Sunday, February 21, 2010
Berlinale - Um Brinde
A foto é feia, mas o vinho era bom.
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Das quatro edições do Festival de Berlim que eu acompanhei, esta teve a melhor seleção de filmes na competição. Para combinar, uma premiação lúcida que, para conhecedores do universo do autor alemão Werner Herzog, é coerente. Escolheram a delicadeza do filme turco Bal (Mel), de Semih Kaplanoglu, e valorizaram novos talentos. Herzog e seus jurados ainda apoiaram Roman Polanski com Melhor Diretor não só por um bom novo filme, The Ghost Writer, mas, entende-se, pelo drama pessoal e controvertido pelo qual o mestre franco-polonês passa atualmente.
Na cerimônia de encerramento, sábado à noite, o diretor artístico da Berlinale, Dieter Koslick, anunciou feliz que, no ano em que comemorou seu aniversário de 60 anos, o Festival Internacional de Berlim superou-se em público.
Mais de 300 mil espectadores confirmam um festival que atende ao mercado, a mídia e, principalmente, o público, que lota dezenas de salas de grande porte, ao redor de Berlim, durante 12 dias. Aqui, brinca-se que as proporções gigantes da bilheteria na Berlinale são sempre estimuladas pelo inverno, o desse ano um dos mais fortes dos últimos anos. Com oito graus negativos na rua, a melhor coisa é ir ao cinema.
JÚRI - No início do festival, Werner Herzog mostrou-se curioso para descobrir se “esta seria uma safra vintage”, o cinema tratado como vinho. Não há exatamente uma resposta para isso, apenas os resultados do júri comandado por um dos grandes realizadores do cinema, cujos filmes, ao longo dos últimos 40 anos, têm provocado e estimulado a maneira como as imagens registram o elemento humano e o próprio mundo.
Ao final do festival, Herzog disse, “nenhum momento de amargura durante os trabalhos do júri”. Não era difícil suspeitar que ele talvez pudesse admirar o radicalismo de Caterpillar, de Koji Wakamatsu, vencedor do prêmio de Melhor Atriz (Shinobu Terajima). Ou enxergar algo do seu próprio cinema no filme russo Kak Ya Provel Etim Letom (Como Terminei o Verão), de Alexei Popogrebsky, sobre o isolamento radical de dois homens no círculo polar ártico.
No palco, o diretor Popogrebsky disse ter dado de presente para seu fotografo, Pavel Kostomarov, uma copia de O Homem Urso, do próprio Herzog, para que ele abrisse os olhos para a sua paixão (adquirida na filmagem) por ursos populares. Kostomarov ganhou prêmio técnico especial em reconhecimento ao extraordinário trabalho de câmera no filme, assim como os atores Gregory Dobrygin e Sergei Puskepalis dividiram o Urso de Prata na atuação masculina.
O mesmo tratamento de prêmio duplo foi dado ao romeno Eu Cand Vreau Sa Fluier, Fluier (Se Eu Quiser Assoviar, Eu Assovio), de Florian Serban, que ficou com o prêmio Alfred Bauer, que estimula novas perspectivas para o cinema, e o Grande Prêmio do Júri, na prática o segundo lugar.
É o primeiro filme de Serban e conta a história de um delinqüente que tenta lidar com o reformatório, dias antes de ser solto. Não tem o brilho de outros romenos recentes, mas tem precisão e a qualidade está lá.
Os dois ursos de prata continuam confirmando a máquina de ganhar prêmios dessa produção romena muito apreciada, onde a escrita é cheia de personalidade. Na competição de curtas metragens, a Romênia ainda ganhou Melhor Filme com Colivia (Gaiola), de Adrian Sitaru, outra observação afiada da vida.
O bom drama chinês Tuan Yuan (Separados Juntos), de Wang Quan’an, filme de abertura da Berlinale esse ano, ficou com melhor roteiro, escrito por Na Jim e Quan’an. O filme utiliza o passado recente da China para reiniciar uma antiga história de amor.
Os produtores de Polanski foram receber o troféu, um deles relatando que o cineasta teria dito que, mesmo se estivesse já livre, não teria ido à Berlinale. “Da última vez que fui receber um prêmio num festival de cinema, fui preso”, referência à sua captura na Suíça, em setembro, onde seria homenageado.
Polanski aguarda a solução de um processo iniciado nos EUA em 1977, de onde fugiu na época, que o acusa de manter relações sexuais com menor de idade. Nos perguntamos como será recebido pelo grande público The Ghost Writer, um empolgante thriller sem cenas de ação ou explosões... A vitória do filme de Polanski também foi lembrada como resultado dos investimentos na produção de cinema na própria Berlim, onde Polanski rodou seu filme.
No final das contas, Berlim 2010 deu uma levantada no nível. Nada de valorizar a tortura pré-desenhada de personagens, como no dinamarquês Submarino, de Thomas Vinterberg, um favorito dos colegas da critica. Nada de simpáticas dramédias de cara dura da Noruega (A Somewhat Gentle Man, de Hans Peter Moland), ou o cinema feminino que usa o bottom vistoso na lapela de “eu sou mulher” (o argentino Quebra Cabeças, de Natalia Smirnoffo bósnio Na Putu, de Jasmila Zbanic).
ENCERRAMENTO – Berlim foi feliz até para fechar, pois o ano dificilmente encontrará filme tão doce como o último trabalho do japonês Yoji Yamada, Otôto, título internacional About Her Brother (Sobre o Irmão Dela), escolhido como filme de encerramento. Fez dobradinha perfeita com o outro asiático que abriu o festival, o chinês premiado Tuan Yuan (Separados Juntos).
Exibido fora de competição, Otôto é um melodrama totalmente do bem sobre laços familiares testados pelo tempo e convenções sociais. Como pano de fundo, a forma muito particular (para nós estrangeiros) de como a vida na sociedade japonesa se desenrola.
O filme conta a história de mãe e filha, marido/pai já falecido, que convidam para o casamento da garota um tio que normalmente causa constrangimento pelo seu comportamento estridente. É um homem solitário e bom, que nunca teve muita sorte na vida.
Sua presença no casamento irá gerar tensão, mas são as descobertas posteriores desse tio/irmão que dão ao filme toda a sua beleza. Yamada saiu da cerimônia de encerramento com um troféu especial, a Berlinale Kamera. Um dos últimos planos do filme é um brinde proposto com vinho. Perfeito encerramento.
Essa cobertura foi feita através de parceria com o Jornal do Commercio e o Centro Cultural Brasil-Alemanha, no Recife
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