Thursday, September 3, 2009

As Testemunhas


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Não por coincidência, mas a última estréia do Rosa e Silva foi francesa (A Bela Junie) e nos apresenta uma ciranda amorosa entre uma dezena de personagens. O mesmo cinema apresenta esta semana uma outra crônica francesa, de sabor distinto, mas igualmente observadora dos movimentos amorosos entre um grupo de pessoas. As Testemunhas (Les Temoins, 2007), de Andrée Téchiné, cineasta gay militante que tem o talento para fazer seus relatos superarem os limites do gueto. Em As Testemunhas, ele nos dá uma visão pessoal e histórica dos anos 80, quando a AIDS chegou para mudar a maneira de amar, ter prazer e pensar a vida.

Techiné apresentou As Testemunhas na competição do Festival de Berlim, há dois anos, e faz do filme um relato pessoal e apaixonado da geração que foi o pára-choque de uma revolução triste, 25 anos atrás. O cinema americano já abordou o tema com filmes simpáticos como Meu Querido Companheiro ou Filadélfia, mas é a crueza do cinema francês que já rendeu pelo menos um filme memorável sobre o período, As Noites Selvagens (Les Nuits Fauves, 1991), de Cyril Collard.

Numa ciranda de personagens que poderá lembrar Drummond para alguns, Techiné (As Rosas Selvagens) divide seu filme em três partes: a primeira é Verão de 84 - Os dias felizes, onde vemos o casal Sarah (Emmanuele Béart) e Mehdi (Sami Bouajila) que acabam de ter um filho. São amigos do médico Adrien (Michel Blanc).

Sarah é uma intelectual concentrada demais nas suas idéias para poder se preocupar com pequenos detalhes da vida como maternidade, e a composição de Béart para essa péssima mãe é formidável.

Mehdi irá buscar respostas para impulsos que sugerem uma bisexualidade a ser explorada, enquanto Adrien tenta aplacar sua solidão gay de meia idade indo procurar garotos nos parques de Paris, como o Bois de Boulogne. Ele apaixona-se por Manu (Johan Libereau), rapaz que exerce vida afetiva e sexual livre, e que dará a Lucien o seu melhor e o seu pior.

Se a militância de Techiné assume bem mais a forma de uma bandeira tremulante para a causa gay do que cineastas como John Waters (escrachado demais para levantar bandeira alguma) e Pedro Almodóvar (livre demais para soar monotemático), o espectador, de qualquer forma, poderá apreciar sua paixão e coragem de abrir a caixa de lembranças.

O filme corre pelas suas duas horas de duração relutante em cair na emoção barata, conseguindo com isso um relato passional do choque que essas pessoas tiveram ao entender que o mundo e os costumes via liberdade sexual conquistados tão pouco tempo antes seriam sustados. As testemunhas do título são estes personagens.

Chama muito a atenção no filme, já dos primeiros segundos de projeção, como Téchiné filma e edita tudo tão rápido. Parece estar sugerindo que a vida é curta e precisamos correr para vivê-la, sempre.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fev 2007

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