Thursday, September 4, 2008

Hellboy II

Tem ou não tem cara de uma saudosa matinê?


Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Cineasta curioso esse mexicano Guillermo del Toro. É claramente o caso de uma criança à solta na enorme loja de doces que o cinema pode ser, e sua gula por criaturas fantasiosas é intrigante. O chamado "cinema do real" não parece lhe tocar, a constância da fantasia em filmes seus como Cronos (1993), o muito bem sucedido Labirinto do Fauno (2006) e esse Hellboy II – O Exército Dourado (Hellboy II – The Golden Army, EUA, 2008), apontam para isso.

A continuação do primeiro Hellboy, que ele também dirigiu, confirma essa intimidade com a fantasia que já aproximou Del Toro de outro lunático talentoso, o neo-zelandês Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis). Os dois embarcam atualmente em mais uma aventura baseada nos escritos de JRR Tolkien, O Hobit (em pré-produção), que deverão dirigir juntos.

Estofado de efeitos especiais a torto e à direita, Hellboy revela-se incomum num mercado tão amostrado, já que os efeitos funcionam não para chamar a atenção, mas como uma escrita fluente. Esse faz de conta nunca realmente perde o interesse, há algo de uma matinê antiga, ou talvez uma série de TV saudosa, e isso é um elogio.

Hellboy (Ron Perlman), a estranha criatura humanóide que é demônio, tem pele vermelha, chifres cortados, e ainda uma mão-marreta, é construída com simpatia e naturalidade, e desta vez ele será até pai. Bacana também a abertura, onde o vemos como uma criança faminta por ouvir histórias fantásticas.

Trabalhando para um braço secreto do governo que lembra a sede de Homens de Preto, Hellboy tem a ajuda da sua companheira Liz (Selma Blair), que parece integrante desgarrada de O Quarteto Fantástico ou X-Men (ela pega fogo quando quer), e do colaborador homem-peixe Abe Sapien (Doug Jones), que lembra uma versão com guelras (e hetero) de C3P0, de Guerra Nas Estrelas. Há ainda um engraçado alemão afetado com uniforme químico retrô-fascista estilo anos 30 que já virou um tipo de marca registrada do design que Del Toro parece adorar, vide o primeiro Hellboy e também O Labirinto do Fauno.

Hellboy e seus amigos serão obrigados a enfrentar um derrame de criaturas fantásticas que saíram de um outro plano para chegar no nosso. Já vimos mais ou menos tudo isso antes, e essa de uma outra dimensão invadir a nossa realidade é velha, de Bandidos do Tempo (1981) a Labirinto (1986) e mesmo O Nevoeiro, lançado semana passada.

No entanto, aqui isso não importa. Del Toro faz tudo com graça e humor. Elfos, trolls e pequenas criaturas aladas não são apenas efeitos especiais, mas elementos significativos. No submundo fantástico de Nova York proposto pelo filme, há espaço para a dor de cotovelo ao som de Barry Manilow (Can't Smile Without You) e, no melhor riso do filme, um bebê gracinha é, na verdade, um tumor agigantado no corpo de um troll.

Hellboy parece ganhar menos tempo no seu próprio filme, embora o personagem seja tão divertido, um demônio simpático, vaidoso, defensor dos gatos e bebês, sem paciência para gente ruim e sempre pronto para mesclar dureza com delicadeza. O perfeito personagem infantil, ético e calculadamente assustador, para terceiros. Divertido.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Setembro 2008

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