Thursday, September 4, 2008

Para os Jovens Críticos (Pernambuco)


A Janela Internacional de Cinema do Recife promoverá entre 8 e 20 de novembro a Janela Crítica, iniciativa que busca incentivar o pensamento crítico de jovens universitários e cinéfilos pernambucanos.

Para participar, envie um e-mail para press@janeladecinema.com.br com os seguintes dados no corpo do texto:

Nome, idade, cidade (restrito a Pernambuco), universidade, período, línguas que domina, endereço do seu blog – caso possua um - e nomes de três filmes que considera importantes. Em anexo, nos envie uma crítica de 15 linhas sobre um curta-metragem. O prazo para inscrição vai até 30 de outubro.

Os e-mails serão lidos e analisados pelo crítico e jornalista Luiz Joaquim*, que escolherá sete jovens para integrar o Janela Crítica. Luiz, que é jornalista, critico, professor de cinema e coordenador do Cinema da Fundação, será o responsável por ministrar os encontros, introduzindo idéias e conceitos relativos ao universo da crítica cinematográfica.

Além de participar dos encontros, os escolhidos ganham passe livre nas sessões de cinema do festival para produzir críticas que serão veiculadas no site da Janela Internacional de Cinema, diariamente. Também marcarão presença nos debates com os realizadores.

A iniciativa culminará com a formação do júri especial Janela Crítica, elegendo, ao fim do festival, os melhores nas categorias de curtas nacionais e internacionais.

Entrevista Walter Salles & Daniela Thomas



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Com a estréia de Linha de Passe, Walter Salles, 52 anos, mantém-se como o cineasta brasileiro mais influente no país. Filmes seus como Central do Brasil, Abril Despedaçado e Diários de Motocicleta são capazes de atrair uma parcela fiel do público no Brasil, e despertam o mesmo tipo de atenção no exterior, onde sua carreira é reconhecida por festivais como Veneza, Berlim e Cannes. Um dos raros cineastas brasileiros que fala com a propriedade de um cinéfilo crítico e bem informado, Salles não apenas dirige como também catalisa o cinema através da sua produtora, Videofilmes, criada com seu irmão, João Moreira Salles. Os dois devolveram ao veterano Eduardo Coutinho, mestre do doc brasileiro, a capacidade de filmar, e aposta da mesma forma em nomes jovens como o crítico carioca Eduardo Valente, que acaba de finalizar seu primeiro longa, No Meu Lugar.

Em Cannes, Salles apresentou não apenas seu próprio filme, Linha de Passe (Brasil, 2008), como também um outro título na competição que ajudou a produzir, Leonera, do argentino Pablo Trapero. "Tem um movimento de cinema no Brasil chamado Videofilmes", brincou Daniela Thomas, durante esta entrevista feita ainda em Cannes, sua amiga e colaboradora em Linha de Passe.

O filme é o mais recente esforço da parceria afetuosa entre os dois. Fizeram juntos Terra Estrangeira (1995), um dos filmes mais expressivos da retomada da produção brasileira nos anos 90, era pós-Collor (um dos sub-textos do próprio filme). Dirigiram também O Primeiro Dia (1999), longa feito originalmente para um projeto intitulado 2000 Visto Por... da rede de TV franco-alemã Arte, e ainda dois curtas: o ótimo comentário sobre identidade cultural e mercado Castanha e Cajú Contra o Encouraçado Titanic (2002), e Longe do 16ème (para o longa em episódios Paris Eu Te Amo), tocante retrato materno cujo eixo temático é a imigração na Europa.

Em Linha de Passe (ganhou o prêmio de Melhor Atriz para Sandra Corveloni), Salles e Thomas trazem um retrato da vida na periferia paulistana ao enfocar uma família formada por uma mãe forte e sozinha, à frente dos seus quatro filhos.

Kleber Mendonça Filho – Vocês tiveram acesso a todo um grupo de jovens atores na realização desse filme.

Walter Salles – Eu fiquei muito impressionado com a quantidade de jovens talentosos que ainda não tiveram uma chance. Para cada personagem, tínhamos duas ou três ótimas opções. Quando cinema repete sempre os mesmos rostos, perde-se a oportunidade de explorar a diversidade que existe hoje no Brasil. E eu quero destacar o trabalho da preparadora de elenco, Fátima Toledo, que unificou o elenco durante quatro meses e os transformou numa família. O resultado disso é que, mesmo andando na rua, aqui, eles parecem uma família. Vinícius (Oliveira), dez anos depois, me impressiona por trabalhar com dois chips, um com sotaque paulistano (para o filme) e o outro, o carioca, que é o dele. Ator é uma coisa inexplicável.

KMF – E Sandra, no papel da mãe? Como chegaram a ela?

Daniela Thomas – Ela trabalhava com o grupo Tapa e estreou uma peça há pouco como diretora, de Pirandello. Os testes foram feitos pela Fátima Toledo.

KMF – A visão que vocês passam de São Paulo impressiona, vocês acham que ela bate de maneira diferente para o realizador não-paulistano, como vocês dois cariocas?

DT – Quando nos juntamos em 2003 para trabalhar no roteiro, eu e George Moura, que é pernambucano e mora no Rio, fizemos m primeiro mapeamento de "onde essa família moraria?". Foi aí que descobrimos Cidade Líder, e deu-se uma combinação do nome com o lugar, esse eufemismo aplicado num bairro sem fim e sem horizonte chamado Cidade Líder. Foi nessa primeira ida que encontramos lugares que ficaram até o fim, como aquele conjunto habitacional onde Bianca, a namorada do Denis, o campinho de Arandicaduva. Fizemos a cidade de cabo a rabo.

WS – Conhecemos todos os estádios de futebol.

DT – Era muito importante fotografar a cidade dessa maneira. Não seria nunca um filme de favela.

WS – Também não é um filme de Avenida Paulista. Tem uma afirmação de Fernando Pessoa que diz "você só conhece uma cidade quando se perde nela", e São Paulo é uma cidade que te dá essa liberdade de se perder. Tantas vezes que falamos para as pessoas sobre onde estávamos filmando, e elas não sabiam onde fica Cidade Líder.

KMF – Aspecto muito comentado do filme é a câmera nas ruas de São Paulo, especialmente no personagem do motoboy.

WS – Nessas cenas, era importante que a câmera pudesse expressar o ponto de vista do personagem. A câmera, na verdade, está a serviço de cada personagem. Testamos várias possibilidades, uma delas Mauro Pinheiro, o fotógrafo, com a câmera na mão, tivemos outras soluções mirabolantes, inclusive um negócio que parecia um cabide. Daí que um dos maquinistas, José Gomes, um português com quem trabalhei no Central do Brasil, um gênio das soluções simples, construiu uma traquitana na traseira de uma moto, permitindo que Mauro pudesse pilotar a câmera no bagageiro, a moto sendo guiada por um motoqueiro. Isso aliada a uma câmera muito leve que é a Aaton Minima. Essa câmera foi também muito usada em cenas nas ruas que não entregasse a nossa presença, e que pudéssemos nos integrar à rua.

Kleber Mendonça Filho – Você tem trafegado livremente entre os cinemas do Brasil, América Latina como um todo e Europa. Qual sua percepção hoje dos filmes brasileiros?

Walter Salles – O cinema argentino manteve um foco que, de certa forma, nós perdemos. É uma produção que tem uma latitude relativamente grande e que vai do olhar realista de alguém como Pablo Trapero até um olhar mais impressionista, como é o caso de Lucrecia Martel. E ainda temos um Lisandro Alonso, que faz um cinema mais desdramatizado, mais seco, que captura o momento. Os roteiros de Alonso não têm mais de 20 páginas, e esse último filme dele, Liverpool, é o primeiro caso de ficionalização, primeira vez que ele trabalha com diretor de arte, etc. Esses cineastas, mesmo trabalhando de formas diferentes, eles são muito próximos, eles configuram um movimento. Não há uma quebra aí por parte de um cinema comercial predominante. Isso vem de um trabalho de base feito nas escolas e universidades, há 14 mil estudantes de cinema na Argentina, hoje em dia, e por sorte, eles tem também um grande número de psicanalistas, não dando certo, há uma carreira garantida... Nós no Brasil tínhamos uma unidade que foi perdida pouco a pouco. Esse foco veio do choque gerado pelo governo Collor no sentido do nosso próprio entendimento como nação que leva esse cinema a falar basicamente sobre um tema, que é a busca pela identidade brasileira. Quem somos nós, de onde estamos vindo, e aí temos o filme de Carla Camurati, Carlota Joaquina, o primeiro filme da retomada, entra o pernambucano Baile Perfumado, que também fala disso. Tivemos outros filmes que tentavam responder naquele exato momento a essas questões, como o Terra Estrangeira, que fizemos. Mesmo outros tipos de filmes, comedias que foram feitas, tinham uma ligação com aquilo que estava acontecendo no país, de uma maneira ou de outra. Essa especificidade foi perdida, ao longo do caminho esse cinema que tentava responder às perguntas sobre quem somos, de onde viemos e para onde estamos indo deu lugar a um cinema menos comprometido e mais comercial. Vale dizer que nada tenho contra o cinema comercial, eu mesmo já fiz filmes comerciais, mas a distancia entre esses dois cinemas tornou-se abissal e ela permanece hoje em dia, abissal. Há um numero de projetos que não respondem mais a essas perguntas, como remakes de comedias chilenas que nenhuma ligação tem com as questões urgentes do país. Dito isso, é preciso que seja lembrada uma certa vitalidade do cinema brasileiro. O Festa da Menina Morta, do Matheus Nachtergaele (ed: exibido em Cannes, esse ano), o Feliz Natal, de Selton Mello, um filme cassaveteano que eu espero ver numa série de festivais daqui para frente, com todo o perfil de um cinema autoral que faz todas as perguntas. Na própria Videofilmes, fizemos agora o primeiro longa de Eduardo Valente e vamos agora para o do Eryck Rocha. Enfim, um cinema dos que tentam gerar memória. O cinema no qual eu acredito é aquele que testemunha o nosso tempo.

'Linha de Passe' e os Meninos do Brasil


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Com Linha de Passe (Brasil, 2008), o cinema de Walter Salles fica claramente dividido em dois: o dos filmes que ele dirigiu sozinho, e os que fez em afetuosa parceria com Daniela Thomas. Todo filmado em locações numa São Paulo cidade-monstro, essa crônica sobre uma mãe e seus quatro filhos estreou no último Festival de Cannes, de onde saiu com a Palma de Melhor Atriz para Sandra Corveloni. Linha de Passe, cinema de interesses humanos e sociais, mostra respeito por um grupo de pessoas que, findo o filme, soam tristemente inviabilizadas pela corrida da vida na grande banda pobre da América Latina.

Sobre essa divisão no cinema de Salles, ao lado de Thomas os enfoques sugerem personagens do hoje, da classe média e da classe pobre, imprensados por acontecimentos maiores. A falta de perspectivas da era Collor e a busca pelo externo em Terra Estrangeira (1995), a instabilidade emocional na virada do milênio em Copacabana, de O Primeiro Dia (1999), ser imigrante e pobre num país rico no belo curta Loin du 16ème, de Paris, Eu Te Amo (2005). De alguma forma, tudo soa muito palpável e imediato.

Sozinho, Salles revela-se um explorador de formatos e temáticas, e seus filmes soam mais distantes de nós, de certa forma. Do thriller de corte americano do seu primeiro A Grande Arte (1991) ao moderno melodrama latino de Central do Brasil, ele usou dinheiro estrangeiro em projetos distintos como a investigação de um personagem e de seu continente, filme de prestígio 'world cinema' que é Diários de Motocicleta (2005), e ainda arriscou-se corajosamente num produto hollywoodiano no suspense Água Negra (Dark Water, 2005), não muito bem sucedido. Abril Despedaçado (2002) talvez traduza o tipo de impasse que surge quando se espera muito de um cineasta, artística e contratualmente.

Em Linha de Passe, há uma sensação de alívio pela visão de mundo transmitida, e o nível do filme é alto, especialmente se visto dentro da produção brasileira. Nesse âmbito atual, a visão de mundo tem como norma o fascínio que não sai de moda de os ricos filmarem os muito pobres, perversão capaz de gerar coisas abomináveis como Tropa de Elite ou Estômago. Há pouco mais de um mês, Era Uma Vez (que continua bem nos cinemas, com interesse renovado a cada semana), filme de Breno Silveira, uma obra digna, mostra que a idéia básica de tensão social nos nossos filmes é um moreno da favela apaixonar-se por uma loirinha (da beira-mar) de Ipanema.

Bem mais sóbrio e ciente, Linha de Passe nos dá cinco personagens num tom de investigação auxiliada por um certo pesar. Há um tom talvez claro de que Salles e Thomas querem cuidar dessas pessoas, uma compaixão que ameaça enfraquecer o filme, mas eles bem sabem que mostrá-los contra o ambiente paulistano já seria respeitoso e grande o suficiente.

Será que essa compaixão manifesta-se em momentos como a festa onde Dario (Vinicius de Oliveira, dez anos depois de Central do Brasil) parece estar sendo corrompido com drogas por novas amizades da classe média? Ou pela sensação de teleguia que marca o envolvimento de um dos irmãos com o crime? São aproximações breves e preocupantes de um filme normalmente tão natural, mas que ameaça resvalar para o clichê social.

Em grande parte, no entanto, Salles e Thomas conseguem manter o nível alto. A câmera fluente (Mauro Pinheiro Jr.) traduz a agressividade de São Paulo como pouca coisa vista, especialmente no trânsito e no caos arquitetônico. É muito interessante para o espectador ver a cidade tão realista uma semana antes da estréia de Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, que dá a São Paulo uma leitura próxima do cinema fantástico.

A figura materna forte (Corveloni), presente com freqüência na filmografia de Walter, tenta administrar seus pintinhos, cada um deles (bela idéia do roteiro de Bráulio Mantovani, Daniela Thomas e George Moura) com pais, biotipos e mesmo cores diferentes, são os meninos-Brasil, a imagem deles é cheia de naturalidade.

Todos procuram se dar bem no susto, seja trabalhando como motoboy, sonhando com o difícil sucesso no futebol, agarrando-se desesperadamente ao modelo nacional de protestantismo ou, no caso do menino-Brasil por excelência, o único negro da casa, querendo saber quem ele é. No processo, desenvolve fascínio por ônibus urbanos. Curioso que dos cinco, três unem-se a elementos que se movimentam constantemente (motos, bolas, ônibus), ficando a mãe atônita e o filho crente os dois praticantes da constância (nunca, aliás, plenamente conquistada).

Acompanhar cada um deles, em núcleos, resulta numa experiência ora instigante, ora problemática. São precisas as observações do filme para com a forma bem brasileira (freyreana, porquê não?) de um racismo 'carinhoso' entre os da mesma família, por exemplo. Essas brincadeiras entre or irmãos, e onde o caçula é a maior vítima, nos dizem algumas verdades sobre a cultura brasileira, e são ricas.

Por outro lado, a proposta estabelece um corta-corta entre cada núcleo, algo estabelecido já na abertura de ritmos urbanos e futebolísticos que Linha de Passe segue à risca como projeto arquitetônico durante toda a projeção. Isso torna-se previsível e mesmo manipulador, como se alguém estivesse a mudar de canal sempre. Cinema é manipulação, mas apenas algumas soam mais livres do que outras.

A conclusão, em especial, sugere um virtuosismo de montagem que, se olharmos com atenção, não parece casar com o que de fato se passa na tela, uma vez que desdobramentos de cada personagem resultam sóbrios e até mesmo discretamente pessimistas. A sensação de organização milimétrica de destinos fotogênicos (o chute que irá decidir toda uma vida, um feito e tanto nas ruas, uma imagem místico-religiosa de purificação, a redenção do arrependimento...) trai um filme que enfoca vidas que, como tantas, entre ricos e pobres, encontram-se em constante desordem. Além de Corveloni, os meninos João Baldasserini, Vinícius, José Geraldo Rodrigues e Kaique Jesus Santos (o caçula Reginaldo) são incentivados pela escola Fátima Toledo com resultados excelentes.

Filme visto no Lumiere, Cannes, Maio 2008

Hellboy II

Tem ou não tem cara de uma saudosa matinê?


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Cineasta curioso esse mexicano Guillermo del Toro. É claramente o caso de uma criança à solta na enorme loja de doces que o cinema pode ser, e sua gula por criaturas fantasiosas é intrigante. O chamado "cinema do real" não parece lhe tocar, a constância da fantasia em filmes seus como Cronos (1993), o muito bem sucedido Labirinto do Fauno (2006) e esse Hellboy II – O Exército Dourado (Hellboy II – The Golden Army, EUA, 2008), apontam para isso.

A continuação do primeiro Hellboy, que ele também dirigiu, confirma essa intimidade com a fantasia que já aproximou Del Toro de outro lunático talentoso, o neo-zelandês Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis). Os dois embarcam atualmente em mais uma aventura baseada nos escritos de JRR Tolkien, O Hobit (em pré-produção), que deverão dirigir juntos.

Estofado de efeitos especiais a torto e à direita, Hellboy revela-se incomum num mercado tão amostrado, já que os efeitos funcionam não para chamar a atenção, mas como uma escrita fluente. Esse faz de conta nunca realmente perde o interesse, há algo de uma matinê antiga, ou talvez uma série de TV saudosa, e isso é um elogio.

Hellboy (Ron Perlman), a estranha criatura humanóide que é demônio, tem pele vermelha, chifres cortados, e ainda uma mão-marreta, é construída com simpatia e naturalidade, e desta vez ele será até pai. Bacana também a abertura, onde o vemos como uma criança faminta por ouvir histórias fantásticas.

Trabalhando para um braço secreto do governo que lembra a sede de Homens de Preto, Hellboy tem a ajuda da sua companheira Liz (Selma Blair), que parece integrante desgarrada de O Quarteto Fantástico ou X-Men (ela pega fogo quando quer), e do colaborador homem-peixe Abe Sapien (Doug Jones), que lembra uma versão com guelras (e hetero) de C3P0, de Guerra Nas Estrelas. Há ainda um engraçado alemão afetado com uniforme químico retrô-fascista estilo anos 30 que já virou um tipo de marca registrada do design que Del Toro parece adorar, vide o primeiro Hellboy e também O Labirinto do Fauno.

Hellboy e seus amigos serão obrigados a enfrentar um derrame de criaturas fantásticas que saíram de um outro plano para chegar no nosso. Já vimos mais ou menos tudo isso antes, e essa de uma outra dimensão invadir a nossa realidade é velha, de Bandidos do Tempo (1981) a Labirinto (1986) e mesmo O Nevoeiro, lançado semana passada.

No entanto, aqui isso não importa. Del Toro faz tudo com graça e humor. Elfos, trolls e pequenas criaturas aladas não são apenas efeitos especiais, mas elementos significativos. No submundo fantástico de Nova York proposto pelo filme, há espaço para a dor de cotovelo ao som de Barry Manilow (Can't Smile Without You) e, no melhor riso do filme, um bebê gracinha é, na verdade, um tumor agigantado no corpo de um troll.

Hellboy parece ganhar menos tempo no seu próprio filme, embora o personagem seja tão divertido, um demônio simpático, vaidoso, defensor dos gatos e bebês, sem paciência para gente ruim e sempre pronto para mesclar dureza com delicadeza. O perfeito personagem infantil, ético e calculadamente assustador, para terceiros. Divertido.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Setembro 2008

A Banda



Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O muito simpático A Banda (Bikur Ha-Tizmoret, Israel, 2007), filme de Eran Kolirin, chama a atenção por propor uma interação não-militar, ou explosiva, entre judeus e árabes, numa narrativa que demonstra a curiosidade, de ambas as partes, para elucidar não tanto questões políticas e históricas, mas aspectos humanos como "quem é você e o que estás fazendo aqui?". Se a língua que os une no filme é quase sempre o inglês, Kolirin parece utilizar os créditos finais com a equipe técnica como delicada mensagem: os créditos passam em árabe e hebreu, simultaneamente.

Vale esclarecer que, de fato, ao citar o binômio indissociável "judeus e árabes", o filme não estará falando sobre Israel e Palestina, mas sobre um grupo de músicos egípcios - a Banda Cerimonial da Polícia de Alexandria - convidada para tocar no interior de Israel. Com uniforme azul piscina, chapéus e cada músico carregando curiosas malas que revelam seus instrumentos, eles mostram-se um grupo difícil de não ser enxergado à distância, principalmente depois de tomarem um ônibus errado e irem parar no meio do nada.

Essa narrativa tem claramente o tom, pejorativo talvez, de um inofensivo "world movie", o equivalente cinematográfico da world music. De qualquer forma, revela-se melhor do que isso, e ergue-se com discreta naturalidade. Os conflitos, um a um, vão se aproximando da verdade em pequenos sopros de humor que o espectador deverá, sozinho, captar, sem o auxílio de música ou claque de riso.

Alguns dos músicos são delicadamente desenvolvidos com personalidades bem sugeridas (outros permanecem figurantes), com destaque para o enorme sucesso junto às mulheres, Khaled (Saleh Bakri), que se transforma num professor de naturalidade e delicadeza com o sexo oposto para um angustiado nativo.

Liderados pelo conservador Tawfiq Zacharaya (Sasson Gabai), o grupo ganha interlocução com a interessante dona de uma lanchonete, Dina (Ronit Elkabetz), questionadora, curiosa sobre esse grupo (em particular, Tawfiq), e que parte para não só dar-lhes abrigo na sua casa, mas também, e esta é a melhor coisa do filme, mostrar-lhe um pouco da vida normal num lugar distante que é o pequeno mundo onde vive. Na verdade, tem-se a sensação de que a visita inesperada desta banda foi a melhor coisa que aconteceu no lugarejo em tempos recentes.

A Banda traduz muito bem a estranhíssima sensação de estar num lugar onde você, na verdade, não deveria estar. Estadias acidentais em certas viagens, no fim das contas, podem ser experiências ricas, pois a interação vem da naturalidade instintiva. Essa crônica capta bem o clima de uma viagem, esse deslocamento físico para um outro lugar que, frequentemente, te deixa mudado ao final, ou pelo menos capaz de enxergar novas possibilidades.

Filme visto no Jean Eustache, Bordeaux, França, Janeiro 2008

Monday, September 1, 2008

Cine Paissandu, Que Fechou Ontem, no Flamengo



Foto de Toinho (Antônio Castro), circa 2001
Obrigado, adorava o Paissandu.

Sunday, August 31, 2008

"Trovão Tropical" Cortado no Recife

Kleber Mendonça Filho

Eu fui ver Trovão Tropical sexta à noite no Kinoplex Plaza Casa Forte, novo multiplex que abria naquele dia estalando de novo. Vi o filme (engraçado), mas só descobri no dia seguinte através da comunidade do CinemaScópio no Orkut que o filme passou cortado. Descobri que o filme também estava cortado na UCI Boa Viagem.

Três trailers falsos, estilo Grindhouse, foram arrancados do filme (eles passam antes da vinheta da Dreamworks) pelo operador de projeção, que deve ter achado que os trailers só aumentariam a minutagem da sessão. Algumas salas Brasil a fora fizeram o mesmo, provavelmente achndo que eram trailers de próximos lançamentos.

Depois de falar com Pedro Pinheiro, programador da UCI/Ribeiro no Recife, ele certificou-se de que os trailers estivessem de volta ainda no domingo.


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