Saturday, February 27, 2010

Odeon, Colchester, Inglaterra




Num dos textos abaixo, sobre 'Pale Rider', de Eastwood, fui lembrar do Odeon, em Colchester, e dando um search nele descobri que, depois de mais de 60 anos, foi fechado em 2002, por causa de um multiplex que abriu perto. Oh, well. K.M.F

Thursday, February 25, 2010

Putty Hill

PUTTY HILL trailer from Matt Porterfield on Vimeo.


Eu vi Putty Hill no domingo, em Berlim, último dia do festival. O filme americano de Matt Porterfield é muito bom, passou na Forum. A título de informação e para economizar letras, me lembrou Pedro Costa e Van Sant. Porterfield dirige sem mãos no guidão uma ficção-ensaio cuja ignição é o documentário (ou uma encenação de registro direto) sobre família e amigos que reúnem-se no enterro de um homem de 24 anos. Há uma verdade sobre a ambientação e os personagens, americanos de classe baixa, e uma tristeza bem expressa por todos. Uma das sequências mais lindas de Berlim esse ano nos mostra a visita a uma casa vazia e escura, algo que continua me acompanhando, durante a semana. Capta a idéia de perda como pouca coisa. É um filme muito pequeno que, com alguma sorte, será visto. Estreou mundialmente em Berlim, e ficou pronto (digital) dias antes do festival. K.M.F

Pale Rider




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Em outubro de 1985, eu fui ver Pale Rider (O Cavaleiro Solitário), de Clint Eastwood, no cinema, na época do seu lançamento, na Inglaterra. Foi no Odeon 1, em Colchester. Foi a primeira vez que eu, tão impressionado que estava, me vi diante da fotografia num filme. Eu talvez já soubesse o que fotografia significava, mas foi Pale Rider que me mostrou ao vivo, não sei bem porquê, um trabalho de imagens feito para ser mostrado numa tela grande. O fotógrafo é Bruce Surtees.

O que eu mais lembrava do filme eram os interiores, escuros. Me lembrava também de uma imagem com caubóis ao redor de uma fogueira, seus rostos brilhando com a luz do fogo.

Revi hoje o filme em bluray, como parte de uma admiração revisada constante (já há pelo menos dez anos) pelo trabalho de Eastwood como cineasta, algo que, um pouco como a idéia de fotografia, tornou-se admiração ponderada e consciente, pois Eastwood é um artista que eu vinha acompanhando filme a filme desde mais ou menos a mesma época que vi esse filme, no cinema. Ou seja, antes, Eastwood era alguém que eu gostava, mas sem a distância de usufruir do seu real valor.

Não sei bem se o cinema americano terá alguém como ele depois que morrer, cuja direção e visão clássica de cinema inspira a sensação de estarmos diante de uma cápsula do tempo reaberta no presente, ponte entre a câmera clássica do passado e a contemporaneidade.

Em Pale Rider, Eastwood remixa aspectos clássicos de Shane - Os Brutos Também Amam com o próprio Eastwood dos anos 70 (High Plains Drifter e The Outlaw Josey Wales) com, obviamente, Leone e Siegel de patronos. É um filme moderno, filmado como um clássico, sem nunca passar a pretensão de assim ser, um pouco como os melhores filmes que temos visto desse autor na década de 2000. Que sorte nossa ainda tê-lo fazendo filmes.

PS: sobre o bluray, é muito bom ver filmes mais antigos nesse formato de alta definição. Diferente dos filmes novos, que já foram criados e tratados dentro da tecnologia digital, filmes mais antigos como Pale Rider, originalmente feitos a partir de química e ótica (foi rodado em Panavision, com lentes anamórficas), está lá o grão original e as imperfeições naturais de um processo que, se comparado ao que se faz hoje, pode ser chamado de 'artesanal'. Nesses filmes antigos, planos são desiguais, nitidez e granulação convivem juntos e a imagem digital de repente parece uma cópia fiel do celulóide. Nunca se chegou tão perto (ou igualou) em casa o que sempre tivemos na tela do cinema. E se considerarmos que as oportunidades de se ver um filme antigo projetado em 35mm são raras (festivais, viagens ao exterior, salas especiais), o serviço prestado pelo bluray não deve ser menosprezado. É muito bom.

Um Lugar ao Sol


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Uma maneira de pesar obras de expressão artística é procurar o ponto de vista do realizador. Um exemplo atual é um dos favoritos ao Oscar 2010, Guerra ao Terror (The Hurt Locker), que mostra a rotina de um grupo de soldados na Guerra do Iraque sem tomar claro partido. Talvez seja um plano de negócios, evitar perder espectadores patrióticos nos EUA. É possível argumentar que o tom do filme é “contra”, dada a dureza exposta, mas há uma clara postura “não me comprometa” ausente, por exemplo, do cinema americano de esquerda dos anos 70. Já no documentário Um Lugar ao Sol (2009), do pernambucano Gabriel Mascaro, o ponto de vista não poderia ser mais claro.

O filme estréia no Recife depois de uma carreira notável em festivais no Brasil e no exterior. Um Lugar ao Sol, antes de tudo, é uma anomalia. Parece ganhar por W.O. em termos de produção brasileira de cinema, fruto de uma cultura que evita atritos, tanto no cinema de ficção, como, em especial, no de documentário, onde os personagens são reais, em contextos verdadeiros.

Mascaro, cineasta jovem, partiu para apontar sua câmera como um objeto pontiagudo para a pouco registrada camada mais alta da sociedade, ou seja, os ricos. É um cinema jovem aparentemente marxista, armado com sua câmera petulante. Põe em ação uma espécie de juventude em marcha para abordar o que lhe faz mal, um ressentimento de classe onipresente na sociedade brasileira, mas, repetimos, pouco registrado pelo cinema do Brasil.

Pouco registrado se não pensarmos nos retratos de classe fornecidos por revistas como Caras, ou via paixões culturais do país como telenovelas onde a classe alta é algo a ser almejado socialmente, da decoração estridente dos interiores Projac ao amarelo irreal do suco de laranja servido em cena.

Nesse sentido, Um Lugar ao Sol chega numa cultura de imagens que sempre usou a câmera para escanear as camadas mais pobres nos nossos “favela movies” (ou “pinto no lixo movies”), da ficção ou do documentário, sempre feitos por realizadores brancos, da classe média-alta, algo de encantados com universo social tão distante deles, como elementos exóticos.

Mascaro entrevista moradores de coberturas no Recife, Rio e São Paulo para ouvir idéias verbalizadas sobre privilégio, riqueza e estatura social, poeticamente traduzidas pelo fato de todos eles estarem, literalmente, por cima, nas áreas mais nobres dos seus arranha céus. Usam a altura como proteção para o que está lá embaixo.

É uma sessão desconfortável para boa parte da platéia, pois os depoimentos, marcados na quase totalidade por um orgulho evidente dos personagens de estarem ali (nas coberturas e no filme), juntando uma espécie de show de horrores oral e social. O recorte percebido em Um Lugar ao Sol sugere o registro de tensões evidentes num país tão desigual, e a capacidade que o filme tem (mesmo pregando para platéias já convertidas) de gerar debate é notável.

No entanto, esse documentário desdobra-se ainda em direção à própria idéia de viver em cidades grandes. Há um diálogo perfeito com uma cidade como o Recife, que está sendo demolida a olhos vistos para dar lugar a noções de lucro instantâneo, correndo solto por causa de um urbanismo que parece ter a ética generosa de uma prostituta. O resultado disso, é o aumento dos abismos entre as classes, cada vez mais segregadas pela própria cidade.

Nem tudo, vale lembrar, é sombrio. A mera existência de Um Lugar ao Sol parece apontar para o início de uma mudança no olhar critico do próprio cinema brasileiro para com o país. Seria isso resultado pratico do governo Lula, que veio da esquerda e que, por linhas tortas, ainda exerce movimentos cada vez mais subreptícios de esquerda?

Semana passada, no Festival de Berlim, o filme de ficção Bróder, de Jéferson D, cineasta de pele negra que filmou sua comunidade de periferia com aparente verdade, ousou, ele mesmo, ao registrar, em uma única cena, o mundo dos ricos. Interessantíssima a cena pela questão do ponto de vista ali aplicado, pois é a única nota falsa de todo o filme.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Outubro 2009

Toy Story (3D)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O relançamento de Toy Story (EUA, 1995) em formato 3D (nas salas do país equipadas para o processo) marca o início de uma temporada de relançamentos previstos para o futuro próximo de filmes importantes comercialmente, feitos originalmente em 2D, agora reconfigurados para as três dimensões. A lista de promessas inclui Uma Cilada Para Roger Rabbit, Titanic e a trilogia O Senhor dos Anéis. Mostra a força desse formato, introduzido originalmente nos anos 50, mas que encontra nas novas tecnologias digitais atuais uma bonança de dinheiro.

Toy Story será seguido de Toy Story 2, semana que vem, antecipando o lançamento esse ano de Toy Story 3D. Eu não vi esta versão 3D do primeiro filme, pois não foi feita cabine de imprensa no Recife. Sabe-se que o processo de conversão levou quase dois anos, trabalho feito quadro a quadro.

De qualquer forma, não deixa de ser interessante poder rever essa que é a primeira obra em longa metragem da Pixar Animation, estúdio que, desde então, estabeleceu o mais alto padrão da indústria no gênero "animação”, eclipsando até mesmo os filmes da Disney, sua parceira de distribuição e, há alguns anos, sua proprietária, resultado de um negocio que garante, até hoje, liberdade criativa ilimitada para a Pixar, e lucros gordos para a Disney corporation.

O estúdio de animação digital surgiu de jovens como o próprio fundador da Pixar, John Lasseter (diretor de Toy Story) e Steve Jobs, o todo poderoso da Apple Computer. Crias da escola Spielberg/Lucas de cinema americano do entretenimento de marca autoral, e fruto de uma das regiões mais ricas do mundo (o Vale do Silício, na Califórnia), têm dado ao cinema, no ritmo de um filme por ano, obras diferenciadas que refletem em grande estilo um ponto de vista americano para a cultura e para a sociedade.

Toy Story é não apenas um grande filme, mas espécie de planta baixa desse cinema, que tem marcado presença anualmente com filmes excelentes como Monstros S/A, Os Incríveis, Procurando Nemo e, por último, Up – Altas Aventuras. Está aqui o fascínio por um mundo feito de plástico, provável reflexo da sociedade americana como um todo, sem nunca deixar de lado o aspecto humano de suas histórias.

Nessa trama espetacularmente divertida sobre uma sociedade secreta de brinquedos, todos pertencentes a um menino que pouco aparece, há lutas de poder entre dois possíveis lideres da gangue, um cowboy e um astronauta (Buzz Lightyear). O primeiro, mais cético, sabe da sua condição de brinquedo. O segundo, cheio de si, crê ser mesmo um astronauta. Ambos terão que enfrentar um menino vizinho, destruidor de brinquedos, vilão realista para com situação tão imaginada.

A capacidade que os filmes da Pixar tem de manter a atenção com uma infinidade de informações visuais eficazes está toda aqui nesse primeiro filme, assim como a habilidade que têm de se comunicar com o grande público. É uma das poucas instancias onde o cinema industrial oferece produtos artísticos orgânicos, mesmo que parte do que a Pixar anime tenha no plástico sua matéria prima.

Sunday, February 21, 2010

Alexei Popogrebskym: Filmando com a RED





Eu fiquei bem impressionado com a realização (imagem + câmera) do filme russo "Kak Ya Provel Etim Letom" (How I Inded This Summer). Foi o único filme que me estimulou a correr atrás de uma entrevista com o diretor, Alexei Popogrebskym (no todo, 20 minutos, a ser publicada no futuro). O júri de Werner Herzog também, deu inclusive 2 ursos de prata, um deles para "outstanding technical achievement". Perguntei a Popogrebskym sobre o uso da câmera RED no filme. K.M.F

Berlinale - Um Brinde



A foto é feia, mas o vinho era bom.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Das quatro edições do Festival de Berlim que eu acompanhei, esta teve a melhor seleção de filmes na competição. Para combinar, uma premiação lúcida que, para conhecedores do universo do autor alemão Werner Herzog, é coerente. Escolheram a delicadeza do filme turco Bal (Mel), de Semih Kaplanoglu, e valorizaram novos talentos. Herzog e seus jurados ainda apoiaram Roman Polanski com Melhor Diretor não só por um bom novo filme, The Ghost Writer, mas, entende-se, pelo drama pessoal e controvertido pelo qual o mestre franco-polonês passa atualmente.

Na cerimônia de encerramento, sábado à noite, o diretor artístico da Berlinale, Dieter Koslick, anunciou feliz que, no ano em que comemorou seu aniversário de 60 anos, o Festival Internacional de Berlim superou-se em público.

Mais de 300 mil espectadores confirmam um festival que atende ao mercado, a mídia e, principalmente, o público, que lota dezenas de salas de grande porte, ao redor de Berlim, durante 12 dias. Aqui, brinca-se que as proporções gigantes da bilheteria na Berlinale são sempre estimuladas pelo inverno, o desse ano um dos mais fortes dos últimos anos. Com oito graus negativos na rua, a melhor coisa é ir ao cinema.

JÚRI - No início do festival, Werner Herzog mostrou-se curioso para descobrir se “esta seria uma safra vintage”, o cinema tratado como vinho. Não há exatamente uma resposta para isso, apenas os resultados do júri comandado por um dos grandes realizadores do cinema, cujos filmes, ao longo dos últimos 40 anos, têm provocado e estimulado a maneira como as imagens registram o elemento humano e o próprio mundo.

Ao final do festival, Herzog disse, “nenhum momento de amargura durante os trabalhos do júri”. Não era difícil suspeitar que ele talvez pudesse admirar o radicalismo de Caterpillar, de Koji Wakamatsu, vencedor do prêmio de Melhor Atriz (Shinobu Terajima). Ou enxergar algo do seu próprio cinema no filme russo Kak Ya Provel Etim Letom (Como Terminei o Verão), de Alexei Popogrebsky, sobre o isolamento radical de dois homens no círculo polar ártico.

No palco, o diretor Popogrebsky disse ter dado de presente para seu fotografo, Pavel Kostomarov, uma copia de O Homem Urso, do próprio Herzog, para que ele abrisse os olhos para a sua paixão (adquirida na filmagem) por ursos populares. Kostomarov ganhou prêmio técnico especial em reconhecimento ao extraordinário trabalho de câmera no filme, assim como os atores Gregory Dobrygin e Sergei Puskepalis dividiram o Urso de Prata na atuação masculina.

O mesmo tratamento de prêmio duplo foi dado ao romeno Eu Cand Vreau Sa Fluier, Fluier (Se Eu Quiser Assoviar, Eu Assovio), de Florian Serban, que ficou com o prêmio Alfred Bauer, que estimula novas perspectivas para o cinema, e o Grande Prêmio do Júri, na prática o segundo lugar.

É o primeiro filme de Serban e conta a história de um delinqüente que tenta lidar com o reformatório, dias antes de ser solto. Não tem o brilho de outros romenos recentes, mas tem precisão e a qualidade está lá.

Os dois ursos de prata continuam confirmando a máquina de ganhar prêmios dessa produção romena muito apreciada, onde a escrita é cheia de personalidade. Na competição de curtas metragens, a Romênia ainda ganhou Melhor Filme com Colivia (Gaiola), de Adrian Sitaru, outra observação afiada da vida.

O bom drama chinês Tuan Yuan (Separados Juntos), de Wang Quan’an, filme de abertura da Berlinale esse ano, ficou com melhor roteiro, escrito por Na Jim e Quan’an. O filme utiliza o passado recente da China para reiniciar uma antiga história de amor.

Os produtores de Polanski foram receber o troféu, um deles relatando que o cineasta teria dito que, mesmo se estivesse já livre, não teria ido à Berlinale. “Da última vez que fui receber um prêmio num festival de cinema, fui preso”, referência à sua captura na Suíça, em setembro, onde seria homenageado.

Polanski aguarda a solução de um processo iniciado nos EUA em 1977, de onde fugiu na época, que o acusa de manter relações sexuais com menor de idade. Nos perguntamos como será recebido pelo grande público The Ghost Writer, um empolgante thriller sem cenas de ação ou explosões... A vitória do filme de Polanski também foi lembrada como resultado dos investimentos na produção de cinema na própria Berlim, onde Polanski rodou seu filme.

No final das contas, Berlim 2010 deu uma levantada no nível. Nada de valorizar a tortura pré-desenhada de personagens, como no dinamarquês Submarino, de Thomas Vinterberg, um favorito dos colegas da critica. Nada de simpáticas dramédias de cara dura da Noruega (A Somewhat Gentle Man, de Hans Peter Moland), ou o cinema feminino que usa o bottom vistoso na lapela de “eu sou mulher” (o argentino Quebra Cabeças, de Natalia Smirnoffo bósnio Na Putu, de Jasmila Zbanic).

ENCERRAMENTO – Berlim foi feliz até para fechar, pois o ano dificilmente encontrará filme tão doce como o último trabalho do japonês Yoji Yamada, Otôto, título internacional About Her Brother (Sobre o Irmão Dela), escolhido como filme de encerramento. Fez dobradinha perfeita com o outro asiático que abriu o festival, o chinês premiado Tuan Yuan (Separados Juntos).

Exibido fora de competição, Otôto é um melodrama totalmente do bem sobre laços familiares testados pelo tempo e convenções sociais. Como pano de fundo, a forma muito particular (para nós estrangeiros) de como a vida na sociedade japonesa se desenrola.

O filme conta a história de mãe e filha, marido/pai já falecido, que convidam para o casamento da garota um tio que normalmente causa constrangimento pelo seu comportamento estridente. É um homem solitário e bom, que nunca teve muita sorte na vida.

Sua presença no casamento irá gerar tensão, mas são as descobertas posteriores desse tio/irmão que dão ao filme toda a sua beleza. Yamada saiu da cerimônia de encerramento com um troféu especial, a Berlinale Kamera. Um dos últimos planos do filme é um brinde proposto com vinho. Perfeito encerramento.

Essa cobertura foi feita através de parceria com o Jornal do Commercio e o Centro Cultural Brasil-Alemanha, no Recife