Friday, October 9, 2009

Inglourious Basterds





The Cinema...

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O interesse apaixonado pelo cinema dentro do cinema é um fator notável na obra de alguns cineastas, de Bergman a Almodóvar (seu último, Abraços Partidos, mais um exemplo), Truffaut e Godard. Essa paixão filmada sobre o cinema chega intacta e feliz ao espectador, como é o caso moderno de Quentin Tarantino. Quem conhece sua obra poderá concordar que seu amor pelos movimentos, estéticas e tons do cinema como desenvolvimento histórico não parece ter limites, assim como seu talento. No entanto, é em Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, 2009) que ele filma esse amor frontalmente.

Tarantino terminou ainda fazendo um dos seus filmes mais surpreendentemente populares. Temos uma aventura da 2a. Guerra Mundial, a guerra que Hollywood conseguiu transformar em entretenimento para as massas dado o aspecto vitorioso do conflito e a clareza cristalina dos vilões em quadro, os nazistas.

A base utilizada é o “filme de missão”, onde um grupo de soldados parte para o território inimigo com um objetivo explicado claramente numa cena obrigatória de briefing. No caso do grupo titular, todo composto por judeus, a missão é trucidar nazistas, escalpelando-os. O comandante da missão, Aldo Raines (Brad Pitt, presença), exige que cada soldado traga de volta não menos do que 100 escalpos alemães.

Curiosamente, Bastardos Inglórios termina sendo menos sobre isso e mais sobre o prazer de filmar e contar uma história utilizando as ferramentas do cinema como narrativa. Os bastardos aparecem o suficiente para honrar o título do filme, mas imagens da missão são esporádicas e econômicas.

Ciente das excentricidades desse gênero, Tarantino ejeta cenas de ação e prefere nos dar momentos intimistas de tensão. A seqüência de abertura estabelece esse tom em 20 minutos realmente fascinantes onde o coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz, prêmio de ator no Festival de Cannes pelo papel) intimida lenta e educadamente um fazendeiro francês (Denis Menochet, perfeito). O alemão acredita, com a certeza sádica de um burocrata do inferno, que a fazenda esconde uma família de judeus.

A métrica desse diálogo é assombrosa, a conversa acompanhada por uma articulação de planos riquíssima como linguagem de cinema. O diálogo é inicialmente falado em francês, depois cinicamente trocado para o inglês do cinema americano. É o primeiro ponto de interesse de Tarantino, o falar, que não seria uma novidade na sua obra se ele não tivesse uma nova dimensão para brincar.

Pela primeira vez, trabalha com línguas estrangeiras (francês, alemão e italiano), e o acordo ao qual ele chegou nesse sentido é notável. Nos dá uma releitura do cinema hollywoodiano que impõe o inglês como língua mágica e onipresente (o recente Valquíria, com Tom Cruise como oficial nazista falando inglês, é um exemplo) para um mundo externo, aqui respeitando e revirando esse conceito como no outro momento importante da alta tensão oral no filme, a seqüência na taberna.

Bastardos Inglórios, no entanto, tem o coração batendo forte por um outro elemento, a sala de cinema, um dos personagens do filme. Estamos na década de 2000, a tecnologia muda a cada ano o nosso sentido de exibição, o celulóide morre aos poucos. Realizadores como Tarantino registram o filme (fita, fotograma, carretel) como matéria orgânica do seu filme.

A dona e programadora do cinema parisiense lindamente art-déco para onde Bastardos Inglórios converge é uma judia francesa (Mélanie Laurent), Shosanna Dreyfus. “somos franceses, respeitamos os cineastas”, responde ao comentário de um soldado alemão impressionado que, mesmo na França ocupada, ainda programe GW Pabst, cineasta alemão.

Shosanna é ainda a dona de um acervo de centenas de cópias em nitrato (susbtância usada antes dos anos 50 para fazer celulóide, inflamável), que poderão fazer diferença explosiva no sentido de mudar o rumo da história. No mundo do cinema, claro, o filme (matéria) tem força descomunal para mudar o mundo, mesmo que via sacrifício. Tarantino atinge o paroxismo ao nos dar uma seqüência belíssima de morte na cabine de projeção, uma reflexão sobre morrer no cinema e continuar vivo através das imagens.

Quando vimos o filme em Cannes, Bastardos Inglórios mostrou-se menos impecável do que suas narrativas anteriores, especialmente em ritmo. Revendo-o esta semana, redescobre-se um filme autoral que não parece mais perder uma única virgula, e cujo discurso falado e filmado é o de uma paixão espetacular pela imagem projetada do cinema.

PS: a filha do fazendeiro loira que ganha todos os closes é a Bela Junie de Honoré. Tarantino, Tarantino...

PS II: a exemplo do que eu já fiz com Kill Bill, eu poderia escrever um texto 12 vezes mais extenso. Infelizmente, eu estou sem tempo...

PS III - É lamentável que o filme tenha recebido classificação 18. Priva o público adolescente de ver algo realmente bom, sendo exibido nos multuplexes, algo que, pelas minhas contas, só acontece umas 3 vezes por ano. Além disso, é muito discutível essa classificação, para um filme que se passa claramente no mundo do cinema.

Filme revisto no UCI Recife, Outubro 2009

Apenas o Fim


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Parece existir uma boa vontade misturada com certo fascínio pelo cinema feito com poucos recursos, e por um realizador muito jovem, ou jovem demais. O caso de Apenas o Fim (Brasil, 2009), do carioca Matheus Souza, 21 anos, é claro. Seu filminho agregou boca a boca desde que exibiu pela primeira vez no Festival do Rio, ano passado, usando a internet do Facebook, Twitter, Orkut, MySpace e YouTube como divulgação. Hoje, uma sala de cinema não revela mais um filme, apenas o traz para que toda a informação circulada seja checada. É um mundo estranho esse.

Apenas um Fim é um filme digital, sem cópias em 35mm. Souza o fez como aparente instantâneo do momento atual, na faculdade onde estuda. Talvez não tenha pensado em fazer esse instantâneo que o filme é, mas fica a sensação. Foi feito dentro da Universidade Católica do Rio (PUC), cujo campus arborizado é um dos personagens da trama mínima.

Um certo dia, chegando na PUC e correndo para fazer uma prova, um garoto (Gregorio Duvivier) ouve da namorada (Erika Mader) que a relação acabou. O set-up não poderia ser mais direto, pois estamos com cinco minutos de filme e eles terão algo em torno de uma hora para nos dar uma DR.

O lero deles flui de maneira naturalista. Parece melhorar com a entrada de pelo menos uma terceira pessoa em cena, como o amigo mala. Mesmo assim, permanece uma sensação constante de ingenuidade em Apenas o Fim. Os personagens verdes cospem frases feitas e moderninhas, pinçadas de séries americanas, internet e videogames. É meio irritante.

Com muito boa vontade, a linguagem do filme pode ser vista como razoável e uma tentativa de ventilar a narrativa durante a projeção. Há travellings e planos fixos sendo alternados, mas o apoio do espectador poderá ser desgastado com a montagem final, um horror de açúcar que deveria ter sido evitado a todo custo.

Seja como for, o filme funciona, a platéia alvo parece se identificar. Souza expõe seus sentimentos, suas influências (Woody Allen, Richard Linklater, Domingos de Oliveira) de maneira pura, confirmando que o cinema carioca tem essa vocação inconteste para o docinho romântico.

A melhor coisa que pode-se dizer desse jovem filme carioca é a sensação aqui sugerida de que, ao crescer e atingir a maturidade, Matheus não parece querer ser Globo, mas apenas uma versão mais madura do que ele consome com tanto gosto. Isso me parece bom.

Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Setembro 2009

Cloudy With a Chance of Meatballs


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Sem muito alarde, chega mais uma animação digital em 3D para abocanhar fatias gordas do mercado da terceira dimensão. Com os dez milhões de brasileiros que foram ver A Era do Gelo 3 no primeiro semestre, e o sucesso atual de Up, da Pixar, os donos de cinema devem festejar a chegada de 'Tá Chovendo Hambúrgueres (Cloudy With a Chance of Meatballs, EUA, 2009). O filme passa em 3D no Box Guararapes (Recife), e nas outras salas no bom e velho 2D*. Para o público, fica a certeza de que verão algo dotado de uma imaginação infantil sem limites.

Não é difícil se deixar levar pelo desprendimento desse filme, adaptado de um livro infantil publicado nos EUA em 1978, escrito por Judi Barrett e ilustrado por Ron Barrett. Em primeira instância, é de se suspeitar que os Barretts são um casal de gordos, dada a trama toda centrada em comidas oleosas e coloridas. É o filme da obesidade mórbida por excelência, e onde o comer cai do céu, literalmente.

Uma outra possibilidade é pensar no fascínio que as crianças têm por comidas, especialmente as que aqui ganham tela. Isso havia sido explorado lindamente em A Fantástica Fábrica de Chocolate, dos escritos de Roald Dhal, e onde há uma elegância bem maior dado o fator sempre charmoso que é o chocolate.

Em 'Tá Chovendo Hambúrgueres, assume-se a natureza americana do conceito "comida", apostando no cardápio típico de uma lanchonete barata. O filme passa distraidamente sobre o fato de o mundo sofrer hoje com uma epidemia de obesidade, algo que dá ao filme misto de graça e sombras.

Nosso herói, Lockwood, é um jovem inventor, já sem crédito junto à pequena cidade onde mora, e ao seu pai, um tipo cujo bigode é quase tão espesso quanto suas sobrancelhas. O lugarejo só come sardinha, principal produto de exportação, e o cardápio deprimente o leva a criar uma máquina capaz de transformar água em comida cuspida pelos céus.

Começa a chover hambúrgueres, pizzas, ovos e bacon, sorvete, gelatina, docinhos, bife e espaguete. A cidade atrai atenção mundial a partir das reportagens de Sam, uma garota que quer ser meteorologista na TV. Ela é a alma gêmea de Lockwood, uma nerd de armário. Irá assumir sua nerdice rumo a um clímax dotado de toneladas de comida pesada e onde almôndegas são transformadas em armas de destruição em massa.

O filme não tem a construção de um filme da Pixar, mas termina ganhando pontos pelas imagens absurdas de uma cultura que preza tanto a comida gorda e colorida. Vejam os planos de espanto esfomeado estilo Spielberg (travelling em direção ao personagem, que olha para cima arregalando os olhos, boca aberta babando), a versão cinematográfica do que vemos no olhar das pessoas em coquetéis caros boca-livre.

Antes mesmo de ficar enjoado e arrotando, é provável que o espectador sinta divertido espanto. Trabalho de animação é muito bom.

*Vi o filme em formato 2D no UCI Recife, Setembro 2009.

Welcome


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Na produção francesa Benvindo (Welcome, 2009), temos um interessante melodrama que nos fala sobre fronteiras e travessias. O filme de Philippe Loiret junta-se ao grupo notável de filmes europeus que investigam um dos grandes temas do mundo rico, sempre muito discutido na Europa, que é a imigração, ou o choque entre os que estão fora tentando entrar com os que estão dentro.

Benvindo esteve no último Festival de Berlim, onde parecia compor uma mini-mostra natural sobre o tema, se somarmos o último filme de Costa Gavras, Eden à l'Ouest (exibido no último Cine PE), e o sueco Mammoth, de Lukas Moodysson.

Benvindo tem como cenário a cidade portuária de Calais, no norte da França, porta de saída da França e entrada para a Inglaterra. Geograficamente, é a menor distância entre a Europa continental e as ilhas britânicas, sendo Dover o porto inglês correspondente, do outro lado. A travessia, feita por navio ou trem via túnel, é desejada por muitos que, já na Europa, ainda esperam pela oportunidade de chegar em Londres.

Loiret apresenta Calais no filme como se a França estivesse em guerra. Há um certo clima da Casablanca de Casablanca (1942), onde centenas esperam uma chance de viajar e fazer a travessia, muitos sem a sorte necessária. Diferente do clássico americano, o tom de Benvindo é realista, quebrado, vez ou outra, por uma sensibilidade melô que faz um certo bem ao filme.

Os dois personagens principais são clássicos, até mesmo dentro de uma idéia de cinema americano. Não é difícil imaginar Clint Eastwood no papel do professor de natação Simon (Vincent Lindon), que desenvolve relação de amizade com um iraquiano (curdo) de 17 anos, Bilal (Firat Ayverdi).

Recém chegado de uma viagem de três mil quilômetros, Bilal veio, basicamente, andando até a França, de onde pretende atravessar para a Inglaterra em busca de um amor, Mina (Derya Ayverdi). Simon, aliás, acaba de perder um grande amor, pois está nos finalmentes de um processo de divórcio com Marion (Audrey Dana).

O estado de melancolia profunda que aflige esse ex-atleta de meia-idade na fria Calais talvez explique suas escolhas, especialmente no sentido de ajudar Bilal a fazer uma heróica travessia do Canal da Mancha, nadando.

Lioret não parece ter problema algum em enveredar pelo papel de “filme denúncia” ao mostrar a forma como Calais e sua policia tem como missão perseguir imigrantes, evitando que a população flutuante de indesejáveis se torne um problema. Algumas cenas lembram as rotinas de busca e apreensão em filmes sobre o nazismo. Lioret não admira Sarkozy.

Ao final, temos um relato realista, algo de tocante, sobre as movimentações humanas no mundo contemporâneo, e onde a Europa parece ser o principal palco desse fenômeno social.

Filme visto no Plaza Casa Forte, Recife, Setembro 2009

A Verdade Nua e Crua


"Quem é mais imbecil, eu ou você?"

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O grande mistério da cultura hoje é o porquê de o ser humano ser retratado, para fins de entretenimento de massa (novelas, séries, noticiosos, filmes, teatro), com traços de subdesenvolvimento psicológico e comportamental. Talvez acreditando que, para atingir as massas, é essencial agir e soar retardado, a indústria segue fazendo filmes como A Verdade Nua e Crua (The Ugly Truth, 2009).

Psicólogos do batente talvez interpretem isso como sintoma nos consultórios, onde a infantilização de adultos talvez seja uma praga moderna. Há três anos, Judd Apatow fez a surpresa O Virgem de 40 Anos, exatamente sobre um homem que não amadureceu emotiva e sexualmente. Foi a desculpa perfeitamente inteligente para filmar esse estado de coisas e o sucesso do filme parece ter gerado uma onda de sub-produtos que não têm a mesma percepção, astúcia e generosidade.

Na verdade, ir ao multiplex "pegar um cineminha" pode significar hoje estar preso numa sensação perpétua de Dèjá Vú. Depois de A Mulher Invisível, O Divã, Os Normais e A Proposta, marcados por personagens importantes claramente débeis mentais, descobrir-se vendo A Verdade Nua e Crua pode resultar na certeza de que o dinheiro continua indo para o mesmo filme de sempre.

Perversamente, isso parece ser exatamente o que o grande público quer. Sair de casa, pagar estacionamento, ingresso e pipoca combo com tonel de refrigerante para ver a mesma coisa, sempre.

Mais uma vez, temos duas pessoas psicologicamente debilitadas, homem e mulher, sem sucesso no amor. Ele (Gerard Butler) é consultor sentimental num programa de TV que tem chamado a atenção, suas opiniões sobre mulheres e relacionamentos, ao que parece, anotadas em anúncios brasileiros de cerveja.

Ela (Katherine Heigl) é uma produtora de TV. Esse tipo de mulher bonita e manipuladora em filmes desse tipo geralmente está há um ano sem relações sexuais (vide Sandra Bullock, em A Proposta).

Os dois irão seguir uma corrida de obstáculos via roteiro que aproxima o filme dos produtos brasileiros do tipo, ejetando sutileza e forçando "grandes momentos" artificiais como o uso de uma calcinha vibratória em público pela nossa heroína, talvez a herança desse filme para a humanidade.

Filme visto no UCI Recife, Setembro 2009

Naked (DVD)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Chama a atenção que Naked (Inglaterra, 1993), de Mike Leigh, finalmente veja a luz do dia no Brasil meses depois do lançamento nos cinemas de Simplesmente Feliz (2008). O primeiro, que sai agora em DVD sem nunca ter sido distribuído nas salas, é a crônica mais sombria de Leigh, contrastando com esse último, seu filme mais risonho.

Premiado em Cannes com Direção e Ator (David Thewlis) dois anos antes da Palma de Ouro para Leigh por Segredos e Mentiras, o tom de Naked lembra o de uma ressaca. Como ocorre em ressacas, o mal estar é forte, mas a sensação de estar vivo também.

O filme segue algo de bêbado e nublado nas suas duas horas e dez minutos, com espasmos de sobriedade tocante, um pouco como a própria Londres.

É fácil identificar A Odisséia de Ulisses na trajetória de Johnny (Thewlis), o personagem central, que a discute nominalmente numa das suas paradas. Sua misantropia vem com o sarcasmo típico da Inglaterra, pródiga em oferecer personagens agressivos dotados de espessa carapaça. Há neles, quase sempre, sensibilidades insuspeitas.

Johnny faz parte de uma galeria peculiar de ingleses como Alex, em Laranja Mecânica (1971), Trevor, o skinhead de Made in Britain (1984), ou Francie Brady, o proto-punk mirim de Nó Na Garganta (1997). É uma gente desagradável, mas nunca monótona, talvez por serem agentes do caos.

Aos 27 anos (“parece 40”, diz uma interlocutora), Johnny é maduro o suficiente para ter entendido um suposto mau humor de Deus, e ainda jovem o bastante para detestar suas conclusões. Revela-se um profeta pessimista que, nos seus piores momentos, tem a verve de um poeta marginal afiado, um chato com alguma razão. Explica, por exemplo, sua má aparência como tentativa de mesclar-se aos ambientes.

Chega na casa da ex-namorada, Louise (Lesley Sharp), que divide o espaço com Sophie (Katrin Cartlidge, falecida precocemente em 2002), quase sempre chapada. Ela irá encantar-se com o charme pós punk de Johnny, anunciando o fascínio que as mulheres têm por ele. O estado geral da casa também ilustra o estado de espírito do trio, que ele levará a um colapso imediato.

E esse cíclope sairá pela cidade numa estrutura de encontros fortuitos que, mesmo lembrando Depois de Horas (1986), de Martin Scorsese, ainda soa notável e original. Se na noite nova-iorquina de Scorsese o personagem é passivo, na noite londrina de Leigh, Johnny é o catalisador de tensões constantes.

Essa dureza tem na fala a sua verdade maior, um fator e tanto em tratando-se de cinema inglês, aspecto também percebido em Kes (1969), de Ken Loach, outro momento importante do cine britânico lançado há pouco pela mesma Lume Filmes.

Como Loach, Leigh tem um ouvido e tanto para o falar britânico. O trio Johnny, Louise e Sophie, o casal de escoceses que latem xingamentos na rua, o outro personagem masculino em cena, Jeremy (Greg Cruttwell). Esse último, cuja nobreza entediada parece nos levar de volta ao Inquilino, de Joseph Losey, enriquece de forma perversa um universo britânico singular aqui filmado por Mike Leigh.

Filme revisto em DVD (Lume Filmes), Agosto 2009, Recife