Saturday, May 16, 2009

Corneliu Porumboiu e filmar o tempo

Vencedor da Caméra d'Or em 2006 por Ao Leste de Bucareste, o realizador romeno apresenta esse ano no Un Certain Regard o excelence Police, Adjective.

Kinatay - A Carne no Terceiro Mundo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Saí agora da primeira experiência em descarrego de energia em Cannes 2009, fator típico desse festival. A semana ainda será longa, mas Kinatay, de Brillante Mendoza, terá lugar cativo nas discussões ao longo dos próximos dias, com os detratores de sempre acusando-o de "o mundo é uma merda e tome merda" e os defensores que terão que rebolar muito para defendê-lo. Eu já tenho um ponto de vista bem claro, já a partir do sobe créditos.

É claramente um filme de horror, não tanto da escola escancarada que a indústria hollywoodiana filma e embala para consumo geral (Hostels, Saws e outras patifarias), onde a idéia de mutilação e morte é apresentada meramente como uma imagem dissociada de humanidade, ou, talvez a humanidade do voyeurismo pura e simples. Em Kinatay, temos uma crônica passo a passo de uma morte, e essa crônica vem acompanhada de uma bússola moral forte.

A exemplo de Serbis, exibido ano passado, Kinatay tem um 'feel' terceiro mundo que me parece bem autêntico, e sendo brasileiro, essa identidade é muito facilmente identificável, especialmente na identidade sonora, aspecto que Mendoza parece adorar trabalhar. As suas cenas de rua têm aquela massa sonora terceiro mundo que conhecemos tão bem, todos os canais do Dolby carregados de ônibus e caminhões pesados, aquela sensação de ruído fora de controle que ouvimos no Largo de Pinheiros, em São Paulo, ou na Avenida Brasil, no Rio, ou na Conde da Boa Vista, no Recife.

Diferente de Serbis, um filme, de certa forma, alegre e ensolarado ao nos mostrar aquele cinema e aquela família, Kinatay é escuro, úmido e miserável. Mendoza filma cru, sombrio e malvado, mas nunca sem perder o ponto de vista moral e humano. Acrescenta na mixagem aquele ruído de mal estar comum no gênero thriller, a sonoridade que acredito existir dentro do intestino de uma baleia, a caverna do mal estar.

Nosso representante no filme é um jovem aspirante a policial, pai de um bebê e casado com uma garota delicada. As cenas de abertura nos levam a crer que veremos um filme diferente, sua relação com a família terna e ajustada.

Para completar o dinheiro da feira, ele é chamado para participar de um trabalho especial pelo seu amigo mais velho, também policial, e que trabalha para uma gangue local. Ao longo da noite, nosso personagem entende que a missão envolve dar uma lição numa prostituta que teria pisado na bola com seus patrões. Ela será espancada, estuprada de maneira particularmente degradante, assassinada com facas e facões, mutilada e seus pedaços espalhados pela cidade, material para mais uma jornada do jornalismo policial local.

No meio do açougue que ele nos apresenta, há um agente da sanidade com tentativa de ver tudo com algum reservatório de delicadeza na figura do rapaz, que prepara-se para assumir a nova geração de lei e ordem desta sociedade, comentário tão forte quanto a necessidade que os membros da gangue, açougueiros temporários, têm de, findo o job, parar para comer carne. Eles precisam acreditar que tudo aquilo não foi nada de realmente importante, embora saibam exatamente o que fizeram.

Questões de gênero me parecem bem certeiras no filme, em especial na questão do corpo da mulher, objeto (sexual) despedaçado, uma boneca de carne desmontada numa longa sequência de dor. É foda, mas tão real, e Kinatay revela-se o verdadeiro filme de gênero (horror) possível, genuinamente, no terceiro mundo.

Filme visto no Debussy, Cannes, 16 de maio 2009

Mais de 10 Minutos de Ovação Para Audiard


+ de 10 minutos de uma ovação impressionante para Le Prophète, de Jacques Audiard, agora, via transmissão ao vivo do final da sessão nos monitores da sala de imprensa. Eu não sei, o filme é bem competente, mas algo nele pega a alma francesa de maneira que não pega os estrangeiros, e Le Prophète tem encantado a platéia nacional, é o primeiro hit de Cannes.

Scorsese apresenta The Red Shoes

Martin Scorsese apresentou ontem na sala Debussy a cópia restaurada de The Red Shoes (Os Sapatinhos Vermelhos), de Michael Powell e Emeric Pressburger. “Esse é o filme que é projetado no meu coração”, disse o diretor de Táxi Driver, Palma de Ouro em 1976, notório defensor do filme. Scorsese interrompeu os trabalhos de montagem de Shutter Island, seu próximo filme com Leonardo DiCaprio, para acompanhar a exibição em Cannes ao lado de sua montadora Thelma Schoonmaker, que foi casada com Michael Powell até o seu falecimento, em 1990.

Estavam presentes na sessão varios cineastas e atores (James Gray, Ang Lee, Tilda Swinton, Rosanna Arquette...), assim como parentes dos realizadores do filme (o filho de Michael Powell, o neto de Emeric Pressburger, a filha e a neta de Moira Shearer...) apresentados por Thelma Schoonmaker.

Martin Scorsese lembrou emocionado da primeira vez que ele viu o filme no cinema, quando tinha oito anos, e dedicou a sessão a Jack Cardiff, o diretor de fotofrafia do filme, falhecido recentemente.

2 Flashes


Rapidinho, vou pro 5o filme do dia.

Le Prophéte (França, 2009, Competição), de Jacques Audiard (De Tanto Bater Meu Coração Parou) foi recebido com gritos de bravo e quase ovação na sessão de imprensa, hoje de manhã. Eu achei o filme uma poltrona e tanto com duas horas e meia, mas, de qualquer forma, interessante, bem feito, bem atuado, mas nada de absolutamente novo a acrescentar à vasta galeria de crônicas do crime onde um pequeno criminoso alcança o PhD do submundo dentro da prisão. Audiard não esconde sua paixão francesa pelo cinema americano clássico, e o resultado é uma competência déjá vu que faz as honras da casa.

Mother (Coréia do Sul, 2009, Un Certain Regard), de Joon-ho Bong, mais uma jóia coreana, desta vez do diretor de Memories of Murder e The Host. A mãe coragem que tenta descobrir o verdadeiro assassino de uma colegial para provar que seu filho mentalmente incapacitado é inocente parece ganhar tratamento oposto ao que qualquer interpretação mundana da sinopse nos levaria a crer que veríamos. Esses coreanos filmam grande, com detalhes maravilhosos, as dores não são sopradas e ainda terminam o filme com um desfecho lindo, aliás, o mais belo final de Cannes até agora.

Sábado



Todo ano dezenas de pessoas perguntam se alguém tem ingresso sobrando, na frente do Palais.

Friday, May 15, 2009

Thirst (Competição)


Só os sul coreanos para nos oferecer algo do tipo

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Com uns dez minutos de projeção do filme sul coreano Thirst, eu comecei a sentir uma alegria de saber que, com eles (os sul coreanos), você pode contar, sempre. Não há outra filmografia que ofereça filmes tão desinibidos em questões narrativas, choques de imagem e idéias loucas, a proverbial "kitchen sink" que os americanos chamam (a pia da cozinha, jogada na fogueira se preciso), flertando ainda com o 'fantastique'. Esses filmes coreanos parecem algum tipo de "evil twin", o irmão malvado do que Hollywood faz, sem amarras ou medo de ofender.

Thirst (Bak-Kwi) se passa no mundo fantástico, com o tipo de desprendimento que nós aprendemos a esperar do cinema coreano, a cinematografia que melhor transforma gêneros normalmente tidos como hollywoodianos em escritas próprias, em muitos aspectos melhorando o tipo de coisa que normalmente vemos. Nesse caso, o gênero “vampiro” ganha uma roupa nova toda bordada com detalhes impossíveis. Ela vem também toda melada de sangue.

Thirst é o segundo filme de vampiro em um ano a nos dar algo de novo nesse tipo de narrativa marcada por seres humanos que precisam se alimentar de sangue humano, que são alérgicos à luz solar sob o risco de virarem cinza e ainda donos de novos super poderes físicos.

Como no excelente filme sueco Let The Right One In (2008, ainda inédito no Brasil, ver texto no blog), Park Chan Wook parece estar em casa com uma história calculadamente provocadora. Seu personagem principal é um padre católico (coreano), interpretado por Kang-ho Song, que fez The Host. Ele doa-se para uma pesquisa científica na África como um São Francisco de Assis moderno lidando com uma nova lepra, volta de viagem com um diagnóstico bem claro de vampirismo.

Os sintomas são enorme força física e vigor sexual, a segunda aquisição incompatível com a batina, algo que deverá fazer do filme algo de controvertido nos círculos católicos. Na Coréia do Sul, onde Thirst já foi lançado, dois milhões de sul coreanos viram o filme, que foi produzido com dinheiro da Universal americana. Imaginar que uma doidera dessa é um blockbuster no seu país de origem não apenas me causa admiração, mas também me inspira algum medo.

Park Chan Wook, dono de um humor terrível, e lançando mão de todos os efeitos especiais que a sua imaginação põe para excelente uso, cria um senso constante de demência que desconcerta a platéia durante toda a projeção, alguns, inclusive, preferem bater em retirada. Ele enrola bastante os procedimentos na metade do filme, como se à procura de um roteiro, mas a parte final iguala, felizmente, a ferocidade da primeira metade, e fica uma sensação de satisfação aliada à idéia de que o que acabamos de ver não é nada normal.

Especialmente forte é a questão da carnalidade, uma vez que nosso padre encontra uma parceira à sua altura e perfil sanguíneo, oferecendo mais uma leitura animadora de Thirst, a da história de amor louco, onde amantes não apenas se beijam e fazem amor, mas se alimentam um do sangue do outro, se chupando com todos os suc-sons que somos capazes de fazer em momentos íntimos.

Também curiosa é a forma como esse padre sensato tenta dominar seus instintos chegando a poupar vidas com seu respeito ao ser humano (é um frequente consumidor de sangue de pacientes em coma via tubos intravenosos). Já a sua fêmea, instigadíssima pela energia sexual do vampirismo, sente enorme prazer em trucidar pobres coitados que encontra pela noite, uma irresponsável, lindamente terrível.

E pensar que Park Chan Wook acha espaço até mesmo para duas misteriosas baleias no seu filme apenas sugere o tipo de tratamento 100% livre de razão e restrições orçamentárias que parecem marcar esses coreanos malucos. Freak out total, com estilo.

Filme visto na Sala Bazin, Cannes, Maio 2009

'Gatos Persas': Cinema 'Nações Unidas' em Cannes




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Cannes às vezes passa a sensação de ser uma espécie de Organização das Nações Unidas do Cinema (ONUC), tribuna para que artistas do mundo ponham para fora questões políticas importantes dos seus países. Isso parece estar à frente do cinema em si, como é o caso de Spring Fever (Febre de Primavera, título internacional, mas que na França chama-se Nuits d’Ivresse Printanière, ou Noites de Embriaguez Primaveril) e Kasi Az Gorbehaye Irani Khabar Nadareh (Gatos Persas). Há um breve exto abaixo sobre Spring Fever.

Os dois foram feitos com câmeras digitais, projetados em digital, e produzidos na surdina, longe dos olhares oficiais da censura que, se soubessem que estavam sendo filmados, não deixariam, tanto na China como no Irã.

Os laços dessa produção chinesa com o filme iraniano são muitos. Gatos Persas também foi feito longe da aprovação oficial e mostra um grupo de jovens rappers, guitarristas, cantores, produtores de musica pop que tentam fazer o que fazem bem baixinho para que ninguém ouça, e que isso não os leve à prisão e às chibatadas. A ironia de músicos pop que querem tocar alto em porões e no campo para que a própria musica não leve à repressão, ao mesmo tempo em que cantam a falta de liberdade e perspectivas é um tema muito interessante.

Gobadi (conhecido no Brasil por Tempo de Embebedar Cavalos) partiu para fazer um filme urbano que poderia se passar no Rio de Janeiro ou em Marseille, excento pelo peculiar clima de repressão linha dura do Irã hoje, aspecto avaliado recentemente em Persépolis, que divide com esse filme pelo menos um incidente envolvendo a morte de um jovem.

Encontrei Gobadi hoje à tarde, ele disse que a maior parte dos atores e não-atores que aparecem no filme já não estão mais no país, e que a situação deles, se lá estivessem, seria difícil. “Eu mesmo não quero mais voltar para o Irã, pois meu país me deprime. Quero me estabelecer em Berlim e criar uma produtora que estimule jovens iranianos que não tem como sed expressar no Irã, músicos, cineastas, escritores”, nos disse.

Essa vontade de mostrar essa juventude faz o filme explodir em clipes efusivos a cada cinco minutos, como se de repente estivéssemos vendo a MTV Irã, e logo suspeitamos que Gatos Persas é um filme desesperado por transmitir uma mensagem.

Blog de Dhália

Heitor Dhália está em Cannes com seu filme À Deriva (Un Certain Regard), e fomos informados que também com um blog, no http://diariodecannes.blog.terra.com.br.

Air Doll



Embora Air Doll seja decepcionante, o filme do Kore-Eda (na terceira foto, com equipe) tem até agora o mais interessante material de imprensa, com capa inflável e válvula de soprar. Veja a demonstração feita por dois modelos.
(fotos Emilie Lesclaux)

Corneliu Porumboiu


O realizador de Ao Leste de Bucareste apresentou "Politist, Adjectiv" (Un Certain Regard), meu filme preferido até agora, em Cannes 2009. É da Romênia.

Em Marcha



Pedro Costa apresentou hoje Ne Change Rien, na Quinzena.

Kang-ho Song, de 'Thirst', de Park Chan Wook



O novo filme do diretor de Old Boy é mais um freak out maravilha, do tipo que só os sul coreanos são capazes de nos fornecer. Na competição. (foto KMF, durante sessão de entrevistas, hoje, em Cannes). Kang-ho Song fez The Host.

Thursday, May 14, 2009

Tetro (Quinzaine)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Francis Ford Coppola apresentou hoje em Cannes seu filme mais recente, Tetro, atração de abertura da Quinzena dos Realizadores, que acontece no Hotel Noga Hilton. A projeção do filme foi seguida de um debate entre a platéia e o realizador, que estava acompanhado da sua esposa Eleanor, do filho e assistente Roman Coppola, do ator americano Alden Ehrenreich e da atriz espanhola Maribel Verdú.

Coppola, pode-se dizer, é membro honorário de Cannes, ganhador de duas Palmas de Ouro no festival nos anos 70 (A Conversação e Apocalypse Now). Em Tetro, fez um filme pequeno, em digital, rodado na Argentina, espécie de volta ao tipo de cinema independente de autor que sempre quis fazer. Os resultados, no entanto, não são muito animadores, exceto pelo fato de ele estar novamente livre para fazer o que quer.

“Onde está Vincent Gallo?”, foi a pergunta que o próprio Coppola fez ao microfone, ao sentir a falta do seu ator principal no palco do Noga. Gallo (ator, roteirista e também cineasta, conhecido pelo seu notório – em Cannes – The Brown Bunny) interpreta um escritor americano arredio chamado Tetro, casado com uma argentina. Querendo manter-se longe da família nos EUA, ele mora no bairro boêmio de La Boca, em Buenos Aires, e recebe a visita do irmão caçula dele, Bennie (Ehrenreich), de 17 anos, na cidade porque o navio de cruzeiro onde trabalha sofreu uma pane.

Dos quatro filmes vistos até agora por mim em Cannes, todos foram projetados digitalmente, e Tetro tem um sabor especial. Já há 26 anos, Coppola apresentou, em No Fundo do Coração (One From the Heart, 1982) um esboço de “cinema eletrônico”, idéia então revolucionária que viria trazer avanços no processo de produção de filmes. Naquela época, Coppola parecia estar à frente do seu tempo.

No caso de Tetro, a exemplo do seu último filme (inédito no Brasil comercialmente), Youth Without Youth (2007, filmado na Romênia), a produção é toda dele através da sua produtora American Zoetrope, e pretende inclusive distribuir ele mesmo o filme, sem a participação de terceiros.

Rodado em tela larga e alta definição, Tetro é quase todo em preto e branco (salvo cenas que mostram o passado, a cores), com uma imagem moderna de vídeo em alto contraste. Objetivamente, duvidamos se o filme terá um lançamento internacional nos cinemas, uma vez que a última safra de Coppola tem se mostrado distante, para dizer o mínimo, do cinema que o tornou um gigante há 30 ou 40 anos com filmes como O Poderoso Chefão. Difícil lidar com um autor no presente quando seu passado é tão impressionante.

E o peso desse tipo de cobrança parece pegá-lo com força nos nervos, a julgar pela forma como respondeu a uma indagação de um fã declarado que pegou o microfone durante o debate pós sessão. “Você quer saber qual a diferença entre Tetro e O Poderoso Chefão? Eu vou te dizer. 22 mortes a tiro, uma por garrote, um carro bomba, quatro mortes a faca, essa é a diferença”, encerrou curta e grosseiramente.

Como bem lembrou um crítico mexicano, o filme tem algo de O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish) na relação entre um irmão caçula e seu irmão mais velho. Essencialmente, há uma leitura mais abrangente em direção ao tema da família, e nesse sentido é impossível não lembrar mesmo de O Poderoso Chefão, ao mesmo tempo em que sabemos que as relações apresentadas no filme entre os dois filhos de uma família de artistas tem pararelos com a própria família Coppola. Seu pai, Carmine, foi músico, enquanto Francis é pai não apenas de Roman mas de Sofia Coppola, cuja carreira como cineasta autora já está firmada.

Em Tetro, o pai (interpretado por Klaus Maria Brandauer) é um grande regente, a mãe uma cantora de ópera, e a pressão nos dois filhos sempre foi enorme, levando o mais velho a escrever sem nunca ter a pretensão de dar um final aos seus escritos, muito menos publicá-los. A chegada do irmão caçula, que também tem uma visão artística de mundo no sangue, irá provocar mudanças e trazer revelações importantes.

“Creio que o tema família é recorrente nos meus filmes, nunca me desgrudei da minha mulher e dos meus filhos. Até mesmo em Apocalypse Now, moramos três anos nas Filipinas, sempre inventava sistemas para que ficássemos juntos”. Perguntado se o filme refletia algo verídico das suas relações familiares, ele respondeu “nada do que está no filme aconteceu, mas é tudo verdade”.

Coppola confirmou as notícias sobre a escolha de colocar Tetro na Quinzena dos Realizadores (mostra paralela) e não na seleção oficial. “Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu com Apocalypse Now em 1979, o filme na época não estava pronto, daí me ofereceram passar fora de competição. Argumentei que, já que passaria com todos os filmes, porquê não colocá-lo em competição? Esse ano, sugeriram programar Tetro fora de concurso, me prometeram o tapete vermelho e uma sessão de gala, mas achei melhor aceitar o convite de Olivier Pére da Quinzena, que tem um perfil histórico de valorizar filmes de autor como este”, disse.

“Desde O Poderoso Chefão que faço questão de incluir a autoria do material, que não vejo como minha. Sem nenhuma obrigação contratual, inseri “O Poderoso Chefão, de Mario Puzo”, o mesmo com “Drácula, de Bram Stoker”. Em Tetro, que eu escrevi, não tive nenhum problema em assinar o filme como meu, “Francis Ford Coppola’s Tetro”.

Filme visto no Noga, Cannes, 14 de Maio 2009

Coppola


Chegada de Francis Ford Coppola no Palais Stéphanie para o debate depois da sessão de Tetro - 14/05/2009


Coppola responde a pergunta sobre semelhanças entre o filme Tetro e a sua própria vida.


Coppola responde a pergunta sobre diferenças entre Tetro e O Poderoso Chefão.


Coppola explica porquê Tetro acabou passando na Quinzena dos Realizadores.


Coppola fala sobre o processo de escrever o roteiro de Tetro.

Da Série Filmes Estranhos do Mercado de Cannes

Exploitation cinema! Só nas revistas de hoje, pesquei essas pérolas (adoro os slogans...). K.M.F


"Quando as luzes se apagam... a comilança começa." ahem.

"Cassie deixou de trabalhar como stripper. Agora ela vai começar a mandar bala". Yeah!

Sem comentário, mas o filme tem Pamela Anderson e um cara chamaqdo Brock.

Digital

Dos quatro filmes que eu vi até agora - Up, Spring Fever, Tetro e Hotaru (Kawase), todos foram projetados digitalmente.

Coppola


Ele apresentou hoje em Cannes Tetro, na Quinzena.

Wednesday, May 13, 2009

A Imagem


Menina na frente de um filme...

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


No post sobre Let The Right One in (scroll lá embaixo), Ricardo Lessa pergunta sobre imagem Full HD e como se compara com o melhor que se oferece em Cannes. Já no ano passado, a projeção do 24 City do Jia Zhang Ke (em HD), no Palais, (e, dois anos antes, a do Climates, do Ceylan), meio que jogou para o espaço a noção de filme/vídeo. Esses dois exemplos são claramente demonstrações de que devemos nos liberar de uma vez por todas daquela relação quase que umbilical com a chamada "imagem de cinema" (no sentido película, 35mm).

Hoje, com a projeção de Up, em Digital 3D, mais uma vez vem essa certeza, a imagem "de cinema" virou uma coisa mutante, e ela pode, inclusive, ser a imagem clássica de cinema, do batimento da película. Isso, claro, é algo bem diferente do que foi visto hoje no filme da Pixar. Outra coisa: há o que reclamar de uma imagem daquela? Para mim, não, mas queixas poderão ainda ser feitas, todas elas, creio, do ponto de vista estético, mas não técnico, imagino.

A seleção de Cannes 2009 ainda vem aí com novos filmes de defensores ferrenhos e orgulhosos do filme película, Quentin Tarantino um deles, e é certo que esse festival é o melhor lugar do mundo para criar parãmetros da imagem projetada em cinema, aspecto, aliás, que, para mim e para muitos, é uma parte essencial da experiência. Isso, claro, revela a vala que há entre uma situação de qualidade perseguida como esta aqui e o que temos na vida real de um multiplex.

E é aqui que tento responder ao Ricardo. Hoje, a tecnologia chegou ao nível estarrecedor de permitir que alguém tenha em casa uma imagem cinematográfica melhor (mais limpa, mais nítida, mais focada, mais equilibrada nas cores) do que a grande maioria das salas de cinema que operam no mundo. Adoraria estabelecer uma porcentagen dessa "grande maioria", mas eu realmente não saberia especificar.

Ex: a projeção 3D do Box Cinemas, no Recife, é escura e sem cor. De fato, o vermelho lá não existe.

No Estação Botafogo 1, no Rio, a imagem digital da Rain é inaceitável, escura e sem definição.

Na sala 3 (sala grande, de prestígio), do UCI Boa Viagem, no Recife, os blockbusters parecem sempre tristes, cabisbaixos.

Para não me acusarem de negativismo, porquê as salas comerciais não têm a imagem e o som do Kinoplex UCI Ribeiro Plaza Casa Forte? Será porque o equipamento é novo?

Sobre essa imagem em casa, gostaria de diferenciar o ver um filme num monitor (LCD/Plasma) de um filme da experiência de ver o mesmo num projetor Full HD. Esse segundo permite essa coisa lúdica de um facho de luz efetivamente projetado numa superfície, ou seja, há, de fato, uma aproximação do sentido de cinema, sala escura, etc. Essa aproximação seria válida?

Em fevereiro, Berlim fez a já discutida aqui 70mm Retrospektive, e mais uma vez me peguei me policiando. Aquelas imagens, daqueles filmes, pertencem ao passado emotivo da experiência cinematográfica. Elas são incríveis e cristalinas, e talvez tenham sido ainda mais no tempo em que existiram (décadas de 50, 60, 70, 80). Hoje, diante de uma projeção Full HD em casa, ou na frente dos balões coloridos da Pixar, tenho clara e nitidamente a idéia de que nunca fomos tão mimados, e de que a tecnologia é capaz de fazer as cores e as sombras os elementos mais corriqueiros que os olhos têm. Esse é o perigo, pois elas não são.

PS: Up passou com legendas em francês, negando a grita coordenada de exibidores e distribuidores brasileiros de que filmes em 3D não podem ser legendados,,, Pelo que eu vi hoje, é possível sim, e toda essa pequena polêmica (divulgada no Filme B, recentemente) me cheira a uma manobra comercial para estimular a dublagem no Brasil.

Spring Fever (Competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Spring Fever (CHUN FENG CHEN ZUI DE YE WAN), de Lou Ye, passou agora há pouco para a imprensa. Ye esteve em Cannes há alguns anos com o controvertido Summer Palace, excelente dramalhão sobre estudantes apaixonados numa China de mudanças históricas. Em Spring Fever, a vocação de Ye para a controvérsia (Summer Palace foi proibido na China, conteúdo sexual não bateu bem) continua intacta, embora fique a suspeita de que controvérsia talvez seja o forte do filme.

Lendo os créditos de abertura e vendo que fundos de apoio a cinematografias distantes como o Fonds Sud (francês) consta lá na tela fica fácil relativizar questões de interesse (francês) no grande tema que vem da China já há alguns anos: mudanças.

Spring Fever é essencialmente uma historia de amores e amantes, começando com o homem casado que tem um amante, a descoberta violenta da sua esposa traída através do trabalho de um detetive por ela contratada, o envolvimento do detetive com o amante, para o desespero da namorada do investigador.

O homossexualismo filmado não é exatamente algo que vemos todo mês no cinema chinês, e podemos apenas imaginar as implicações de um filme que o mostra sem pudor na tela poderá ter na grande nação que é a China, dona de um jeito muito específico de lidar com questões tidas como tabú.

Para olhos ocidentais, vale relativizar isso e ainda adicionar o pano de fundo de um país que continua (como todos os paises, na verdade, no mundo globalizado), talvez mais ainda do que a media, tentando entender quem é, ou o que pode ser. A ruptura com a tradição, o passado, está tudo aí, num drama que se contorce com as indecisões e as neuroses típicas de quem ama. Curioso, mas longe de ser notável.

Filme visto na Debussy, Cannes, Maio 2009

Up (filme de abertura)


O marketing da Disney/Pixar espalhou bola por toda a Coisette, hoje, antes da cerimônia de abertura. (foto KMF)


Curioso que antes de ser 3D na projeção, o filme é tri-dimensional no que realmente importa...

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


“A beleza do filme em terceira dimensão (3D) está nos ingressos mais caros”, proclamou ontem a revista Variety, principal publicação da indústria hollywoodiana, em matéria de capa sobre o filme de abertura da 52a edição do Festival de Cannes, Up (EUA, 2009), que estréia no Brasil em setembro. A conversa assustadora de mercado ilustra apenas um lado do filme, que registra no que realmente interessa como o mais novo e belo exercício em soberania criativa da muito admirada Pixar, oásis artístico que mantém acordo lucrativo de distribuição com a poderosa Disney. Up é a primeira animação da história do festival a ser convidada para abrir Cannes e foi exibido ontem para a imprensa com excelente recepção. A platéia viu o filme com os indefectíveis óculos especiais para projeção 3D.

Cannes vinha mantendo uma relação amorosa com o maior concorrente da Pixar, o super produtor Jeffrey Katzemberg, ex cabeça da Disney (de onde saiu brigado nos anos 90) e à frente da sua própria Dreamworks Animation.

A relação amorosa de Cannes com Katzemberg atingiu níveis incompreensíveis com a projeção no Palais de Shrek 2 e, por último, Kung Fu Panda, precisamente o tipo de animação genérica e estridente que tem faturado horrores no mesmo mercado que Katzemberg (Monstros Vs. Alienígenas é o seu último produto) estimula rumo à transição 35mm/3D digital.

Observadores da indústria vêem o destaque dado a Up como uma derrota para o chefão da Dreamworks e um empurrão para o formato 3D, que tem em 2009 um ano decisivo de virada com o lançamento não apenas de UP (estréia nos EUA em junho), mas de Avatar, o esperado primeiro filme de James Cameron depois do sucesso planetário de Titanic, há 12 anos.

Se no Brasil, o 3D ainda engatinha (mas rapidamente) no número de salas (no Recife, há apenas uma, no Box Guararapes), espera-se que até o final do ano, os EUA tenham dois mil cinemas equipados com a tecnologia, tendência que também alastra-se pela Europa. Para se ter uma idéia, a Variety informou ontem que filmes em 3D ocupam 20% das salas, mas rendem 50% da bilheteria por causa dos ingressos mais caros.

LASSETER - Em Cannes esse ano, John Lasseter, o chefão fundador da Pixar, diretor dos dois Toy Story, Vida de Inseto e Carros, sai por cima. Lasseter é o cabeça por trás de todos os clássicos modernos da Pixar, com filmes que praticamente redefiniram a animação moderna, e seu trabalho irá receber o reconhecimento do próximo Festival de Veneza com um prêmio de reconhecimento pela sua carreira. Veneza também irá exibir as versões modificadas para 3D dos dois Toy Story (originalmente 2D). Lasseter foi o mais solicitado durante a coletiva de imprensa ontem, logo após a projeção de Up”.

“Em algum ponto de seus processos de produção, os filmes da Pixar ameaçaram resultar em alguns dos piores filmes que o cinema teria visto. Digo isso pois o processo de criação toma idas e vindas impressionantes”, disse Lasseter. A colocação não deixa de soar irônica, especialmente após a apresentação de Up, dirigido por Pete Docter e Bob Peterson, e onde Lasseter é produtor.

O filme é apresentado como o primeiro lançamento do estúdio em formato 3D (Disney Digital 3d® é a marca oficial), mas curiosamente, abusar dos conhecidos efeitos do formato (coisas sendo arremessadas na cara do espectador, amplificado pelo tal ‘efeito 3D’) é algo que Up claramente prefere não fazer. O filme, na verdade, nos lembra que bem antes de imagens “em terceira dimensão”, o mais importante é ter um filme em diferentes relevos não só em termos de imagem, mas também na construção dos seus personagens, no relevo da própria narrativa.

Lasseter defendeu o formato 3D com o toque especial Pixar: “É uma maneira de fazer o espectador entrar no filme mais rapidamente, nesse sentido, a técnica é fantástica”, disse, “mas de fato preferimos manter os chamados ‘efeitos 3D’ sob as rédeas”. Nesse sentido, essa historinha de tons fantásticos termina sendo um interessantíssimo golpe autoral, pois funciona em múltiplos níveis.

Para o mercado, é um filme 3D, com animação de qualidade que continua surpreendendo, mas que ejeta os excessos deslumbrados do formato. Espectadores atentos poderão perceber que é também um filme tristíssimo sobre a velhice que, através de pulos de imaginação e algo que só pode ser descrito como ‘mágica’, poderá matreiramente enganar milhões com enorme senso de humor e acurado domínio de cenas de ação. Up é muitas vezes engraçadíssimo, com destaque especial para o elemento cachorro.

Olhando direitinho, temos uma obra que compartilha afinidades com a outra surpresa americana vista esse ano, Gran Torino, de Clint Eastwood. Nos dois filmes, homens aposentados que enfrentam não apenas a velhice, mas processos recentes de viuvez, e que passam boa parte dos seus dias nas varandas de suas casas, vêem-se numa relação relutante de amizade com meninos orientais que tornam-se grandes amigos.

A primeira parte é muito triste, narrada em termos puramente visuais, praticamente sem diálogos, a história de vida de Carl (voz de Ed Asner na versão original) e sua relação com a esposa que não podia gerar filhos. Repentinamente, temos uma guinada muito suspeita para a fantasia rasgada quando Carl, que na juventude sonhava com uma vida de aventura, decide partir com a casa onde viveu o seu amor com a esposa rumo ao céu, a casa içada por milhares de balões coloridos, levando sem saber Russell, um escoteiro de oito anos de idade que tentava ser prestativo para o senhor resmungão.

Há algo de desconcertante na imagem poética de uma casa voando com o auxílio de balões coloridos de festinha de aniversário. Talvez a imagem funcione como divisória entre fantasia e realidade, poesia e invenção, aspectos que a máquina de marketing da Disney conseguiu traduzir com grande propriedade na Croisette, em Cannes, à beira-mar, ontem, com milhares de balões em forma de um grande balão, para marcar a passagem do filme pelo festival.

Impossível também não lembrar da história do padre brasileiro Adelir Antônio de Carli, que sumiu pelos céus como Carl, e cujo fim trágico no mar foi muito divulgado como amargo lembrete de que a poesia muitas vezes não resiste à dureza da gravidade. Dependendo do olhar.

Filme visto no Debussy, Cannes, Maio 2009

UP

O dia hoje foi de Up, da Pixar, filme de abertura que coloriu a Croisette com o tipo de fanfarra publicitária que se espera de Hollywood (foto: KMF).

A Pixar acerta outra vez. O filme é engraçado, poético e muito triste, aspectos que expressa através de uma articulação puramente visual.

Cannes 1


A fachada do Debussy, quarta pela manhã (foto Emilie Lesclaux)

Favor devolver os óculos... Saída de Up, filme de abertura da Pixar

Monday, May 11, 2009

Låt Den Rätte Komma In (Let The Right One In)



Essa cena da piscina e o sentido de mise en scène... er... impressionam. Bravo...

Por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Depois de preparar os detalhes de viagem para Cannes, consegui finalmente ver ontem à noite Let The Right One In (Låt den rätte komma in), numa noite escura de chuva no Recife marcada pelo que chamo de “lobisomem de Setúbal”, um cão monstro desconhecido cujo uivar ganha o espaço aéreo do bairro, soando como um jumento que agoniza. Qualquer dia posto esse som louco aqui.

Sobre Let The Right One In, umas 30 pessoas tinham me falado com enorme entusiasmo do filme, e não é difícil admirá-lo. Passa como um presente de natal para quem tem particular apreço pelo ‘cinéma fantastique’, gênero que Hollywood tanto explora como destrói constantemente através de templates insuportáveis que parecem travar filmes num impasse debilóide para o consumo de um público tido como tal. (NOTA: se encontrar Eli Roth em Cannes – faz parte do entourage de Tarantino no Inglorious Basterds - lembrar de chamá-lo de otário).

Eu não diria que o aspecto a seguir independe do filme em si, pois é a partir dele que me ocorreu mais uma vez essa questão de identidade. Mesmo assim, não deixa de ser fascinante ver um filme de vampiro/horror repensado/remixado por uma outra cultura, nesse caso, a sueca.

O filme é um exemplo a ser citado num mercado internacional que, cada vez mais, investe em produtos globalizados falados em língua local, mas que nada mais são do que enlatados For Export em caixas marcadas HOLLYWOOD FUCK ME. Coisas tipo o espanhol O Orfanato ilustram esse tipo de cinema portifólio feito para flertar com os estúdios, e, creio, pouco mais do que isso.

Eu não ficaria surpreso se o diretor de Let The Right One In, Tomas Alfredson, fosse chamado para trabalhar em Hollywood, mas imagino que para se adequar ao esquema ele teria que perder um braço, ou levar eletrochoque até ficar balbuciando “money... money”. Pelo que eu vi no filme, o remake americano vai rebolar para ignorar o tom distinto do original, encaixando-se na estética moral do PG-13.

Curiosamente, o filme bate ponto em praticamente todos os procedimentos do gênero vampiro, da permissão para entrar em casa do titulo à capacidade de combustão espontânea do sangue suga em contato com a luz solar, ou mesmo sua força física sobrenatural de ser preso num limbo natural e espiritual. Esses clichês são adotados e desenvolvidos com enorme naturalidade, e logo o espectador irá acreditar que vampiros existem.

No entanto, é a coisa dos detalhes outra vez, e o filme te leva direitinho com um alcance que impressiona, tanto no horror como no ar de fábula doce sobre a beleza, a necessidade e a tristeza do amor.

No horror, Let The Right One In deixa claro que a potência de um momento vem do enquadramento inteligente de detalhes assustadores que invadem o quadro, ou que uma cena de impacto deve necessariamente ser vista em plano aberto, pois só assim nos confrontamos com o impossível.

Esse horror, ou momentos de PAVOROSO horror, não funcionaria se a história de Oskar e Eli não funcionasse como uma fábula de primeiro amor, com a lógica interna de uma fábula infantil que poderia se passar numa floresta, mas que, aqui, ganha o cenário de um bairro classe média sueco coberto de neve, no que aparenta ser os anos 80.

E há inúmeros aspectos que enriquecem e fortalecem o filme a partir de coisas que não são ditas, pois Let The Right One In suspeita que o espectador é inteligente, e que tem compaixão e que entende a mecânica da dependência no outro, e como amores antigos se desfazem e como outros novos surgem. Belo filme.

BLU-RAY – Eu vi o filme no Blu-Ray americano, numa projeção Full HD. Eu ainda estou me acostumando com o formato, o que significa que, a cada nova sessão, o queixo volta a cair. A fotografia do filme é de uma precisão que beira o maneirismo, mas logo você entende que as mudanças de foco e as cores que quebram o branco da neve são profissa. Vale deixar uma menção honrosa para o pessoal do som (DTS Máster HD 5.1, o bicho) de Let The Right One In, é uma mixagem linda. A tal cena da piscina é um momento especial nesse filme, não só pelo que você acha que está vendo, mas pelo que você acredita estar ouvindo.

Cannes 2009: Expectativa


Flickr uma das ferramentas esse ano


Cannes 2007. Na verdade, eles estavam à espera de Julianne Moore, no QG da Quinzena dos Realizadores, que exibiu Savage Grace...

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Hello and welcome. Pelo 11o ano, estarei em Cannes vendo filmes e escrevendo. Como sempre, estou credenciado pelo Jornal do Commercio no Recife e pelo próprio CinemaScópio. A cobertura é feita com apoio da Aliança Francesa, do Recife.

Eu tinha prometido o N*O*V*O CinemaScópio para essa cobertura, mas o mesmo ainda encontra-se em fase de testes. O espaço, portanto, será este. Pena...

Por outro lado, do ponto de vista técnico, isso não muda em absolutamente nada, pois a cobertura esse ano tem todas as ferramentas disponíveis para texto, foto e vídeo. O que eu ensaiei ano passado espero poder fazer mais ainda esse ano, com muita coisa interessante em imagem e som que ajude a passar um pouco do que Cannes é, e de como funciona.

Portando, seguem instruções:

Cobertura CinemaScópio: Modo de Usar

Links:
http://cinemascopiocannes.blogspot.com/
O meu blog e onde eu posto sempre, às vezes ao vivo.

http://www.flickr.com/photos/cinemascopio
Projeto ainda em construção, mas que receberá as minhas melhores fotos de Cannes esse ano. E se não visitou ainda, visite, tem cerca de 150 fotos do meu arquivo pessoal (não necessariamente relacionadas a Cannes ou ao cinema).

http://www.youtube.com/cinemascopio
O canal do CinemaScópio do You Tube vai receber material em vídeo feito em Cannes e postado/linkado no blog.

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=357512
A comunidade do CinemaScópio.

A cobertura também poderá ser lida em formatos e edições diferentes nos:
http://www.jc.com.br
http://www.af.rec.com.br


No mais, chego em Cannes terça, início da noite, a correria começa quarta de manhã com a sessão de imprensa de UP, da Pixar.

Gd abraço, Kleber

Happy Go Lucky


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Não vamos aqui tentar definir o sentido de felicidade para o ser humano, mas sabe-se que é uma sensação desejada por muitos e que, na melhor das hipóteses, é ela que dá algum sentido à vida. Por ser tida como tão rara por tantos, a noção de ser feliz pode muitas vezes passar uma idéia de utopia, ou, para os mais pessimistas, prova irrefutável de ignorância perante o mundo cruel que nos cerca... Talvez seja isso que nos leva a ver com estranha e inicial suspeita aqueles que estão sempre esgravatando os dentes, caso claro da super-pra-cima heroína Poppy do novo filme do cineasta inglês Mike Leigh, Simplesmente Feliz (Happy Go Lucky, 2008).

Ecos do último filme de Leigh, Vera Drake, um drama cavernoso sobre aborto na Londres sombria do pós-guerra, não serão encontrados em Simplesmente Feliz. Na verdade, a filmografia de Leigh tem uma tendência para o pessimismo, e não são raras as análises pavorosas que ele já nos deu sobre a vida em sociedade (Naked talvez o exemplo mais extremo), muito embora ecos mais leves do passado surjam ao longo da projeção (Garotas de Futuro, Topsy Turvy).

Já na resplandecente seqüência de abertura desse filme novo (lembra algo de A Noviça Rebelde), Londres é filmada em alegre tela larga com sol e tons claros, onde vemos Poppy (Sally Hawkins, Urso de Ouro de Melhor Atriz em Berlim, ano passado) sorrindo para o mundo na sua bicicleta primaveril. Quem é essa doida?

A beleza do filme é nos mostrar, aos poucos, que doida ela não é, e que seu talento para o equilíbrio emocional e visão aberta do mundo é uma dádiva que tem efeitos positivos não só para ela, mas também para os que a cercam, incluindo boa parte dos que vêem o filme. Poppy é também chegada a ataques de riso toda vez que a situação engrossa, mesmo que isso inclua uma crise aguda de dor na coluna.

Ela é uma professora primária que gosta do que faz, e as crianças parecem gostar dela. Tem 30 anos e um pequeno grupo de boas amigas, juntas conversam muito e riem bastante. Julgar os outros não é algo que Poppy faz normalmente, mas mostra-se firme e forte quando sua irmã a julga com o tipo de parâmetro social que, na verdade, sabemos, é um gerador de infelicidade crônica para tantos, talvez, inclusive, para a referida irmã.

Obviamente que personagem tão equilibrado e em paz consigo mesma precisa, para fins narrativos, administrar outros não tão quietos, e Leigh nos fornece uma pequena galeria de neuroses que Poppy tentará administrar. Curiosamente, essa professora vê-se na posição de aluna de dois instrutores claramente carentes emocionalmente. A primeira, com excelentes resultados cômicos, dá aula de flamenco na seqüência que estreita laços entre o cinema de Leigh e o de Pedro Almodóvar.

O segundo personagem chama-se Scott (Eddie Marsan), professor de auto-escola para uma Poppy que viu o roubo da sua estimada bicicleta como uma chance de a mesma (a bicicleta) finalmente deixar o ninho e ganhar a vida. E é tentando aprender a dirigir que ela encontra esse homem pura e simplesmente infeliz, maluco beleza típico do vasto zoológico humano que Leigh e seu olhar inglês ranzinza já nos deu na sua filmografia.

Metódico, neurótico e sub-desenvolvido emocionalmente, Scott transforma seu óbvio amor por Poppy numa série de pequenas agressões típicas da 1a ou 2a série do primário, situação humana e tanto que Leigh, Hawkins e Marsan negociam com rara felicidade, uma vez que a graça anda de mãos dadas com uma certa tristeza absoluta.

Há aquela cena clássica de Noivo Neurótico Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), onde Woody Allen pára um casal ensolarado na rua e pergunta o porquê de tanta felicidade – “Eu sou uma pessoa rasa e vazia, e ele também”, responde a mulher. Obviamente que é uma visão pessimista típica do Allen mais jovem para um mundo que vende a felicidade e a alegria como produtos que podem ser comprados.

Simplesmente Feliz, no entanto, consegue mostrar com grande naturalidade que o otimismo no cinema não precisa necessariamente ser obtido a golpes de marreta como nas imagens publicitárias de uma comédia romântica, mas através da observação generosa de certos movimentos da própria vida.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fevereiro 2008