupée de Son e Laisse Tomber les Filles, usada por Quentin Tarantino em Death Proof -, Gainsbourg manipulou matreiramente a cantora com uma nova música, Les Sucettes (ver cinismo maravilha aqui, http://www.youtube.com/watch?v=7Nr0dUcrAU0). Gall não percebeu que, por trás da letra inocente sobre uma garotinha chupando bombom, existia, na verdade, interpretação sexual clara para todos. Foi um escândalo.

Brigitte Bardot, numa entrada em cena memorável (interpretada pela modelo Laetitia Casta, ótima), tem affair com Gainsbourg, com quem grava Bonnie & Clyde e Comic Strip, para citar duas clássicas. Foi musa inspiradora de Je T'aime... Moi non Plus, com quem gravou a primeira versão. O compacto não foi lançado, pois o marido dela na época não gostou nada nada.

Je T'aime... Moi non Plus foi efetivamente regravada pela próxima companheira de Gainsbourg, a modelo inglesa Jane Birkin (interpretada pela inglesa Lucy Gordon, que suicidou-se apos as filmagens).

Foi a relação mais duradoura de Gainsbourg, emocional e artisticamente, e que ganha no filme tratamento à altura. Sabe-se que Sfar e equipe tiveram total apoio de Birkin e da filha, Charlotte (vista há pouco em Anticristo). De alguma forma, Gainsbourg Vie Héroïque não transmite nunca a sensação de ser chapa branca. Talvez seja pelo fato de tanto a vida, como a arte de Gainsbourg, não ter nada, nunca, de chapa branca.

Filme visto no Jean Eustache, Bordeaux, Feb 2010

Friday, February 12, 2010

Palast


Colegas brasileiros saindo do Berlinale Palast, sob neve. Elaine Guerrini (Valor), Luiz Carlos Merten (Estadão) e Alessandro Giannini (UOL).

Submarino (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Fui ver agora à noite o Submarino, do Thomas Vinterberg. Ele parece estar trabalhando duro para manter a sua aura de 'one hit wonder' a partir do primeiro filme, Festa de Família (1998), o filme dogma junto com Os Idiotas (1998) do Lars Von Trier (um filme ainda melhor). Submarino passa em competição e eu não gostei nada.

É um desses filmes miseráveis onde as pessoas são miseráveis porque o filme assim quer, porque a fotografia é verde ou cinzenta e não tanto por desdobramentos da vida, mas do roteiro. Lembro que ano passado tinha dado uma gargalhada só de ler a sinopse do projeto, numa divulgação em Cannes do orgão dinamarquês de cinema. É lamentável que o filme pronto seja tão ruim quanto a promessa.

Vinterberg me parece um analfabeto, e não há nada daquela sensação bem conduzida que marcou o 'Festen'. Ficamos a mercê de uma série de desdobramentos de astral meramente baixo nas vidas super-mega-infelizes de dois irmãos. Os rumos são totalmente previsíveis não tanto pelas surpresas naturais, mas pelos clichês do todo que chegam apitando.

Temos morte de criança, amputação, injeção de heroína, abandono, tráfico de droga, estrangulamento e coisas que dão errado, sempre. Sinto pelo Vinterberg, mas ele claramente não tem a menor idéia do que está fazendo nesse aqui.

Filme visto no Cinemaxx 9, Berlim, 12 Fev 2010

Potzdamer Platz, Berlim



Alguém lembra do personagem do velho em "Asas do Desejo", andando num descampado à procura da Potzdamer Platz do seu passado? Pois, a nova, reconstruída é essa aqui. Durante a guerra fria, era a terra de ninguém entre o leste e o oeste.

The Ghost Writer


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A grande ausência em Berlim esse ano é a de Roman Polanski, 76 anos. Ele perdeu a estréia mundial do seu novo filme, o ótimo Ghost Writer, exibido hoje em competição, com Ewan McGregor e Pierce Brosnan. Polanski está em prisão domiciliar no seu chalé, na Suíça, por questões judiciais pendentes desde 1978, nos EUA, quando foi acusado formalmente de manter relações sexuais com garota de 13 anos de idade. Aguarda decisão da justiça sobre uma possível extradição, numa batalha legal que ainda deverá render muito.

Os problemas de Polanski foram esmiuçados no documentário inédito no Brasil Roman Polanski: Wanted and Desired (Procurado e Desejado), da realizadora Marina Zenovich, olhar informativo (e generoso) para com o realizador de Repulsa ao Sexo (exibido aqui na retrospectiva especial dos 60 anos da Berlinale, esta semana), O Bebê de Rosemary e O Pianista. Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams e equipe falaram o óbvio sobre a ausência de Polanski, enfim, de que é lamentável.

Não é difícil enxergar paralelos entre Polanski e as tensões de um personagem chave de Ghost Writer, um ex-primeiro ministro britânico (Brosnan) exilado numa belíssima casa de praia nos EUA. Enfrenta acusações sobre manobras ilegais que levaram a Inglaterra à guerra no oriente médio.

Há aí um segundo e espetacular paralelo real, com o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair. Ele enfrenta atualmente o mesmo tipo de acusação em relação à participação da Inglaterra na Guerra do Iraque, em alianças escusas com os EUA de George W. Bush.

Na coletiva de imprensa, o escritor e roteirista Robert Harris explicou que o texto foi escrito em 2007, mas que, ao longo dos últimos três anos, viu os fatos transformarem seu livro (e, agora, o filme) “num quase documentário”. Há pressão cada vez mais forte para que Blair seja levado ao tribunal de Haia, em especial por ter mentido, ao lado de Bush, sobre as armas de destruição em massa inexistentes de Sadam Hussein.

No filme, um “escritor fantasma” (McGregor) é contratado para escrever a autobiografia desse ex-primeiro ministro, substituindo um outro escritor que morreu misteriosamente, fato estabelecido numa cena de abertura muito eficaz, a bordo de um ferry.

Com estilo clássico cristalino, Polanski faz o espectador assumir o ponto de vista desse jovem escritor, entrando num mundo que ele não conhece. A sua viagem entre Londres e Martha’s Vineyeard (litoral nordeste dos EUA, mas filmado no norte da Alemanha e em estúdio, em Berlim) é detalhada realisticamente, com trocas de avião, carro e ferry boat. É tudo ágil e sempre instigante como entretenimento, facilmente associável ao cinema de Alfred Hitchcock, algo que um outro filme de Polanski, Busca Fernética (1988), já lembrava. Também não é difícil imaginar Cary Grant no papel de McGregor.

Ghost Writer é mais um exemplar de um cinema moderno feito por realizador maduro, dotado do tipo de qualidade que não associamos às narrativas da pressa nos filmes de mercado. Tem um outro timbre. Não é difícil lembrar de Clint Eastwood ou Alain Resnais durante esse novo Polanski, autores maduros que, às suas maneiras pessoais, nos dão filmes, e jeitos de filmar, que terminam fazendo a diferença. Talvez isso venha de parecerem ligeiramente deslocados no quadro geral do cinema.

Observamos com interesse que em Ghost Writer, lançado em 2010, a peça principal que move a trama (o ‘McGuffin’ hitchcockiano) não é uma imagem, um disco digital ou um arquivo de computador, mas a palavra escrita na forma de um livro. De fato, são palavras impressas em papel que encerram o filme, a palavra como imagem assinatura.

Howl


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Curiosamente, a palavra escrita é, de certa forma, a estrela de um outro filme exibido hoje em competição, Howl, produção americana de Rob Epstein e Jeffrey Friedman. Eles fizeram The Celluloid Closet, sobre a imagem do homossexualismo no cinema. Howl abriu o Festival de Sundance, há algumas semanas.

Totalmente apaixonado pelo poeta da geração Beat Alen Ginsberg, Howl ilustra a vida de Grinsberg e sua obra máxima, publicado como Howl and Other Poems, a partir de um processo na justiça de 1957. Tentaram banir o poema tendo como base a interpretação de que seria indecente e, mais estranho ainda, "de que não seria literatura".

Documentaristas, Epstein e Friedman adentram a ficção incertos. Usam o ator James Franco (Homem Aranha, Milk) como Grinsberg nas dramatizações, uma vez que imagens de Ginsberg são raras. Tomaram também a decisão questionável de tentar ilustrar Howl, um fluxo de consciência expressivo, lido em voz alta por Franco num longo sarau, com imagens de uma animação não muito inspirada, com jeito de sobras da revista Heavy Metal.

Ironicamente, no tribunal, o promotor público (David Strathairn) pede que um especialista em literatura explique o significado de algumas passagens, para o qual o especialista responde: “não é possível transformar poesia em prosa. É por isso que chama-se poesia”. A afirmação parece entrar em choque com o próprio filme.

No geral, Howl tem o aspecto e o tom dessa praga que convencionou-se a associar com tudo que vem de Sundance dentro de uma idéia de cinema americano independente. Liberalzinho, bem intencionado, mas, finalmente, não muito bom.

Veselchaki


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Fomos dar uma olhada em Veselchaki, de Felix Mikhailov, o filme de abertura da paralela Panorama, provavelmente a mostra mais gay de todos os grandes festivais de cinema do mundo. O que impressiona na Panorama é que, oficialmente, não é uma mostra gay, mas os gostos do curador Wieland Speck são amplamente conhecidos. O que seria de Berlim se Speck gostasse de futebol, ou de tratores? A Panorama esse ano ainda anuncia o multi-filme Fucking Different São Paulo, sobre pansexualidade em Sampa. Veremos.

Veselchaki foi apresentado por Speck como “uma espécie de versão russa de Priscilla – a Rainha dos Deserto”. Para além da curiosidade de ver um travesti fazendo Carmen Miranda e Tico-Tico no Fubá em russo, teme-se que o valor do filme seja muito mais regional do que cinematográfico.

Esse filme de gueto é afirmativo e poderá ser um marco na sociedade pós-soviética, onde, sabe-se, o homossexualismo ainda é tratado com um estranhamento espetacular. No mais, são os dramas de um pequeno grupo de amigos, tentando proteger-se atrás de plumas, paetês e Gloria Gaynor (toca I Will Survive) de um mundo frio e hostil.

My Name is Khan


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Outro destaque curioso apareceu na competição, a produção indiana My Name is Khan, de Karan Johar. Pode ser rudemente descrito como um Rain Man indiano, filmado nos EUA, com a sensibilidade e a alegria sem cintos de segurança do cinema que entendemos como sendo “bollywood”. Ou seja, é tudo cinco ou seis notas acima da realidade, da câmera excitada à música ansiosa.

Shah Rukh Khan, espécie de Tom Cruise da Índia, grande astro, interpreta um homem muçulmano portador de um tipo de autismo – síndrome de Asperger – e é preso nos EUA por “ter comportamento suspeito”. Isso vem, claro, da paranóia pós-11 de setembro.

Ele apaixona-se por indiana de outra etnia (Kajol Devgan, linda), cabeleireira em São Francisco da Califórnia. O filme vai lhe conquistando ao mesmo tempo em que o espectador ocidental precisa fazer seus ajustes. Tudo passa como uma enlouquecida novela, tecnicamente impecável, e de mensagem política muito capaz de agradar o júri de Werner Herzog. Aliás, o filme não está em competição...

ALEMANHA

A Agencia Alemã de Cinema divulgou ontem que o cinema está em alta na Alemanha, com alta de 13.1% na venda de ingressos. 146.3 milhões de alemães foram às salas do país em 2009, entusiasmo que percebemos nas filas gigantescas da Berlinale que enchem as maiores salas de multiplex que eu já vi. Os números do ano passado geraram 976 milhões de euros. O cinema alemão teve ocupação de 27.4% no mercado, numero excelente frente ao poderio hollywoodiano. Para se ter uma idéia, segundo dados do www.filmeb.com.br, o Brasil vendeu, ano passado, 112 milhões de ingressos, com bilheteria de R$ 970 milhões. O cinema brasileiro teve fatia de 14.2% no mercado.

Filmar em Quê, Para Ser Visto Como?



fotos KMF

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Fiquei com vontade de escrever algo sobre esses novos sistemas de ‘ver’ cinema no dia em que Gabriel Mascaro me falou, em Roterdã, um mantra que tenho ouvido com freqüência: “Os grandes momentos de cinefilia da minha vida aconteceram na frente da tela de um computador”. Ironicamente, foi nesse dia que o novo longa metragem dele, Av. Brasília Formosa, passou numa tela Imax, projetado em alta definição.

Parece existir hoje divisão clara de cinefilias, uma seria a antiga (vou chamar de ‘clássica’, tipo a minha...), a outra que eu gosto de chamar com misto de carinho e algum desprezo de a nova, a dos “digital kids”.

Eles não têm intimidade com a sala de cinema como templo primeiro e espaço sagrado para ver um filme, parecem tratar sessões de cinema como narrativas não lineares passíveis de interrupção e acreditam que o arquivo ali reprocessado resulta em essencialmente o mesmo filme da tela de cinema, mesmo sem a coletividade do espaço, o autoritarismo da tela grande subjugando o espectador, a ida, por si só, ao cinema.

Não é difícil enxergar a beleza das possibilidades abertas para quem ama cinema e mora longe de centros exibidores de filmes. Poder baixar tudo e se incluir no cinema, passando por cima das falhas e omissões de mercado. É liberador.

Estava ouvindo um podcast da BBC vindo para Berlim sobre o conservadorismo de circuitos exibidores na Grã-Bretanha, e parecia que estavam falando do Grupo Severiano Ribeiro no Recife. Soube que, em Belfast, Irlanda do Norte, a dieta é 90% multiplex, panorama árido.

No entanto, a indústria parece ter um primeiro sinal de resultados positivos de reação contra, inicialmente, a idéia de pirataria, e indiretamente de defender uma hierarquia estabelecida pelo cinema (ver filme na sala, em primeiro lugar, acima de qualquer coisa). Esse sucesso de Avatar, de James Cameron, existe em vários níveis, e esse é um deles.

Não deixa de ser uma reedição do que ocorreu nos anos 50, com a chegada do Cinerama, CinemaScope ou Todd-Ao 70mm. A diferença é que, não há mais apenas a TV como inimiga, mas um mundo onde as imagens em movimento estão por toda parte (incluindo a TV), e tudo isso é capaz de reproduzir, em diversos tamanhos, o cinema.

(o site da Apple já anuncia o iPad com still de Star Trek – rodado em Panavision – na tela quadrada do novo ‘device’).

No caso de Avatar, o filme foi corretamente vendido como algo a ser ‘vivido’ (‘experienced’) em 3D, não apenas uma sugestão estética mas também uma questão técnica e comercial. Nesse sentido, Avatar e o seu impacto sugerem uma anulação momentânea de um modelo atual de usufruto do filme não importa em que meio, mídia, formato ou aparelho. Suepeito que DVDs de carrocinha de Avatar, ou screeners do filme, não sejam tão apetitosos, de repente.

No Recife, que está atualmente equipado com apenas uma sala 3D, eu entendi o tamanho do fenômeno quando Avatar continuava lotando a única sala diariamente enquanto a versão 2D saía de cartaz algumas semanas antes. O público continuava fazendo fila para beber água na única torneira de imagens 3D da região. Não só isso, mas, ao que parece, espectadores que haviam visto o filme em 2D voltaram para ver em 3D.

O caso de Avatar é realmente curioso, superando todos os outros avanços marketados pela indústria ao longo dos últimos 40 anos. Eu não lembro de ter visto mobilizações populares em torno do som Dolby, DTS, Dolby Digital, projeção digital pura e simples. A moda de um filme só (Terremoto) Sensurround, nos anos 70, talvez? Mas foi uma moda rápida, ‘a flash in the pan’, como o próprio 3D nos anos 50 (ver texto ligeiro sobre Dial ‘M’ For Murder, do Hitchcock, abaixo).

Talvez seja o grau de intimidade que o mundo desenvolveu nos últimos anos em torno da tecnologia, ou da palavra “digital” que faz do 3D algo que finalmente pegou, em 2009/2010. Estima-se que os diferentes formatos 3D tenham representado 70% da bilheteria do filme de Cameron nos EUA. Quatro milhões de espectadores viram o filme em Imax.

Avatar gerou ainda castas diferentes de apresentação técnica da experiência de ver o filme em si. Em 2D, é a projeção 35mm CinemaScope, elo de ligação entre a tecnologia convencional e a nova tecnologia. Em 3D, o filme passa em Real D, Dolby Digital 3D e Imax 3D, não apenas em CinemaScope 2.35, mas também no formato que James Cameron prefere para seu filme em 3D, 1.78 (com mais teto e chão no todo, o aspecto de uma TV LCD ou plasma).

Em 1953, a Fox, mesmo estúdio por trás de Avatar, revelou O Manto Sagrado (The Robe), primeiro lançamento em CinemaScope 2.55, mas lançado em 1.37 (o formato padrão do cinema até então) nas salas que ainda não haviam feito a conversão. No Brasil, são freqüentes as arengas com a Rain e a maneira como alguns filmes originalmente scope em 35mm passam em versões readaptadas para 1.78, processo que, ao contrario do que muitos acreditam, não é feito pela Rain, em São Paulo, mas pelos próprios realizadores (vide o caso de Deserto Feliz, de Paulo Caldas).

E como adaptar novas tecnologias de um Avatar (e de um Alice, de Tim Burton, ou Fúria de Titãs...) para os que aprenderam seu vocabulário fílmico na frente de uma tela de computador? Talvez seja uma transição curiosa e dolorida, uma vez que poderá levar cinco ou dez anos para que a tecnologia administre transcrições/cópias não apenas da obra em si, mas da sua técnica, permitindo que o filme seja visto como deve ser visto.

De qualquer forma, como é que o filme “deve ser visto?” Isso existe ainda?

Desde que cheguei em Berlim que esse assunto está em toda parte, às vezes mostrando a natureza autofágica da própria indústria. Algumas das coisas que tenho ouvido e lido:

Exibidores da Inglaterra estão querendo boicotar Alice, de Burton, pois a Disney acaba de diminuir o que já era curto: o tempo que separa a vida de um filme no cinema e seu lançamento em DVD/Blu-Ray. De 17 semanas, agora cairia para 12 semanas. Reflete a natureza predatória da própria indústria, indo contra a idéia acima defendida de “a sala de cinema como espaço primeiro”. Ao diminuir o tempo, diminui-se a exclusividade.

Herzog, na coletiva de imprensa, falou candidamente sobre como seu Bad Leiutenant iria direto para DVD, caso não tivesse tido reações positivas da crítica. Quando vi o filme no Recife, adorei não apenas o filme, mas a reação do público.

Num outro podcast recente, do site da American Cinematographer, o diretor de fotografia Rodney Taylor fala com enorme orgulho de como filmou uma produção independente pequena chamada That Evening Sun com equipamento anamórfico Panavision 35mm. O entrevistador questiona se vale a pena o esforço, já que boa parte dos que virão o filme ao longo do tempo não o verá projetado em película 35mm, CinemaScope. Taylor, talvez romanticamente, responde que “vale”.

O que me leva ao meu primeiro longa, O Som ao Redor, que devo filmar esse ano. A grande questão é, filmar em quê, para ser isto como?

A Capa da 'Cahiers' Esse Mês



Tá boa para mandar emoldurar. K.M.F

Thursday, February 11, 2010

Filme de Abertura (Together Apart)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Na Berlim gélida desses dias (quatro negativos diurante o dia, mais neve), o filme de abertura hoje foi uma produção chinesa correta chamada Tuan Yuan (Juntos à Parte), do diretor Wang Quan’an, ganhador do Urso de Ouro 2007 em Berlim por O Casamento de Tuya, só exibido no Brasil em festivais. Fala sobre um casal que, depois de 50 anos separados, voltam a estar juntos, a família da mulher, e especialmente seu marido, tentando entender que ela talvez precise retomar a antiga relação depois de décadas num casamento sem paixão.

A história da China e seu conflito histórico com Taiwan é a base, uma vez que milhares de famílias foram separadas no final dos anos 40. Quan’an toca nos temas recorrentes do cinema moderno chinês, o crescimento físico do pais, visível nas construções constantes, na destruição da arquitetura (e de um estilo de vida) do passado. De alguma forma, mostra que o mundo novo tem suas próprias formas de continuar separando as pessoas, já que a nova geração continua lidando com os mesmos temas.

Numa cena, o casal que se reúne visita um antigo quarto, num velho hotel, que significa muito para ambos, e o filme sugere uma continuação imaginária de Amor à Flor da Pele (In The Mood For Love, 2000), de Wong Kar Wai. Mas é como se o encanto do filmar tivesse indo embora, e restasse apenas um cinema sem brilho, mas bem construído, mesmo assim.

Escolha discreta para abrir os 60 anos de um festival com a importância de Berlim, mas, de qualquer forma, um filme delicadamente caloroso para receber o público em dias tão frios.

Filme visto no Cinemaxx 7, Berlim, Fev 2010

Berlim Branca



-3 o dia inteiro, com neve. Feliz carnaval.

Herzog Presidente do Júri


foto KMF

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


“O que nos leva a achar um filme bom é sempre um enigma. A verdade que vem brilhando lá do fundo talvez seja um caminho”, refletiu um dos grandes realizadores do cinema contemporâneo, o alemão Werner Herzog, presidente do júri da 60a edição do Festival Internacional de Berlim, aberto hoje. Seu último filme, Vicio Frenético, ainda está nas salas de cinema do mundo. Herzog lembrou da sua primeira vez em Berlim com um filme – Lebenszeichen (1968), que levou o Urso de Prata.

Herzog apareceu na manhã de hoje acompanhado dos demais colegas do júri – as atrizes Renee Zellwegger, Yu Nan, Cornelia Froboess,a cineasta Francesca Comencini, o produtor José Maria Morales e o escritor Nuruddin Farah) e participou de coletiva de imprensa.

“Para mim, é ainda mais especial estar aqui, pois naquela época, a minha geração achava o festival muito fechado, chegamos a alugar uma sala para promover essa abertura. E hoje, vejo que Berlim é exatamente o que queríamos, um festival aberto, para todos”, disse Herzog.

Questionados sobre novos caminhos para evitar que o mercado de cinema exista apenas para produtos de grande porte, achatando filmes importantes de tamanho menor, Herzog falou com sua franqueza peculiar sobre seu próprio Vicio Frenético:

“Às vezes, os produtores ganham dinheiro antes mesmo de começar a filmar, portanto eles decidem enterrar um filme. Vicio Frenético ia direto para o mercado de DVD, só não foi porque as reações da crítica foram excelentes, e o filme teve uma oportunidade nas salas. Filmes não entram em combustão espontânea, eles ficam com a gente. Inicialmente, ninguém queria ver Aguirre – a Cólera dos Deuses, mas ele foi descoberto em Paris, onde ficou em cartaz por mais de dois anos”.

Herzog falou da sua “rogue film school”, projeto provocador de escola de cinema que tem angariado seguidores no mundo do cinema. “Não é uma escola de cinema, mas um circo, um jeito de fazer guerrilha, uma maneira diferente de viver. Ela já aconteceu em Los Angeles, mas pode acontecer num subúrbio de Berlim, não importa. O que importa é o incrível interesse que temos percebido de muita gente talentosa ue quer fazer cinema. Há uma avalanche de talento por aí a fora”.

Essas coletivas são geralmente burocráticas, mas não há como não sair do recinto com a sensação de que o cinema em Berlim estará em boas mãos.

Viajei a Berlim com o apoio importante do Centro Cultural Brasil-Alemanha.

Wednesday, February 10, 2010

1a. Foto em Berlim



60a Berlinale começa hoje.

Herzog


“O storyboard é o último instrumento do covarde.
Ele não se dá o direito de ter imaginação no set”


Werner Herzog, em podcast maravilha da American Cinematographer, download do http://www.theasc.com/magazine_dynamic/podcasts.php.

Ouvir Herzog falar daquele jeito típico dele, frases como “in ze fiLLLm you have some coMMpletele demenTeD iguanas...” é qualquer coisa de bom. K.M.F