Wednesday, May 13, 2009

Up (filme de abertura)


O marketing da Disney/Pixar espalhou bola por toda a Coisette, hoje, antes da cerimônia de abertura. (foto KMF)


Curioso que antes de ser 3D na projeção, o filme é tri-dimensional no que realmente importa...

Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


“A beleza do filme em terceira dimensão (3D) está nos ingressos mais caros”, proclamou ontem a revista Variety, principal publicação da indústria hollywoodiana, em matéria de capa sobre o filme de abertura da 52a edição do Festival de Cannes, Up (EUA, 2009), que estréia no Brasil em setembro. A conversa assustadora de mercado ilustra apenas um lado do filme, que registra no que realmente interessa como o mais novo e belo exercício em soberania criativa da muito admirada Pixar, oásis artístico que mantém acordo lucrativo de distribuição com a poderosa Disney. Up é a primeira animação da história do festival a ser convidada para abrir Cannes e foi exibido ontem para a imprensa com excelente recepção. A platéia viu o filme com os indefectíveis óculos especiais para projeção 3D.

Cannes vinha mantendo uma relação amorosa com o maior concorrente da Pixar, o super produtor Jeffrey Katzemberg, ex cabeça da Disney (de onde saiu brigado nos anos 90) e à frente da sua própria Dreamworks Animation.

A relação amorosa de Cannes com Katzemberg atingiu níveis incompreensíveis com a projeção no Palais de Shrek 2 e, por último, Kung Fu Panda, precisamente o tipo de animação genérica e estridente que tem faturado horrores no mesmo mercado que Katzemberg (Monstros Vs. Alienígenas é o seu último produto) estimula rumo à transição 35mm/3D digital.

Observadores da indústria vêem o destaque dado a Up como uma derrota para o chefão da Dreamworks e um empurrão para o formato 3D, que tem em 2009 um ano decisivo de virada com o lançamento não apenas de UP (estréia nos EUA em junho), mas de Avatar, o esperado primeiro filme de James Cameron depois do sucesso planetário de Titanic, há 12 anos.

Se no Brasil, o 3D ainda engatinha (mas rapidamente) no número de salas (no Recife, há apenas uma, no Box Guararapes), espera-se que até o final do ano, os EUA tenham dois mil cinemas equipados com a tecnologia, tendência que também alastra-se pela Europa. Para se ter uma idéia, a Variety informou ontem que filmes em 3D ocupam 20% das salas, mas rendem 50% da bilheteria por causa dos ingressos mais caros.

LASSETER - Em Cannes esse ano, John Lasseter, o chefão fundador da Pixar, diretor dos dois Toy Story, Vida de Inseto e Carros, sai por cima. Lasseter é o cabeça por trás de todos os clássicos modernos da Pixar, com filmes que praticamente redefiniram a animação moderna, e seu trabalho irá receber o reconhecimento do próximo Festival de Veneza com um prêmio de reconhecimento pela sua carreira. Veneza também irá exibir as versões modificadas para 3D dos dois Toy Story (originalmente 2D). Lasseter foi o mais solicitado durante a coletiva de imprensa ontem, logo após a projeção de Up”.

“Em algum ponto de seus processos de produção, os filmes da Pixar ameaçaram resultar em alguns dos piores filmes que o cinema teria visto. Digo isso pois o processo de criação toma idas e vindas impressionantes”, disse Lasseter. A colocação não deixa de soar irônica, especialmente após a apresentação de Up, dirigido por Pete Docter e Bob Peterson, e onde Lasseter é produtor.

O filme é apresentado como o primeiro lançamento do estúdio em formato 3D (Disney Digital 3d® é a marca oficial), mas curiosamente, abusar dos conhecidos efeitos do formato (coisas sendo arremessadas na cara do espectador, amplificado pelo tal ‘efeito 3D’) é algo que Up claramente prefere não fazer. O filme, na verdade, nos lembra que bem antes de imagens “em terceira dimensão”, o mais importante é ter um filme em diferentes relevos não só em termos de imagem, mas também na construção dos seus personagens, no relevo da própria narrativa.

Lasseter defendeu o formato 3D com o toque especial Pixar: “É uma maneira de fazer o espectador entrar no filme mais rapidamente, nesse sentido, a técnica é fantástica”, disse, “mas de fato preferimos manter os chamados ‘efeitos 3D’ sob as rédeas”. Nesse sentido, essa historinha de tons fantásticos termina sendo um interessantíssimo golpe autoral, pois funciona em múltiplos níveis.

Para o mercado, é um filme 3D, com animação de qualidade que continua surpreendendo, mas que ejeta os excessos deslumbrados do formato. Espectadores atentos poderão perceber que é também um filme tristíssimo sobre a velhice que, através de pulos de imaginação e algo que só pode ser descrito como ‘mágica’, poderá matreiramente enganar milhões com enorme senso de humor e acurado domínio de cenas de ação. Up é muitas vezes engraçadíssimo, com destaque especial para o elemento cachorro.

Olhando direitinho, temos uma obra que compartilha afinidades com a outra surpresa americana vista esse ano, Gran Torino, de Clint Eastwood. Nos dois filmes, homens aposentados que enfrentam não apenas a velhice, mas processos recentes de viuvez, e que passam boa parte dos seus dias nas varandas de suas casas, vêem-se numa relação relutante de amizade com meninos orientais que tornam-se grandes amigos.

A primeira parte é muito triste, narrada em termos puramente visuais, praticamente sem diálogos, a história de vida de Carl (voz de Ed Asner na versão original) e sua relação com a esposa que não podia gerar filhos. Repentinamente, temos uma guinada muito suspeita para a fantasia rasgada quando Carl, que na juventude sonhava com uma vida de aventura, decide partir com a casa onde viveu o seu amor com a esposa rumo ao céu, a casa içada por milhares de balões coloridos, levando sem saber Russell, um escoteiro de oito anos de idade que tentava ser prestativo para o senhor resmungão.

Há algo de desconcertante na imagem poética de uma casa voando com o auxílio de balões coloridos de festinha de aniversário. Talvez a imagem funcione como divisória entre fantasia e realidade, poesia e invenção, aspectos que a máquina de marketing da Disney conseguiu traduzir com grande propriedade na Croisette, em Cannes, à beira-mar, ontem, com milhares de balões em forma de um grande balão, para marcar a passagem do filme pelo festival.

Impossível também não lembrar da história do padre brasileiro Adelir Antônio de Carli, que sumiu pelos céus como Carl, e cujo fim trágico no mar foi muito divulgado como amargo lembrete de que a poesia muitas vezes não resiste à dureza da gravidade. Dependendo do olhar.

Filme visto no Debussy, Cannes, Maio 2009

6 comments:

Diego Maia said...

Bravô!

CinemaScópio said...

Recebi um email lamentando que eu não gostei do filme... Hã?

em três palavras, adorei o filme.

Daniel Bandeira said...
This comment has been removed by the author.
Daniel Bandeira said...

Vale lembrar que a Pixar já flerta com o tema acre da velhice desde "Geri's Game", o curta do velhinho que joga xadrez com ele mesmo - e que é simplesmente genial.

CinemaScópio said...

e é um olhar muito bonito sobre a velhice esse. Sessão dupla do ano, GRAN TORINO e UP.

janilsonlima.com said...

Parabéns pelo ótimo blog. Porém falta um campo para fazer busca. Estava procurando um post sobre a sala de projeção 3d em recife e não achei. abraços.