Thursday, September 3, 2009

Amantes (Two Lovers)






por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O realizador James Gray parece ocupar um canto tranqüilo da filmografia americana atual, algum espaço não muito distinto dos pequenos apartamentos de classe média que ele filma tão bem. Gray tem operado fora dos estúdios fazendo filmes pessoais a partir de gêneros clássicos como o thriller. Seu mais recente, Amantes (Two Lovers, EUA, 2008), um primeiro exercício sem atos de violência crua, é um exemplo raro de realismo elegante.

Amantes é uma história de amor clássica, muito embora seus filmes anteriores trouxessem o amor como união dos seus personagens. Aos 40 anos de idade, Gray e seus filmes Fuga Para Odessa (1994), Caminho Sem Volta (2000) e Os Donos da Noite (2007) são marcados por uma adesão ao elemento Família como um trilho pré-configurado que leva o indivíduo.

O cinema de Gray também sugere associação clara a uma casta reconhecida de cine-cronistas de Nova York. Como o próprio Gray, Spike Lee, Martin Scorsese, Abel Ferrara e Woody Allen, para citar poucos, filmam a mesma Nova York com olhares próprios. O ponto de vista de Gray fica nos arrabaldes do Brooklyn, em Brighton Beach.

O ponto de partida em Amantes é Leonard (Joacquin Phoenix), homem ligeiramente suicida e na casa dos trinta. Ele tem nos pais (Isabella Rossellini e Moni Moshonov), imigrantes israelenses, amor, apoio e um quarto. Leonard também fotografa, em preto e branco analógico.

Num mesmo dia, conhece duas garotas, Michelle (Gwyneth Paltrow) e Sandra (Vinessa Shaw). Michelle é a vizinha atraente, amante de um homem casado (Elias Koteas), um mistério fora do alcance natural de Leonard. Talvez ela seja a representação viva da Nova York de Manhattan, que fica ali pertinho, mas ainda longe. Não deve ser de graça que boa parte da comunicação entre ela e Leonard ocorra através de janelas adjacentes.

Sandra também é atraente, filha de uma família amiga (os Cohens), a garota kosher de Brighton Beach. Ela representa ainda um estranho elo financeiro entre os dois clãs, já que o pai dele está vendendo sua tinturaria ao pai dela.

Gray desenvolve essa crônica amorosa sem julgamentos, com um realismo sofisticado raro nessa época que valoriza câmeras bêbadas como prova de verdade. Para nos ajudar a entender Leonard, por exemplo, Gray nos mostra suas fotos.

Parte importante do filme se passa no aconchego de apartamentos, salas e quartos. Uma outra parte, em externas honestas onde o frio se faz sentir na imagem. Brighton Beach ganha espaço emotivo evidente, enquanto Manhattan é visitada com real sentido de deslocamento e encanto.

Esse equilíbrio entre partes é a base das dúvidas do próprio Leonard, que investe nas duas mulheres sem conseguir escolher. Amantes irá nos lembrar que homens não escolhem muita coisa, deixam que a vida e as mulheres escolham por eles.

Numa nota extra-filme, Phoenix declarou ter sido esta sua última atuação, assumindo comportamento estranho visto por milhões na TV e internet. Isso teria prejudicado Amantes nos EUA, o que é uma pena. Phoenix é uma das verdades do filme.

Filme revisto em Bluray, Recife, Julho 2009

1 comment:

Bruno said...

Excelente texto. Parabéns!