Friday, May 30, 2008

"'Prova de Morte' por favor", em Outubro



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Essa foto (menos o sorriso) que tirei em Cannes 2007 meio que traduz o sentimento de fãs do filme de Tarantino que ainda esperam pelo lançamento de DEATH PROOF nos cinemas brasileiros, um ano depois de sua estréia internacional em Cannes. Se vale alguma coisa, conversei ontem com Charles Freitas, da Europa Filmes, e mandei a pergunta no telefone:

"Er... Charles, e o que vocês vão fazer com o filme do Tarantino?"

Ele falou que o filme deverá ter lançamento nos cinemas em outubro, que a Europa não o mandará direto para vídeo e que de fato o lançamento caro de PLANETA TERROR (sem retorno) assustou bastante a distribuidora. Sugeri que o dinheiro de Piaf ajudasse Tarantino, Charles brincou lembrando que "são caixinhas diferentes".

De fato, todos nós fãs de cinema muitas vezes não pensamos no que significa pagar por um filme para recuperar na bilheteria, e a bilheteria não ajuda. E isso na Europa Filmes, talvez a independente mais bem sucedida do mercado, basta ver o atual sucesso deles MY BLUEBERRY NIGHTS com mais de 100 mil espectadores.

PS: quem já viu o filme baixado da net com legendas capengas (ou sem), imagem pixelada e "screening copy only" invadindo cenas é mulher do padre. Poucos filmes recentemente são tão sensacionais com o fator UHU platéia como este.

Thursday, May 29, 2008

Top 10 Fracassos Que Ficaram na Consiência

"Quanto?" (frame de 'Peeping Tom')

Vi esse Top 10 no http://www.scene-stealers.com/top-10/erics-top-10-flops-turned-classics/ e decidi postar aqui a lista de filmes (no link, há comentários em inglês para cada um). Esse post vai com dedicatória a Mr. Spielberg que, segundo li esta semana, se isola até segunda de manhã toda vez que um filme seu estréia, incapaz de lidar com a possibilidade de fraca$$o. Segunda de manhã pois é quando são divulgados os números do din-din.

10. Fight Club (1999)

9. Harold & Maude (1971)

8. Office Space (1999)

7. Peeping Tom (1960)

6. Bringing Up Baby (1938)

5. Donnie Darko (2001)

4. It’s A Wonderful Life (1946)

3. Blade Runner (1982)

2. The Wizard of Oz (1939)

1. Citizen Kane (1941)

'O Tempo e o Lugar': Recortes Rejeitados


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

A partir da projeção de um filme, questões surgem que revelam tensões inerentes à sociedade brasileira, em relação à luta pela terra. Na sessão de pré-estréia terça à noite do documentário O Tempo e o Lugar (Brasil, 2008), filme de Eduardo Escorel sobre o agricultor alagoano Genivaldo da Silva, o clima ficou tenso depois da exibição no Cinema da Fundação (Recife). Escorel, um dos nomes mais importantes da cinematografia brasileira (foi montador de Glauber Rocha em Terra em Transe, de Eduardo Coutinho em Cabra Marcado Para Morrer e, recentemente, de João Moreira Salles em Santiago), fez um filme com o único ponto de vista do seu personagem.

Genivaldo da Silva veio especialmente ao Recife para acompanhar a projeção do filme, que o registrou em diferentes momentos ao longo de um período de nove anos – em 1996, 2005 e 2007. O contato inicial de Escorel com Genivaldo veio de um episódio do notório especial televisivo dos anos 90, Gente Que Faz, levado ao ar semanalmente aos sábados da era FHC, na Globo. Dirigido por Escorel - que incluiu o episódio embriagadamente otimista em tom nos primeiros minutos do seu filme -, O Tempo e o Lugar parece partir para uma desconstrução do aspecto alegremente publicitário daquela peça, ao longo de cerca de 100 minutos. Lembra a revisão de Salles sobre uma primeira tentativa de fazer um filme em Santiago.

Esse personagem rende um filme pelo fato de ter passado por algumas encarnações políticas e partidárias ao longo da sua trajetória, e isso pode tanto ser visto com maus olhos como por uma representação de reinvenção num mundo instável.

Foi integrante do MST, e diz no filme ter recebido treinamento de integrantes do Sendero Luminoso, movimento revolucionário peruano de ordem maoísta, informação contestada ao final da sessão por ex-companheiros de Genivaldo. Segundo Genivaldo, o treinamento os prepararia para enfrentar a policia e seguranças de fazendeiros.

Fora do MST, entrou para a Pastoral da Terra (Igreja Católica), onde também passou a discordar da postura reinante. Depois, militou pelo PT, apoiando a luta de Lula, e chegou a ser candidato a prefeito, sendo expulso do partido. Crítico de Lula, o presidente, ("Fome Zero e Bolsas Família não mudam nada politicamente"), Genivaldo hoje atua de forma independente, estimulando famílias a trabalhar suas terras, ele mesmo o dono de uma propriedade em Inhapi, no sertão de Alagoas.

"Cada vez mais, me parece, que o documentário marca o encontro entre o personagem e quem o filma. Se eu não contesto as coisas que ele diz, isso significa implicitamente que eu endosso o que ele me conta ao entender que aquela é a narrativa dele. Ele pode ser vítima da sua própria memória seletiva como todos nós, e não vejo nisso um problema", disse Escorel no debate, respondendo a um questionamento da platéia sobre o senso de responsabilidade que documentários deveriam ter.

"Vivemos uma época onde sempre esperou-se muito do documentário como capaz de responder às grandes questões, ou de persuadir politicamente ao defender uma causa. Não é o tipo de filme que eu tenho tentado fazer. Me interessa mais conhecer e entender meu personagem nas suas dificuldades e contradições."

Um membro da platéia lembrou que "não trata-se de um filme sobre um avô brincando com os netos, mas sobre um personagem de luta que participou de um movimento de luta e há repercussões que vão além da figura dele". Respondendo, Escorel disse preferir fazer um filme que dialogue com o espectador ao invés de entregar tudo pronto num painel 'completo'.

O estilo de Escorel no filme não parece casar bem com olhares apaixonados demais por uma causa que é historicamente delicada no Brasil. Apreciar o filme sem que o pulso acelere parece exigir uma distância razoável do assunto, seguida de um olhar generoso para com os desdobramentos atuais do cinema de documentário.

Jairo Amorim, coordenador estadual do MST, presente na sessão, tomou a palavra: "Não sei se fiquei feliz ou triste, pois vim para assistir e terminei virando personagem no filme. Creio que faltou contextualizar a história e o porquê de Genivaldo ter saído do movimento. Por mais que tenhas tentado ser imparcial, não conseguiu, pois um filme fica para a história. Soa como uma verdade que engole os motivos", disse.

No seu momento mais duro, Amorim virou-se para Genivaldo da Silva e, depois de parabenizá-lo, de qualquer forma, "peço cuidado para que esse filme não faça latifundiário bater palma para você, para a grande mídia não criminalizar ainda mais nosso trabalho". Genivaldo preferiu não comentar.

O que aconteceu na sessão de terça foi um embate entre um certo sentido moderno de cinema e paixões políticas humanas e tradicionais. Longe de um "sentido jornalístico" de reportagem televisiva onde diferentes lados são ouvidos para formar mensagem equilibrada do todo, O Tempo e o Lugar alinha-se com desdobramentos muito discutidos atualmente no gênero documentário, que assume cada vez mais a aura de obras pessoais onde antigas concepções são descartadas.

O próprio Santiago, essencialmente um filme sobre o seu realizador, e não sobre o personagem título (outro motivo de acirradas discussões), Jogo de Cena, onde a verdade existe no emotivo, e não nos fatos relatados, mesmo caso de dois filmes extraordinários exibidos em Cannes semana passada, o israelense Valsa com Bashir, de Ari Folman, (uma animação...) e o chinês 24 City, de Jia Zhang Ke, curioso companheiro de filosofia de Jogo de Cena, preocupam-se muito mais com versões do que com fatos.

O que fica para o espectador é a pergunta: causa tão explosiva sustenta-se em tratamento tão livre de julgamentos?

Monday, May 26, 2008

Coberturas


Estou no super alegre aeroporto de São Paulo depois de 12 horas de Air France em dois vôos, Nice-Paris-SP, esperando mais três (horas) pro Recife. Cansado.

Só agora fui ver alguns dos trabalhos de colegas, e outra vez fica a sensação de que a melhor cobertura de Cannes são todas elas lidas em conjunto. E além de fazer isso (esse ano adorei usar fotos e vídeos), acho lindo que tanta gente acompanhe tudo sempre por interesse sério pelo cinema. Obrigado!

Sunday, May 25, 2008

Entre Les Murs




Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

Entre Les Murs, o rigoroso filme de Laurent Cantet ganhador da Palma, chegou por último na ordem de apresentação da competição de Cannes 2008 (passou no sábado, estilo Rosetta, em ’99) para definir um festival que não parecia ter nenhum favorito, mas apenas filmes admirados isoladamente (meu entusiasmo pelos títulos de Jia Zhang Ke – 24 City, James Gray – Two Lovers, Ari Folman – Waltz With Bashir, ou Brillante Mendoza – Serbis não parecia bater com o entusiasmo de outros por ‘filmes de arte do inferno’ como os de Nuri Bilge Ceylan - Uç Maymum (Três Macacos), o húngaro Delta, e, incluo no mesmo insulto, o novo Garrel – La Frontiere du L’Aube.

O filme de Cantet, de fato, não poderia ser mais digno do prêmio, dadas as devidas circunstâncias. Sua aparição no último dia me pareceu cuidadosamente planejada semanas antes para surtir um efeito de descoberta para uma hipotética (na cabeça da organização desse festival francês) Palma de Ouro, e benvinda também, uma vez que a última Palma francesa fora 21 anos antes, com Sob o Sol de Satã (1987), de Maurice Pialat.

Numa competição 2008 onde o sentido de autoria parecia muitas vezes extrapolar o seu prazo de validade rumo à afetação (além dos já citados Ceylan, Delta e Garrel, incluir também o novo Martel), o júri ficou com o francês que vai direto ao ponto, uma máquina com idéia fixa de nos passar a experiência visceral de estar dentro de uma escola, suas salas de aula e salas de professor, sem refresco de exposição preparatória de personagens ou descanso para vermos o mundo externo.

Curiosamente, dentro da cinematografia francesa moderna, Entre Les Murs repete tema de enorme importância que vem sendo abordado por cineastas nacionais de maneira sazonal ao longo. Ça Commence Aujourd'hui (Quando Tudo Começa, 1999), do Bertrand Tavernier, Ser e Ter (Être et Avoir, 2002), do Nicolas Philibert, L’Esquive (2003), de Abdel Kechiche, os dois últimos inclusive com fronteiras semelhantes de união da ficção ao documentário.

De certa forma, a vitória de Cantet espelha algo da vitória romena, ano passado. 4 Meses 3 Semanas 2 Dias, de Cristian Mungiu, foi o primeiro filme daquele festival, o de Cantet o último. Ambos investem no que talvez deva ser descrita como ‘narrativa processual’, algo que os romenos fazem muito bem, e que o cinema europeu como um todo domina. O que interessa é o processo, e temos histórias contadas com momentos de conflito que o cinema industrial geralmente considera descartável.

Em Entre Les Murs, Cantet nos dá, de fato, a observação do que mais parecem aulas inteiras de pelo menos 20 minutos, dramatizadas em estilo ‘realidade ficcionada’. Cantet nos libera muito pouco tempo no recreio lá fora, no pátio, e a imagem limpa e larga sugere deixar tudo muito claro: A França é uma sociedade multi-tudo e para tal é essencial que as tolerâncias tenham início na escola.

“Porquê o senhor só usa nome de branquelo pra dar exemplo? Porquê não usa Rashid ou Yousef?”, pergunta uma aluna ao professor tutor da sua turma. As trocas entre as duas partes não poderiam ser mais completas, e Entre Les Murs revela-se um triunfo de cinema como projeto social necessário, assim como nos terrenos técnicos da montagem, à visão artística de Cantet, que evita os clichês explorados frequentemente nas relações professor-aluno.

Premiação Cannes 2008, ao vivo

Palma de Ouro: ENTRE LES MURS de Laurent CANTET

Grand Prix: GOMORRA de Matteo GARRONE

Prêmio do 61° Festival de Cannes: Catherine Deneuve (UN CONTE DE NOEL) e Clint Eastwood (L'ECHANGE)

Melhor direção: ÜÇ MAYMUN (Os Três Macacos) de Nuri Bilge CEYLAN

Prêmio do Júri: IL DIVO de Paolo Sorrentino

Melhor Ator: Benicio del Toro, CHE

Melhor Atriz: Sandra Corveloni, LINHA DE PASSE

Melhor Roteiro: LE SILENCE DE LORNA, Luc et Jean-Pierre Dardenne

Câmera d’Or: HUNGER de Steve McQueen

Menção Especial: ILS MOURRONT TOUS SAUF MOI (Vse umrut a ja ostanus), de Valeria Gaï Guermanika

Palma de Ouro do curta metragem: MEGATRON, Marian Crisan

24 City


por Kleber Mendonça Filho

cinemascopio@gmail.com

O chinês Jia Zhang Ke passou 24 City em Cannes, e talvez não exista outro lugar do mundo melhor do que Cannes para ver um filme de Jia Zhang Ke. Seus investimentos numa imagem moderna, essencialmente no sentido “vídeo”, parecem exigir o tipo de estrutura técnica que Cannes é capaz de oferecer. Sentado semana passada vendo 24 City na tela gigante do Lumière com aquela imagem digital fantástica que não é cinema, nem tampouco é “vídeo”, a única coisa que me ocorria na hora era “estou diante de um aquário com 20 metros de largura, muito bem iluminado e com vidro cristalino”.

Em 24 City, ele continua no seu projeto muito pessoal de documentar o processo de assentamento de uma nova China sobre a velha China. O filme que tinha visto dele em abril (no BAFICI, em Buenos Aires) foi o Useless, sobre a indústria chinesa de roupas, e ligar todos os seus filmes até agora (O Mundo, Unknown Pleasures, Still Life), com um fio de olhar significa estar diante de uma das obras mais coesas do cinema mundial atualmente, cada nova peça uma verdadeira doação valiosa à idéia de filmes captarem o sentido de tempo e história. Imaginem essa obra revista daqui a 50-100 anos, o valor será incalculável.

24 City aborda a demolição de um complexo industrial que, desde os anos 50, fabricava componentes para a aviação chinesa. No século 21, a fábrica abandonada dará espaço a um desses multi-projetos que incluem arranhas céus, hotéis e shopping centers. Dois dos prédios originais serão reaproveitados, lembrando muito o conceito grotesco utilizado no Recife de manter um belo casarão antigo como salão de festas do prédio monstro que construirão alguns metros atrás.

O filme é composto por dois elementos. Entrevistas com cabeças falantes e interlúdios com as imagens divinas (composições, textura) dos espaços em seus respectivos processos de abandono e demolição. Desconfia-se que os personagens dão mix de depoimentos verdadeiros e outros dramatizados, algo confirmado pelo fato de a atriz Joan Chen interpretar a garota mais linda da fábrica (“a flor”) na segunda metade dos anos 70, garota que adorava a própria Chen como atriz de cinema.

A união de informações pessoais faladas transforma o filme num arquivo de história oral sobre um determinado tempo e lugar, falando muita coisa sobre a história da China e a vida sob o comunismo.

Uma das recordações que me marcaram foi a direção da fábrica, nos anos 70, afixar a foto de um belo rapaz nos quadros de aviso, foto que mexeu com o imaginário das mulheres durante alguns dias. Mais tarde, a direção informou que aquele rapaz fora morto num acidente de avião, e que a peça causadora da pane teria saído daquela fábrica, “um de vocês deve sentir-se responsável pelo erro”.

Sobre a sensação de “aquário” que foi ver o filme em Cannes, depois de 10 anos de digital, e digo isso também como realizador, e não apenas observador, arriscaria que de fato começo a respeitar a idéia de “fotografar” em digital com ambições estéticas grandes. O filme de Zhang Ke talvez seja a melhor demo disso.

Serbis (um dos meus preferidos)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Uma maneira direta de um filme me transformar em observador submisso com inclinação à admiração é ele estar relacionado à idéia da experiência cinematográfica através da sala de exibição como espaço humano. Não precisa citar casos clássicos, mas pelo menos dois deles - The Last Picture Show/A Última Sessão de Cinema, do Peter Bogdanovich, ou para ficar nesta década, Goodbye Dragon Inn, de Tsai Ming Liang -. Serbis, do filipino Brillante Mendoza, é um outro filme dessa pequena escola, e claramente o filme mais descabelado da competição em Cannes 2008.

Serbis se passa num cinema pavorosamente decadente chamado FAMILY, cada letra para ser lida na vertical, descendo pela fachada. Toda cidade grande já teve, ou tem, algum desses, o último verdadeiro ‘FAMILY’ do Recife foi possivelmente o Trianon, o irmão pecaminoso do mais bem comportado (pelo menos em programação) Art-Palácio, ambos fechados em 1992. Na época do fechamento, eu acompanhei os últimos meses dos dois, e só o processo de limpeza do Trianon todos os dias pela manhã era algo para ser visto, e não descrito.

Eu li críticas em Cannes sobre Mendoza usar esse cinema para comentar a sociedade filipina e coisas do tipo, não sei, não teria informação o suficiente para pesar isso. De qualquer forma, Serbis (“serviço?”, o que michês encostados na parede dizem para qualquer um que acaba de entrar na sala escura do FAMILY) revela-se uma linda crônica suja sobre a sala de cinema como ambiente social (sexual), como provedora de uma família tão decadente quanto o próprio lugar, e, nas entrelinhas, sobre a falência de grandes salas em todo o mundo via mudança de sistemas de exibição (multiplexes, etc.)

Pelo fato de Mendoza andar com sua câmera na mão por praticamente todos os centímetros possíveis desse cinema, subindo e descendo escadarias, por toda a sala de exibição, cabine de projeção, bilheteria, entrada e depósitos, o filme nos dá uma visão clara de uma arquitetura universal que definiu o cinema como suntuoso espaço público de interação. Não é difícil imaginar dias melhores do FAMILY nos anos 60 ou 70, com famílias inteiras lotando a sala para ver A Noviça Rebelde, ou Inferno na Torre e Ghostbusters, para ficar nos sucessos americanos planetários.

Em 2007, no entanto, o FAMILY exibe pornografia, e a pegação (sob signos católicos que marcam os espaços de administração, e isso soletra “família”) foi institucionalizada. Freqüentado por alguns poucos casais e batalhões de homossexuais masculinos que mantém michês e travestis trabalhando, a projeção 35mm parece tão precária quanto o estado geral das cadeiras (primeiras fileiras ausentes, assentis empilhados junto do palco).

Mendoza utiliza recursos interessantes (e muito radicais) que fazem de Serbis, o filme, uma representação perfeita do espaço que ele mesmo registra. Na seqüência de abertura. a câmera digital escaneia canalhamente o corpo nu de uma adolescente, a lente babando em cima da menina, olhar que mantém-se firme ao longo do filme como um todo, incluindo uma espremida de furúnculo captada em close.

O som, em especial, revela-se de um radicalismo inédito na sua concepção, nunca ouvi nada do tipo. Utilizando volumes estourados para os ruídos urbanos que vêm da rua (tráfego, especialmente) que estão sempre ameaçando afogar os diálogos, o design de som certifica-se que cada troca de cena virá acompanhada de um silêncio e do som chegando atrasado, numa espécie de radicalização terceiro mundo do que Rodriguez e Tarantino fizeram em Grindhouse.

De uma certa forma, Mendoza fez uma variação muito pessoal daquela idéia inicial do Grindhouse, com a diferença (e a sofisticação) de levar o conceito dois graus além. Além de capturar um certo estilo dos filmes exibidos no FAMILY (há sexo oral explícito de travesti no projecionista), ele interpretou também a própria experiência física de estar naquele tipo de cinema, o que nos leva a um interessante clichê de imagem na cena final que parece pertencer totalmente a esse filme, e a nenhum outro mais.

Alguns brasileiros comentaram que o filme lembra o trabalho de Cláudio Assis, talvez lembre de longe. A diferença é que a crueza deste não tem o polimento sofisticado da fotografia de Walter Carvalho, e os personagens têm uma verdade maior do que a que qualquer ator profissional competente é capaz de passar, mesmo auxiliado por figurinos adequados e direção de arte oniciente.

Em Serbis, eles parecem ter saído das paredes, e vez ou outra, pulado da rua para dentro daquele ex-palácio de imagens sujo de esperma e esgoto. É um horror show humano, e fica ainda a sensação de que há no filme um coração do bem que tudo observa com grande interesse pelo caos do cinema.

Filme visto na Sala Bazin, Maio 2008, Cannes

Estrelando

Filmes e estrelinhas. Mais textos sobre alguns dos meus preferidos serão postados em breve.

* ADORATION de Atom EGOYAN -
* BLINDNESS de Fernando MEIRELLES ** ½
* CHE de Steven SODERBERGH *** 1/2
* DELTA de Kornel MUNDRUCZO **
* ENTRE LES MURS de Laurent CANTET -
* ER SHI SI CHENG JI (24 CITY) de Zhangke JIA ****
* GOMORRA de Matteo GARRONE ***
* IL DIVO réalisé de SORRENTINO -
* L'ÉCHANGE de Clint EASTWOOD - ***
* LA FRONTIÈRE DE L'AUBE de Philippe GARREL - **
* LA MUJER SIN CABEZA de Lucrecia MARTEL - ***
* LE SILENCE DE LORNA de Jean-Pierre et Luc DARDENNE ***
* LEONERA de Pablo TRAPERO - ***
* LINHA DE PASSE de Walter SALLES, Daniela THOMAS ***
* MY MAGIC de Eric KHOO -
* PALERMO SHOOTING, de Wim WENDERS -
* SERBIS de Brillante MENDOZA - ****
* SYNECDOCHE, NEW YORK de Charlie KAUFMAN - ** 1/2
* TWO LOVERS de James GRAY - ****
* ÜÇ MAYMUN (LES TROIS SINGES) de Nuri Bilge CEYLAN - ** 1/2
* UN CONTE DE NOËL de Arnaud DESPLECHIN - ***
* WALTZ WITH BASHIR, de Ari FOLMAN - *** ½
* BOOGIE, de Radu Muntean - ***
* DE LA GUERRA, de Bertrand Bonello - ** ½
*ELDORADO, de Bouli Lanners - ***
* LIVERPOOL, de Lisandro Alonso - **
* BLIND LOVES, de Juraj Lehotsky - *** 1/2
* A FESTA DA MENINA MORTA, de Matheus NACHTERGAELE - ** 1/2
* TULPAN de Sergey DVORTSEVOY - *** ½
* INDIANA JONES AND THE KINGDOM OF THE CRYSTAL SKULL de SPIELBERG - ** 1/2
* MARADONA BY KUSTURICA de Emir KUSTURICA - ***
* SURVEILLANCE de Jennifer LYNCH - ***
* THE CHASER de Hong-Jin NA - *** 1/2
* THE GOOD, THE BAD, THE WEIRD de Jee-woon KIM - *** 1/2
* VICKY CRISTINA BARCELONA de Woody ALLEN - *** 1/2
* WHAT JUST HAPPENED? de Barry LEVINSON - ** 1/2

Lucrecia Parte2.



2a. Parte em vídeo de entrevista com Lucrecia Martel. Em Espanhol e inglês, sem legendas, infelizmente. 1a. Parte foi postada há alguns dias (scroll pra baixo no blog!)