Thursday, September 3, 2009

Up



Tem esse texto de Cannes, aqui o link: http://cinemascopiocannes.blogspot.com/2009/05/up_13.html. O filme estréia hoje e é bem bom.

Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, filme de Marcelo Gomes e Karim Ainouz, tem sua estréia mundial hoje, no Festival Internacional de Cinema de Veneza, na Itália. O longa metragem de 78 minutos, um filme de amor, foi selecionado para a mostra paralela Orizzonti. Há três semanas, o produtor pernambucano João Jr, da Rec Produtores, mostrou o filme no Recife, em sessão fechada.

O filme de Gomes e Ainouz foi realizado ao longo dos últimos 10 anos e era conhecido como Carranca de Acrílico Azul Piscina. Passou anos como 'obra em construção'. Composto por impressões captadas em formatos diferentes de imagem, desde 1999, Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo (uma frase de pára-choque de caminhão) termina apresentando uma revisão interessantíssima do elemento 'sertão'.

Se o Cinema Brasileiro tem uma queda pelo sertão como paisagem aberta e dura, palanque estético para discursos políticos sobre pobreza e desigualdade, Gomes e Ainouz parecem abandonar isso e usar as vistas abertas dessa geografia como terreno intimista e pessoal. Tanto Cinema Aspirinas e Urubus como O Céu de Suely (de Ainouz) já apontavam para isso, e esse novo trabalho em co-autoria sacramenta desenvolve ainda mais o conceito.

A caminho de Veneza, nesses últimos dias, os cineastas responderam por email algumas questões iniciais sobre um filme que terá sua première brasileira em algumas semanas, no Festival do Rio, com lançamento nas salas previsto para janeiro.

"Mais do que Sertão, palavra que designa um locus físico e imaginário, uma construção tão densa de significados, preferimos pensar na palavra deserta. E o filme, em última instância, é a história de uma travessia por um lugar isolado, silencioso, rarefeito, mas talvez um lugar que já foi assim, e que hoje é bem mais cheio de ruídos", escreveram os dois diretores, que assinaram juntos as respostas.

Eles fizeram um filme ensaio dotado de coração (partido), aspecto emotivo notável numa obra que ejeta estruturas clássicas de narrativa. Há a sensação de que estamos vendo as imagens de um amigo, trazidas de uma viagem feita há pouco tempo, sua voz dedicada a descrever o que sentiu mais do que o que estamos vendo.

Essa viagem pelo interior do Brasil tem o tom de um torpor amoroso que vai adquirindo sentidos íntimos nos pensamentos em voz alta de um geólogo (Irandhir Santos). A relação dele com terra e pedra parece manter sua sanidade sob controle. A sensação de estarmos diante de uma coleção de imagens captadas na estrada vem de uma mistura orgânica de registros em película, vídeo digital e fotografias, lindamente sonorizadas.

"Na realidade, a tecnologia da imagem mudou significativamente nesses dez anos. No início nossas escolhas de formato foram feitas em função daquilo que poderiamos dispor, fianceiramente. E aí o filme foi sendo apontado para um lugar que é o lugar da colagem de formatos, emblemáticos de temporalidades diferentes, assim como é a região percorrida pelo personagem", dizem.

O trabalho de Santos (Amigos de Risco, Baixio das Bestas) faz de sua voz guia um personagem completo. "Para dirigir o Irandhir, primeiro fizemos um estudo de vozes em off em diferentes filmes que admiramos. Passamos horas e horas com Irandhir, refletindo sobre a gênese do personagem e seu estado emocional em cada momento da viagem. Queríamos que o personagem começasse com uma voz acertiva, determinada, afinal ele é um geólogo, classe média, com uma vida correta, organizada. Aos poucos, queríamos que ele fosse mudando, de acordo com a voz, se desorganizando. Irandhir foi incrível nesse processo, pela paciência e pela dedicação."

A seleção em Veneza de Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo confirma tendência impressionante da ainda pequena produção pernambucana no sentido de ganhar tela em festivais internacionais de primeira grandeza.

O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, esteve em Veneza 1999 na paralela Nuovi Territori. Cinema Aspirinas e Urubus foi para Cannes, em 2005, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, também para a Orizzonti de Veneza, no mesmo ano. Baixio das Bestas, de Cláudio Assis, ganhou Melhor Filme em Roterdã 2007, enquanto Deserto Feliz, de Paulo Caldas, teve seleção em Berlim. Esse ano, Um Lugar ao Sol, documentário de Gabriel Mascaro, tem tido carreira sólida em festivais como Munique, Buenos Aires e Los Angeles.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Agosto 2009

A Orfã


Comunista toca Tchaikovsky.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A bobagem mais divertida da semana é o filme de criança peste A Orfã (Orphan, EUA, 2009), exercício de horror que visa conquistar públicos adultos com notável grosseria, cortesia da produtora Dark Castle Entertainment, selo especializado. O diretor espanhol Jaume Collet-Serra, que fez A Casa de Cera (House of Wax, 2005) para a mesma produtora, parece mostrar mais comprometimento com a causa do que a média dos colegas no gênero.

Que fique clara a vocação de A Órfã para o produto classe B, onde nada realmente faz muito sentido, mas, mesmo assim, a coisa flui como sangue num chão em declive. Mulheres grávidas, por exemplo, bom evitar, vide a seqüência de abertura verdadeiramente horrorosa.

Esse pesadelo inicial estabelece problemas no casal Kate (Vera Farmiga) e John (Peter Sarsgaard). Ela perdeu um bebê recentemente, e lida com alcoolismo. Os dois são pais de um garoto e uma caçula, que é surda. A necessidade de recuperar a terceira criança perdida os leva a um orfanato, onde encontram a aparentemente adorável garotinha de nove anos de idade, Esther (Isabelle Fuhrman). Esther é de origem russa.

Vale ponderar que, três semanas atrás, o muito bom Arraste-me Para o Inferno, de Sam Raimi, nos trouxe uma associação entre o bem (garota americana como torta de maçã) e uma senhora malvada do leste europeu que rogou praga na indefesa heroína. Todos os outros personagens associados ao mal eram estrangeiros, do leste europeu, com sugestão de que eram ciganos.

Em A Orfã, Esther, que irá revelar-se os pés da besta, é uma russa, e se lembramos que o canibal Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes era da Lituânia, temos aí uma observação válida sobre a maneira que a cultura de massa americana ainda trabalha fantasmas políticos relacionados ao mundo comunista.

Num repeteco do que vimos em O Anjo Malvado (The Good Son, 1993), onde Macaulay Culkin azedava uma família que o acolhia, Esther vai aos poucos revelando-se. Intimida os irmãos, incidentes estranhos ocorrem com ela por perto, que sempre ganha o benefício da dúvida por ser impossível criança de nove anos de idade fazer coisas do tipo.

O filme tem desenvolvimento de personagens (especialmente a mãe) tão acima da media quanto o tempo de projeção (120 minutos). Farmiga investe mais energia do que se esperaria, e o seu enlouquecimento é crível, já que Esther joga com as tensões entre ela e o marido, personagem cuja burrice cai como uma luva para as exigências do roteiro.

De qualquer forma, é um thriller B capaz de mostrar um pombo sendo esmagado por uma pedra e de flertar com a pedofilia, antes da grande revelação final, antecedendo o confronto final em noite, claro, de tempestade. Demente e divertido.

Filme visto na UCI Ribeiro, Boa Viagem, Recife

O Seqüestro do Metrô


O 'Seqüestro' original, bom filme.


O novo, de Tony Scott.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O Seqüestro do Metrô (The Taking of Pelham 123, EUA, 2009) é a refilmagem de um thriller muito bom, lançado em 1974, com o mesmo título (original e brasileiro), dirigido por Joseph Sargent. Aquele filme antigo funciona ainda mais hoje com o valor agregado de um registro da Nova York dos anos 70, e revela-se a provável referência maior de Quentin Tarantino para batizar seus ladrões, em Cães de Aluguel, com cores - Mr. Pink, Mr. White.... Difícil não lembrar do Seqüestro original vendo esse novo, uma diversão mediana feita pela máquina de fazer coisas Hollywood.

Esse novo é dirigido por Tony Scott (Top Gun, irmão de Ridley Scott). Ele não pára de mexer a câmera, adiantar a imagem, voltar a imagem, dar tremelique, fazer barulhinho. Quando o filme começou, achei que era o trailer. Esse cinema 'agite antes de usar' sugere a marca industrial de alguma máquina, uma trepeça de entretenimento que prende minimamente a atenção, com herói (Denzel Washington) e vilão (John Travolta).

O primeiro trabalha na sala de controle do metrô de Nova York, supervisionando o tráfego num telão. O segundo é malvadão e tem comparsas. Seqüestra um vagão, esclarece que é violento e exige dez milhões de dólares, inflação e tanto, pois em 1974 o resgate era de um milhão.

Esse tipo de produto parece existir para servir pratos requentados para um público que quer ver o que já conhece. Os clichês são o que há no filme, sempre sob camadas espessas de uma não-música genérica. Herói, por exemplo, irá se comunicar com malvado pelo rádio, gerando uma relação de respeito. Herói ameaçado fala com a esposa pelo celular, que faz pedido tocante sobre trazer leite pro jantar. Há uma corrida contra o tempo onde veículos pesados esmagam carros de passeio, a câmera continua balançando...

Curiosamente, Nova York é apenas um fundo borrado e tremido, locação real anônima como espaço filmado. Se pensarmos no que Spike Lee fez com um filme semelhante no gênero (Um Plano Perfeito, assalto a banco), cheio de identidade para a cidade (com o mesmo Washington), esse O Seqüestro do Metrô vira poeira minutos antes mesmo de acabar. Tente achar a versão antiga.

Filme visto no UCI Ribeiro Boa Viagem, Recife, Setembro 2009

Amantes (Two Lovers)






por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O realizador James Gray parece ocupar um canto tranqüilo da filmografia americana atual, algum espaço não muito distinto dos pequenos apartamentos de classe média que ele filma tão bem. Gray tem operado fora dos estúdios fazendo filmes pessoais a partir de gêneros clássicos como o thriller. Seu mais recente, Amantes (Two Lovers, EUA, 2008), um primeiro exercício sem atos de violência crua, é um exemplo raro de realismo elegante.

Amantes é uma história de amor clássica, muito embora seus filmes anteriores trouxessem o amor como união dos seus personagens. Aos 40 anos de idade, Gray e seus filmes Fuga Para Odessa (1994), Caminho Sem Volta (2000) e Os Donos da Noite (2007) são marcados por uma adesão ao elemento Família como um trilho pré-configurado que leva o indivíduo.

O cinema de Gray também sugere associação clara a uma casta reconhecida de cine-cronistas de Nova York. Como o próprio Gray, Spike Lee, Martin Scorsese, Abel Ferrara e Woody Allen, para citar poucos, filmam a mesma Nova York com olhares próprios. O ponto de vista de Gray fica nos arrabaldes do Brooklyn, em Brighton Beach.

O ponto de partida em Amantes é Leonard (Joacquin Phoenix), homem ligeiramente suicida e na casa dos trinta. Ele tem nos pais (Isabella Rossellini e Moni Moshonov), imigrantes israelenses, amor, apoio e um quarto. Leonard também fotografa, em preto e branco analógico.

Num mesmo dia, conhece duas garotas, Michelle (Gwyneth Paltrow) e Sandra (Vinessa Shaw). Michelle é a vizinha atraente, amante de um homem casado (Elias Koteas), um mistério fora do alcance natural de Leonard. Talvez ela seja a representação viva da Nova York de Manhattan, que fica ali pertinho, mas ainda longe. Não deve ser de graça que boa parte da comunicação entre ela e Leonard ocorra através de janelas adjacentes.

Sandra também é atraente, filha de uma família amiga (os Cohens), a garota kosher de Brighton Beach. Ela representa ainda um estranho elo financeiro entre os dois clãs, já que o pai dele está vendendo sua tinturaria ao pai dela.

Gray desenvolve essa crônica amorosa sem julgamentos, com um realismo sofisticado raro nessa época que valoriza câmeras bêbadas como prova de verdade. Para nos ajudar a entender Leonard, por exemplo, Gray nos mostra suas fotos.

Parte importante do filme se passa no aconchego de apartamentos, salas e quartos. Uma outra parte, em externas honestas onde o frio se faz sentir na imagem. Brighton Beach ganha espaço emotivo evidente, enquanto Manhattan é visitada com real sentido de deslocamento e encanto.

Esse equilíbrio entre partes é a base das dúvidas do próprio Leonard, que investe nas duas mulheres sem conseguir escolher. Amantes irá nos lembrar que homens não escolhem muita coisa, deixam que a vida e as mulheres escolham por eles.

Numa nota extra-filme, Phoenix declarou ter sido esta sua última atuação, assumindo comportamento estranho visto por milhões na TV e internet. Isso teria prejudicado Amantes nos EUA, o que é uma pena. Phoenix é uma das verdades do filme.

Filme revisto em Bluray, Recife, Julho 2009

As Testemunhas


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Não por coincidência, mas a última estréia do Rosa e Silva foi francesa (A Bela Junie) e nos apresenta uma ciranda amorosa entre uma dezena de personagens. O mesmo cinema apresenta esta semana uma outra crônica francesa, de sabor distinto, mas igualmente observadora dos movimentos amorosos entre um grupo de pessoas. As Testemunhas (Les Temoins, 2007), de Andrée Téchiné, cineasta gay militante que tem o talento para fazer seus relatos superarem os limites do gueto. Em As Testemunhas, ele nos dá uma visão pessoal e histórica dos anos 80, quando a AIDS chegou para mudar a maneira de amar, ter prazer e pensar a vida.

Techiné apresentou As Testemunhas na competição do Festival de Berlim, há dois anos, e faz do filme um relato pessoal e apaixonado da geração que foi o pára-choque de uma revolução triste, 25 anos atrás. O cinema americano já abordou o tema com filmes simpáticos como Meu Querido Companheiro ou Filadélfia, mas é a crueza do cinema francês que já rendeu pelo menos um filme memorável sobre o período, As Noites Selvagens (Les Nuits Fauves, 1991), de Cyril Collard.

Numa ciranda de personagens que poderá lembrar Drummond para alguns, Techiné (As Rosas Selvagens) divide seu filme em três partes: a primeira é Verão de 84 - Os dias felizes, onde vemos o casal Sarah (Emmanuele Béart) e Mehdi (Sami Bouajila) que acabam de ter um filho. São amigos do médico Adrien (Michel Blanc).

Sarah é uma intelectual concentrada demais nas suas idéias para poder se preocupar com pequenos detalhes da vida como maternidade, e a composição de Béart para essa péssima mãe é formidável.

Mehdi irá buscar respostas para impulsos que sugerem uma bisexualidade a ser explorada, enquanto Adrien tenta aplacar sua solidão gay de meia idade indo procurar garotos nos parques de Paris, como o Bois de Boulogne. Ele apaixona-se por Manu (Johan Libereau), rapaz que exerce vida afetiva e sexual livre, e que dará a Lucien o seu melhor e o seu pior.

Se a militância de Techiné assume bem mais a forma de uma bandeira tremulante para a causa gay do que cineastas como John Waters (escrachado demais para levantar bandeira alguma) e Pedro Almodóvar (livre demais para soar monotemático), o espectador, de qualquer forma, poderá apreciar sua paixão e coragem de abrir a caixa de lembranças.

O filme corre pelas suas duas horas de duração relutante em cair na emoção barata, conseguindo com isso um relato passional do choque que essas pessoas tiveram ao entender que o mundo e os costumes via liberdade sexual conquistados tão pouco tempo antes seriam sustados. As testemunhas do título são estes personagens.

Chama muito a atenção no filme, já dos primeiros segundos de projeção, como Téchiné filma e edita tudo tão rápido. Parece estar sugerindo que a vida é curta e precisamos correr para vivê-la, sempre.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fev 2007

A Bela Junie (La Belle Personne)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Uma quadrilha de cupidos parece estar à solta no liceu parisiense que é o cenário principal de A Bela Junie (La Belle Personne, França, 2008), filme de Christophe Honoré. O jovem e prolífico autor francês de Em Paris e As Canções de Amor volta a filmar o amor e a cidade com o tom de quem venera o passado do cinema e da literatura franceses. Adapta A Princesa de Cléves (La Princesse de Clèves), de Madame Lafayette, com peculiar autoridade.

Os prazeres antigos desse filme moderno são muitos, a começar pelo rosto da linda Junie, interpretada por Léa Seydoux. Sua cara, olhar, presença e personagem sugerem uma revisão de Anna Karina, a musa de Jean Luc Godard em filmes maravilhosos como Viver a Vida. O rosto de Seydoux é uma espécie de recuperação mágica de uma imagem clássica.

Se juntarmos ainda a presença de Louis Garrel (Amantes Constantes, Cançõe de Amor e Em Paris), que parece estar sempre assombrado pelo fantasma (no jeito e na semelhança facial) de Jean Pierre Léaud, muso de François Truffaut, confirma-se o fascínio que esse jovem realizador tem pela herança do cinema francês da Nouvelle Vague.

Se Honoré não fosse tão bom, seus filmes não passariam de uma bossa vazia vampirizando o passado. Honoré supera isso e transforma o passado em amor de cinema através de talento próprio. É uma estranha ocorrência de cinema retrô e autoral, embora, para ser bem sincero, talvez o seu maior traço pessoal seja a saudade de um cinema que ele revive.

Junie é uma adolescente que acaba de perder a mãe, mudando de escola para tentar arejar sua vida. É apresentada a todos pelo seu primo, Mathias. Sua beleza misteriosa e aérea inspira o amor instantâneo em dois rapazes. Dá quase para ver as flechas cravadas em seus corações e os cupidos rindo atrás de pilastras, arcos em punho.

Os ataques de amor não ficam apenas em torno de Junie, “a bela pessoa” do titulo original. O professor de italiano Nemours (Louis Garrel, ligeiramente jovem demais para o papel, mas sempre uma presença) envolve-se livremente com alunas e uma colega do corpo docente. Somos informados dos amores discretos de outros professores e um triângulo passional entre três garotos também vem à tona.

Depois de um tempo, fica difícil acompanhar quem está perdidamente apaixonado por quem, e quem está tentando largar o amor de um outro para, assim, deixar de sofrer. É uma linda ciranda com forte sabor literário da escola romântica, numa Paris moderna onde a arquitetura tombada do tradicional liceu reflete a tentativa de Honoré voltar a um passado.

Filme visto no Cine Rosa e Silva, Recife, Agosto 2009

Anticristo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


No último Festival de Cannes, Lars von Trier espalhou uma série de "aspas" cínicas ao mostrar seu "Anticristo". "Eu sou o melhor cineasta do mundo" foi a mais popular, embora uma outra tenha chamado menos atenção. "Anticristo...", escreveu no material de imprensa, "foi feito com aproximadamente 50% da minha inteligência habitual". A obra seria ainda fruto de uma dura fase pós-depressão...

A teoria dos 50% não só renova o calculismo aberto de Von Trier para com o que filma (fonte de irritação para muitos), como explica a primeira sensação, durante a projeção, de que vemos as brutas do filme que teriam sido vagamente editadas. Esse meio-filme é falado na língua da psico-bobagem por marido e esposa (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg), isolados numa cabana fabular após a perda do filho.

No entanto, algo ocorre durante essa obra de pés tortos e poucos amigos. Percebemos forças não catalogadas num cinema de gênero (o do horror) via autor incomum. São os delírios potentes de um anormal, seus personagens, bonecos de macumba que ele fura com grande alegria.

Von Trier, que inspirou sensações de apocalipse em obras que usavam a mulher como portadora do amor -"Ondas do Destino", "Dançando no Escuro", "Dogville"- está, enfim, livre para investir apenas no mal-estar mono. Isso talvez explique o fato de

"Anticristo" ser 40 ou 60 minutos mais curto do que os outros.
Esse olhar é notável ao vermos o realizador dar um tom algo alienígena aos elementos de sempre no gênero. O prólogo, uma publicidade espetacular de xampu, atualiza a abertura de "Inverno de Sangue em Veneza", de Nicolas Roeg. A cabana lembra "A Morte do Demônio", de Sam Raimi.

No entanto, "Anticristo" irá seguir o caminho da mulher, que Gainsbourg obedece com fervor em elos femininos insuspeitos com a obra de José Mojica Marins. Essa mãe, uma das várias fêmeas-bicho do filme (todas com crias mortas), é o horror da natureza e instrumento astucioso de Satanás. A personagem, seguindo desígnios do autor, irá abrir a caixa de ferramentas para punir o prazer e a sexualidade. A plateia cruza as pernas.

Em Cannes, esse filme único gerou reações típicas no cinema extremo. Espectadores deixaram a sala no que mais pareciam atos políticos irados. Parecem não saber que o cinema de horror tem essa função há muito tempo, e que, para alguns artistas, xingamentos soam como música erudita.

Filme revisto no Arteplex Unibanco, São Paulo, Agosto 2009

Caro Sr. Horten (O'Horten)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A interação de gente lacônica com planos abertos fixos parece ter se transformado num sub-gênero do cinema, vide a estranha sucursal latina de filmes como Whisky e Gigante. O estilo pode ter relação distante com Buster Keaton ou Jacques Tati, reprocessados por Aki Kaurismaki (O Homem Sem Passado), Elia Suleiman (Intervenção Divina) ou Roy Andersson (Vocês os Vivos) como provas de estilo. O filme norueguês Caro Sr Horten (O’Horten, Noruega/Alemanha, 2007), de Bent Hamer, sugere essa busca pelo lacônico como alguma fórmula a ser perseguida.

Selecionado para a mostra Un Certain Regard, de Cannes 2007, o filme de Hamer propõe que a vida deve ser vivida enquanto ainda há tempo. Chama a atenção que o estilo aparentemente frio ganhe notas dissonantes com um certo tom piegas. Há uma trilha sonora do lugar comum que dá ao relato um ar desagradável de história fofinha.

No inverno da sua vida (neva muito no filme), o personagem titular (o ator Baard Owe, presença) chega à aposentadoria depois de 40 anos conduzindo locomotivas que seguiam retas entre ponto A e ponto B. O’Horten será obrigado, portanto, a lidar com uma vida livre e não-linear, entendendo o quanto suas funções foram restritivas como projeto de vida.

Passará a interagir com as ruas frias de Oslo e seus personagens, de uma visita não planejada ao quarto de um garoto à amizade com um esquizofrênico.

É um ponto de partida válido, já visto com alguma semelhança temática por David Lynch no lindo e subestimado A História Real (1999). Caro Sr. Horten, de qualquer forma, tem vida no rosto forte de Owe, que apela para o fumo do seu cachimbo como saída para pequenos pânicos e grandes dúvidas.

Sobre dúvidas, observe o final. Poderá ser questionado pelos que verão idéias distintas. Seria desonesto, piegas ou humano na sua (in)coerência, uma conclusão, acreditamos, sintonizada com a alma escandinava desse homem bom e triste.