Saturday, January 23, 2010

Joe Dante Queima Cinema





Revi Gremlins (1984) em blu-ray. Memórias afetivas dos anos 80 superadas pelo filme em si. Admiro Joe Dante e sua anarquia. O filme me pareceu ainda mais dodói do que na época, pois é um produto de encaixe difícil na prateleira do mercado.

Mas uma coisa me chamou a atenção, a sequência da destruição do cinema lotado de gremlins. Quentin Tarantino, em Bastardos Inglórios, faz, essencialmente, a mesma coisa, 25 anos depois. Não trata-se de cópia, mas de dois realizadores que querem filmar numa sala de cinema, na cabine de projeção, atrás da tela, no hall de entrada. Eles adoram isso, e querem estar lá, mesmo que para explodir a coisa toda. K.M.F

Friday, January 22, 2010

Cinema São Luiz


Vistos no São Luiz, se a memória não me falhe.

Festival Tom & Jerry (1973)
Quem Não Corre Voa (1982)
Duro de Matar 2 (1990)
Dança Com Lobos (1991)
Robocop (1987)
O Siciliano (1988)
9 1/2 Weeks (1987)
Sem Saída (No Way Out, 1988)
Knight Moves (1992)
Ricochet (1991)
La Femme Nikita (1991)
As Sete Vampiras (1987)
Os Saltimbancos Trapalhões (1982)
Orca a Baleia Assassina (1978)
Herança Nuclear (Damnation Alley, 1978)
O Dia em que o Mundo Acabou (When Time Ran Out, 1981)
Village of the Damned (1995)
Wall Street (1987)
Star Trek - First Contact (1996)
Star Wars (1980)
Star Wars - Special Edition (1997)
U2 Rattle and Rum (1989)
Um Céu de Estrelas (1997)
Beetlejuice (1988)
Betty Blue (1987)
Os Guarda-Chuvas do Amor (1998)
Casablanca (1998)
O Fugitivo (1993)
Baile Perfumado (1997)
Jurassic Park (1993)
Spaceballs (1987)
A Menina do Lado (1987)
Faca de Dois Gumes (1988)
Jesus de Narazé Parte 2 (1978)
Hulk (2003)
O Cangaceiro (1997)
A Mosca (1987)
Crocodilo Dundee (1987)
Crocodilo Dundee II (1989)
O Cinderelo Trapalhão (1979)
O Império Contra-Ataca (1997)
A Lista de Schindler (1994)
O Império do Sol (1988)
Running Scared (1987)
Ruthless People (1987)
Down and Out in Beverly Hills (1987)
Viagem Insólita (Innerspace, 1988)
Copycat (1995)
A Insustentável Leveza do Ser (1990)
A Rainha Margot (1995)
007 The Living Daylights (1987)
Biloxi Blues (1988)
Re-Animator (1988)
Goldeneye (1995)
Eu (1987)
The Jackal (1995)
Uno Sceriffo Extraterrestre - poco extra e molto terrestre (1981)
Banana Split (1987)
O Pequeno Lorde (1981)
O Trapalhão no Planalto dos Macacos (1976)
O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1978)
Daredevil (2003)
A Paixão de Cristo (2004)
Titanic (1998)
Pulp Fiction (1995)
O Último Boyscout (1992)

...

Thursday, January 21, 2010

RECIFE FRIO em Tiradentes e Roterdã


Recife Frio, a curiosa ficção científica dirigida por mim, passa esta semana em dois festivais importantes. No Brasil, nas Minas Gerais, no Festival de Tiradentes. Exibe quarta, 27 de janeiro, às 21h, na Praça.

Na Holanda, o filme exibe (na sua primeira cópia legendada em inglês) no Festival de Roterdã, na seleção Spectrum. .

Recife Frio estreou em Brasília, em novembro, onde ganhou 7 prêmios (Melhor Filme do Público, Melhor Filme da Crítica, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Prêmio Canal Brasil, Prêmio Saruê de Melhor Momento do Festival, Prêmio Vagalume).

No Festival Luso Brasileiro de Santa Maria da Feira, Recife Frio ganhou Melhor Filme (júri) e Melhor Filme (público).

O filme foi feito com grana da Petrobras. Eu completei o pouco que faltou.

GRIZZLY COP ('Bad Lieutenant'), de Herzog


Eu estava achando tudo muito estranho em Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans (Vício Frenético), segundo Werner Herzog, até que me vi rastejando ao lado de um jacaré, o observador escondido de uma cena que acabara de acontecer. A partir daí, relaxei, e adorei o filme.

Vício Frenético não foi muito bem nos cinemas brasileiros, esta semana já perdeu muitas das suas salas. Ou seja, priorizem-no, tentem ver. K.M.F

Up in the Air


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O movimento por esforço repetido de ver tanta comédia romântica do inferno, filmes de horror adolescentes e adaptações genéricas de super heróis, nos leva a admirar obras mais sensatas sobre gente, como Amor Sem Escalas (Up in the Air, EUA, 2009). O filme de Jason Reitman (Juno) não deveria ser uma raridade, mas é. Os personagens e as situações são de interesse, o tom é crítico, mas sem julgamentos.

O filme é uma das possibilidades da atual temporada de Oscar. No último domingo, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Roteiro Adaptado. É uma obra interessante, mesmo com a já muito aguardada queda final, certeza matemática nos filmes bem intencionados de Hollywood.

O interesse do filme é exatamente contrapor noções básicas de humanidade e o sistema vigente (desumano) que faz a sociedade existir. É um grande tema, fértil desde Tempos Modernos (1936), de Chaplin, e presente também com grande força no recente filme romeno Policial Adjetivo (2009), de Corneliu Porumboiu.

O personagem central de Amor Sem Escalas chama-se Ryan (George Clooney), um executivo. Ryan é um aprofundamento do homem moderno de Clube da Luta (1999), adepto de refeições e amigos descartáveis.

Portador de todo tipo de cartão diamante da American Airlines, Hertz, Rent a Car, hotéis e VIP lounges, Ryan é um expert da viagem, sua mala de rodinha um primor de organização. O terno também cai super bem em Clooney.

O trabalho de Ryan beira o fúnebre. Viaja pelo país demitindo funcionários de grandes empresas, homens e mulheres jovens ou de meia idade, alguns quase aposentados, que ouvem da sua conversa estudada a novidade: estão na rua.

Esse quarentão não quer ter uma casa (seu ap é um cubículo estéril e branco), esposa ou filhos, e sente-se à vontade nas dezenas de aeroportos americanos. Desde Prenda-me Se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002), de Steven Spielberg, que o fascinante (e deprimente) mundo dos aeroportos não era filmado tão intimamente.

Entra na história Natalie (Anna Kendrick), uma dessas jovens profissionais recém formadas, com tailleurzinho padrão, cabelo preso e linguagem corporal de andróide. É o tipo de funcionário gerado pelo mercado, já visível no Brasil via globalização. Natalie parece cria daquela última palavra nesse tipo de gente, a garota de Eleição (1999), de Alexander Payne.

Para a alegria do chefe dela e de Ryan (Jason Bateman), ela propõe um sistema revolucionário de teleconferência via net que irá economizar dinheiro em passagens e hotéis. É a demissão à distancia, com webcams.

Ryan ainda acredita no golpe de misericórdia ao vivo, frente à frente. É um humanista, muito embora o seu discurso ensaiado tenha pouco do que normalmente acharíamos humano. Talvez ele queira mesmo é continuar viajando.

O filme desdobra-se numa série de viagens que Ryan faz com Natalie para mostrar-lhe a realidade do trabalho. Natalie, oca, sem experiências de vida, revela-se personagem interessante o suficiente para abrir os olhos, aos poucos.

Há também um caso de Ryan na pessoa de Alex (Vera Farmiga, figura), sua alma gêmea no mundo dos aeroportos, a personagem mais intrigante do filme. Diferente de Ryan, ela parece viver pelo menos três vidas, paralelamente. Lamentavelmente, uma revelação sobre Alex é uma asneira narrativa como execução que permanece um mistério para esse espectador de como ainda está no filme.

Mesmo assim, há coisas melhores. A cena em que os três, no enfado de uma noite de semana, em algum hotel distante, entram de penetras numa festa de empresas de TI é o tipo de detalhe que dá ao filme seu diferencial. A desculpa dos dois mais velhos para a (inicialmente) horrorizada Natalie revela muito sobre a sociedade hoje: “são empresas de tecnologia, eles têm muita grana...”

Dotado de uma abertura linda, que transmite o estado de espírito do personagem (e de qualquer um que viaja muito de avião), Amor Sem Escalas dirige-se para um final dúbio que sugere manipulação e medo de desagradar o público. Antes das palavras finais fieis à tristeza de Ryan, uma montagem aparentemente sapecada de última hora ressalta (para o público médio) a importância da família e de estar casado, a maior nota errada de um filme, em grande parte, honesto.

Filme visto no Plaza Casa Forte, Recife, Janeiro 2010

Cheri


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Cheri (Inglaterra/França/Alemanha, 2009), dirigido pelo sempre afiado Stephen Frears, e com Michelle Pfeiffer, é uma diversão aparentemente passageira dotada de alguns prazeres. Vem com um ferrão emotivo ao final. Frears, mesmo assim, evita habilmente as questões mais simplistas do dramalhão.

No último Festival de Berlim, há quase um ano, Cheri passou em competição, mostrando-se um filme de apelo popular sobre os meandros da paixão e das classes sociais, na Paris da Belle Époque.

Foi, no entanto, mal tratado pela crítica, especialmente entre ingleses e franceses, revelando a histórica rivalidade entre as duas partes. A grosso modo, os franceses acharam deplorável o tom britânico em cima de história tão francesa. Os ingleses não entenderam o filme, cuja carga é inevitavelmente gaulesa. Isso, claro, é curioso, mas Cheri nos pareceu bem distante do ruim.

Cheri não é a personagem de Pfeiffer, que chama-se Lea, uma cortesã, mas o apelido do seu amante mais amado (o ator inglês Rupert Friend). Cheri é um rapaz mimado que ela pôs no colo quando criança, mas que agora a põe no colo já crescido. Ele é filho de uma outra cortesã, já aposentada, a cobra cascavel Madame Peloux (Kathy Bates, ótima).

O conceito de cortesã, e algumas das peculiaridades sociais que acompanham esse status na época, é algo que o filme encarrega-se de explicar muito bem na voz do próprio Frears, também narrador de tom alegremente sarcástico (extremamente britânico, aliás).

Já na casa dos 50, Lea quer recolher-se com dignidade, com o pé de meia conquistado ao longo de três décadas de cama. Foi a amante bem sustentada por uma série de homens importantes cujas relações com ela eram segredos que todos sabiam na alta roda de Paris.

Sem nunca ter se rendido ao amor, Lea percebe que está falhando ao ver-se cada vez mais carente sem a presença de Cheri, personagem quase sempre insuportável e de notável crueldade e insensatez. O grande desafio de Lea é lidar com o casamento de Cheri com Edmee (Felicity Jones), jovem socialite, outra cria da casta cortesã.

Aspecto importante do filme é a necessidade de esconder emoções e nunca perder a classe (o popular rebolado) nesse mundo feminino das cortesãs, onde o poder sexual associado à mulher bela é a sua arma mais eficaz. É algo que Pfeiffer já transmitiu com muita força no excelente A Época da Inocência (The Age of Innocence, 1993), um dos filmes menos festejados de Martin Scorsese. Ali, ela também interpretava uma mulher clássica, lidando com as etiquetas dos sentimentos.

Importante lembrar que Pfeiffer trabalhou exatamente 20 anos antes com Frears numa outra adaptação britânica de escritos franceses, Ligações Perigosas (Les Liaisons Dangereuses, de Pierre de Choderlos de Laclos), um filme ainda melhor. Ela deleita-se com o texto rápido e ácido adaptado por Christopher Hampton (também roteirista de Ligações Perigosas), a partir dos escritos de Colette.

Vendo Pfeiffer em Cheri, não é difícil pensar como a trajetória dela, como atriz, espelha algo da cortesã que interpreta. Sob os serviços de Hollywood já há 30 anos, ela chega aos 51 num ritmo bem menor, os bons papéis já escassos.

A indústria teme a idade das suas estrelas e só investe na beleza jovem, sempre. Tudo isso foi tão bem colocado por Billy Wilder em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), e, vez ou outra, vemos isso acontecendo na nossa frente, na própria tela do cinema.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fevereiro 2009

Coco Antes de Chanel


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

Ano passado, dois projetos rivais foram lançados enfocando a figura da estilista francesa Coco Chanel. O filme de encerramento do Festival de Cannes, Coco & Stravinsky, dirigido por Jan Kounen, e o outro Coco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel, França), de Anne Fontaine, o mais insosso dos dois. De qualquer forma, esse segundo filme tem o valor agregado de ter a estrela Audrey Tatou (Amélie Poulain), atualmente o rosto das publicidades Chanel No.5 no mundo.

O filme segue a linha de biofilmes que interessam ao mercado. Há três anos, o cinema francês fez o muito bom Piaf, sobre a cantora, Hollywood, ano passado nos deu o ótimo Milk, de Gus Van Sant, sobre o político de São Francisco Harvey Milk, e o cinema Brasileiro nos dá atualmente a novela das seis de apenas um capítulo Lula – O Filho do Brasil. Para completar, essa semana estreou na França Serge Gainsbourg, Vie Héroïque, a biografia dramatizada do astro pop francês Gainsbourg.

Coco Chanel é uma personagem que parece inspirar enorme curiosidade, material certo para esse tipo de produto. É enigmática, uma artista nata, glamourosa, feminista antes do termo existir, amante de homens importantes, inclusive, durante a guerra, de um oficial nazista, fato ignorado por esses dois filmes.

Em Coco Antes de Chanel, o enfoque vai meio que ao pé da letra, mostrando a garota que existia antes do mito criador de estilos e modas, mas já nos mostrando pistas. Curiosamente, esse filme termina mais ou menos onde Coco & Stravinsky (que aguarda lançamento no Brasil) começa, na época da I Guerra.

Tatou certamente tem a presença e os nervos para nos dar um retrato bem orgânico de Chanel. Fica linda com um cigarro no bico, cara de desdém por quase tudo, revelando paixão em pequenas atitudes e ações. E como fotografa bem essa garota.

As intenções de Fontaine, no entanto, parecem deixar o filme duro como uma tabica, monocórdio, com ar constante de um ensaio de moda filmado. Nos mostra a pequena Coco desde a infância, no caso dela num orfanato. Mais tarde, ganha uns trocados em cabarés de segunda categoria de Paris, onde sua capacidade de atrair homens poderosos é inaugurada.

Atrai um bon vivant chamado Étienne Balsan (Benoît Poelvoorde), que a adota como amiga, amante e mulher, sempre sem qualquer noção de possessão envolvida. Essa ética interessante bate com o outro lançamento da semana, Cheri, de Stephen Frears, embora Coco não seja, tecnicamente, uma cortesã.

Mesmo não sendo, Étienne a “empresta” para um amigo, Arthur 'Boy' Capel (Alessandro Nivola), o primeiro grande amor de Chanel. Esse inglês, também bon vivant, será o interesse amoroso do filme, para a discreta e civilizada dor de Étienne.

É um filme raso na sua capacidade básica de ser previsível e também assistível, apelando para um encerramento que parece trair o título em troca de uma celebração do mito da moda e da alta costura. Parece menos sobre substância, e mais sobre aparência, a acusação lógica e tradicional para todas as coisas fashion.

Filme visto no Arteplex Botafogo, Rio de Janeiro, Novembro 2009

Tuesday, January 19, 2010

Globos de Ouro


Avatar ganhou dois Globos.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O apresentador inglês Ricky Gervais (da série The Office) chamado para animar a 67a edição do Globo de Ouro, pré-arremedo do Oscar, domingo à noite, enquadrou cerimônia tão frívola: “Tanta gente famosa para celebrar os melhores trabalhos do ano feitos... pela cirurgia plástica!”. A piada parece definir bem o grande vencedor da noite, Avatar, de James Cameron, rei do mundo em Titanic, agora o rei de Pandora.

A piada explica também os caminhos da premiação, resultado, ao que parece, do reconhecimento do tamanho da carteira dos ganhadores. Tudo isso na semana que viu o terremoto no Haiti colocar a realidade paralela do glamour em perspectiva, algo que talvez explique o porquê de imagens de George Clooney na mesa do seu filme Amor Sem Escalas o mostrarem de cabeça baixa, talvez constrangido de ali estar. Clooney prepara (nesta sexta) um especial na TV americana que irá arrecadar dinheiro para o Haiti.

E frívola é uma palavra que apenas começa a descrever a distribuição de prêmios da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, formada por jornalistas apaixonados pelo glamour do cinema, e, ao que parece já há anos, não tanto pelo cinema em si. Nos pareceu o bobo de ouro.

Avatar, que aproxima-se dos 500 milhões de dólares somente nas bilheterias americanas, levou melhor Filme e Melhor Diretor. Cameron, em formato pateta, balbuciou palavras no dialeto imaginário do seu filme e propôs salva de palmas para todos no recinto, “pois temos o melhor emprego do mundo, vamos lá!”.

O grande perdedor na categoria drama (filme e direção), nesse sentido, foi Guerra ao Terror (The Hurt Locker), de Kathryn Bigelow, por acaso, ex-esposa de Cameron. Mundo pequeno. Na categoria comedia ou musical, pegaram também o maior bolão do último ano fiscal, Se Beber Não Case, filme coqueluche nos EUA.

Isso desbancou Nine, a grande aposta dos irmãos Weinstein, ex-reis de Hollywood via Miramax, agora se levantando aos poucos de uma fase ruim. Com nove indicações para dois dos seus filmes (Nine e Bastardos Inglórios), talvez ainda não tenham saído da má fase, só converteram uma, melhor ator-coadjuvante para Christoph Waltz, por Bastardos. Waltz, uma pena, fez discurso constrangedor, uma tentativa de poesia sobre como o Globo entrou no seu universo e Tarantin... anyway.

Outra derrota chocante foi a de Quentin Tarantino, cujo roteiro para Bastardos Inglórios é claramente a melhor coisa em Hollywood nesse e em outros anos. Prêmio foi para Jason Reitman, por Amor Sem Escalas, que estréia sexta-feira. “Ainda estou esperando ouvir seu nome, Quentin...”, disse Reitman já no palco.

Merryl Streep, grande atriz que, já madura e querendo apenas se divertir, ganha prêmio até por ir ao supermercado. Levou um globo pela leve porcaria que é Julie & Julia, sem falar que competia com ela mesma em outra comédia, Simplesmente Complicado. Mencionou elegantemente o Haiti, sem falar exatamente do Haiti.

Robert Downey Jr, figura impagável, sem dúvida, ganhou ator de Comédia pelo tipo de filme de multiplex que, num mundo perfeito, não ganha prêmio de nada: Sherlock Holmes.

Sandra Bullock foi recompensada com um globo pela maior bilheteria da sua carreira por O Lado Cego e Jeff Bridges, um grande sujeito sempre sub-apreciado, foi o escolhido por Coração Louco. Tive estranha sensação de que não era Bridges que subia no palco, mas The Dude (ou El Duderino).

Paul McCartney anunciou que Up, da Pixar, foi o vencedor em animação, lembrando que o gênero não é restrito ao público infantil, “mas também é querido por adultos que se drogam”. Filme estrangeiro foi para o autor europeu Michael Haneke, ganhador da Palma de Ouro em Cannes, por A Fita Branca, cuja vitória no Oscar já é certa, anote aí.

Martin Scorsese, homenageado da noite, quebrou o clima de frivolidade falando sobre cinema da maneira que só ele sabe. Rápida, decente e profundamente. Foi apresentado por Leonardo DiCaprio e Robert de Niro, esse último, comicamente (e estranhamente) sugeriu que Scorsese ama tanto o cinema que possivelmente imagens no You Tube mostrem ele trepando com filmes 35mm. Hm...

O Homem Que Engarrafava Nuvens


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O trailer de O Homem Que Engarrafava Nuvens (Brasil/EUA, 2009) anuncia o retrato de alguém que ficou na sombra de um outro alguém. Parece buscar uma certa identidade perdida do artista que foi Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga. É um filme sobre autoria, na tela e fora dela, mostrando-se ainda mais rico por ser fruto de um cineasta autoral como Lírio Ferreira, energizado por Denise Dumont, filha do personagem foco e produtora do filme.

Desse curioso embate, surge um exemplar diferenciado num gênero que tem se revelado vedete do atual cinema brasileiro, o « documentário musical » de pequeno porte que tem rendido resultados positivos nas bilheterias. Positivos o suficiente para que a Rio Filme, distribuidora de filmes brasileiros, tenha adotado orientação recente de buscar exatamente esse tipo de filme como prioridade. Essa, claro, é uma outra discussão.

O Homem Que Engarrafava Nuvens, no entanto, parece superar algumas vezes o simples rótulo de mercado « documentário musical », um pouco como Lírio Ferreira fizera (ao lado de Hilton Lacerda) com o ensaio de imagem e som que foi Cartola (2005), sucesso notável no gênero.

Em primeiro lugar, temos um realizador totalmente apaixonado pela imagem de arquivo, aqui usada como prova de vida, e não apenas como documento ilustrativo. Essa vida encontrada no passado nos apresenta uma montagem moderna que reforça não apenas o personagem, mas o filme em si. Esse aspecto da montagem do arquivo já era percebido em Baile Perfumado (1996), que Ferreira dirigiu ao lado de Paulo Caldas, e, principalmente, em Cartola.

Esse efeito duradouro do passado é percebido não só na construção de um histórico vivo no filme, mas, claro, na obra de Teixeira em si, cantada por muitos, dentro e fora do Brasil, numa exportação natural de melodias que passam por Carmen Miranda em filmes da Fox dos anos 40 a David Byrne, na Nova York pós-11 de Setembro.

Temos ainda um outro lado muito rico para esse filme, com a mão e os pés da produtora e filha. A investigação pessoal de Dumont, na frente da câmera, às vezes. O que poderia passar como uma jornada em torno do seu próprio umbigo, revela-se uma busca pelo cordão umbilical cortado entre ela e o próprio pai.

Suas descobertas, com destaque para um depoimento duro da sua mãe, dão ao filme aspecto pessoal extra, marcado por aquele tipo de obsessão que é tão importante em obras verdadeiras.

No cinema, cada um escolhe o seu, mas da obra sempre verdadeira oferecida por Lírio Ferreira até agora, O Homem Que Engarrafava Nuvens talvez seja o seu melhor filme. Tem energia, amor pelas imagens e sons, do passado e do hoje, e nos apresenta o retrato de um personagem perfeito para abordagem. Alguém que lhe surpreende, como o filme em si.

Filme visto no Palácio 1, Festival do Rio, setembro 2008

Cinema São Luiz (Recife) Reabre




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O Cinema São Luiz reabre suas portas a partir de hoje. Nos próximos dias, o palácio de filmes da Rua da Aurora, inaugurado em 1952 e fechado pelo Grupo Severiano Ribeiro para a programação comercial em 2006, estará passando por testes numa espécie de 'soft opening'. De hoje a sexta, exibe dois filmes pernambucanos por dia, em regime especial de entrada franca. Fica também definido, a partir de agora, que o programador do São Luiz, na sua nova fase, é Geraldo Pinho, integrante do quadro da Fundarpe e que tem vasta e feliz experiência como programador do Cinema do Parque nos anos 90.

Isso significa que Lula Cardoso Ayres Filho, força essencial no trabalho de restauração da sala, mas que passou a discordar de alguns dos caminhos tomados pela Fundarpe - Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco em relação ao perfil de programação, não terá mais a função de programador. Uma fonte de dentro da Fundarpe comentou ontem que, "de fato, não há mais clima, embora o contrato de Lula vá até fevereiro".

Pode-se dizer que a recíproca também é verdadeira em relação à própria Fundarpe. Nas últimas semanas que viram a reabertura oficial do cinema, dia 29 de dezembro, palavras duras foram trocadas entre as duas partes.

A reportagem falou ontem com Geraldo Pinho. Curiosamente, ele nos informou que ainda não teve nenhuma comunicação oficial de que a programação estará sob sua responsabilidade. Ele disse ter atendido pedido de Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe, que acompanhasse a rotina do cinema nessa fase pré-abertura, sua estrutura e aspectos técnicos.

Por ter estado fora do Recife em dezembro, Pinho ainda não viu a nova projeção e som funcionando. Informou que o problema elétrico que ameaçou a noite oficial de reabertura (solucionado com geradores) foi resolvido. Sobre o trabalho de restauração creditado a Lula Cardoso Ayres, Pinho afirmou que "o São Luiz precisava de alguém que tivesse relação de amor com o cinema, como ele".

Pinho também adiantou que, depois de uma reunião recente, a Fundarpe já não trabalhará mais com a possibilidade de ter uma comissão curatorial para programar o novo São Luiz, ficando esse conselho responsável por uma troca de idéias produtiva que irá sugerir caminhos a serem tomados pelo espaço. Rodrigo Coutinho, assessor de imprensa da Fundarpe, por outro lado, confirma que a programação estará sob a responsabilidade de Pinho, mas com o auxílio da comissão.

O Governo de Pernambuco vem fazendo trabalho inédito e já histórico de apoio ao áudiovisual no estado em quase todas as frentes (a última fronteira a ser conquistada é a preservação do cinema pernambucano como arquivo). A restauração e reabertura do São Luiz é um projeto belíssimo, mas que, a partir de agora, precisa de um trabalho orgânico e de sintonia fina.

Pinho nos disse que, "caso seu nome seja confirmado, ele entende bem o tamanho do desafio que é programar o São Luiz, e que irá assumir o desafio de frente, mas sem ilusões".

Além disso, Recife precisa de mais uma sala competitiva, aberta para o mundo, que ajude o circuito a ser menos limitado na oferta de filmes. Com 44 salas comerciais exibindo Hollywood (Avatar estreou em 19) e apenas quatro cinemas (Rosa e Silva, Fundação, Parque e Apolo) tentando dar conta de filmes que não seriam lançados na cidade de outra forma, a tela do São Luiz é essencial para estimular a diversidade e mostrar que o cinema é mais amplo do que o pobre circuito pernambucano nos leva a crer.

Gigante


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

Com o mundo do cinema dividido entre os produtos do mercado internacional, via Hollywood, e os filmes menores, feitos fora desse esquema, percebe-se algo de curioso nas trincheiras dessa produção independente internacional, na qual os filmes brasileiros fazem cada vez mais parte. O simpático filme uruguaio Gigante (2009), filme de Adrián Biniez, talvez seja um exemplo.

Logo nos créditos de abertura, assusta o número de fundos internacionais de apoio e oficinas de roteiro de consultores estrangeiros pelas quais o filme passou na sua construção. Teme-se que o que veremos levou tanta tapa, pitaco e sacolejo que, quem sabe, o resultado final mostre isso negativamente. De certa forma, é mais ou menos o que se confirma ao longo da projeção.

Gigante se passa numa periferia de Montevidéu. Os dois personagens são Jara (Horacio Camandule) e Julia (Leonor Svarcas). Ele é um tipo alto e forte (gordo), o segurança do supermercado onde Julia trabalha como faxineira. Ela é uma mulher atraente, aparentemente solteira e solitária. É o clássico mito de bela e fera.

Jara é construído como um ogro de coração de mel, metaleiro pacifista que, se a coisa apertar, quebrará a cara de alguém. Ele sente-se atraído por Julia, mas é tímido demais para chegar perto, especialmente quando tem ao seu dispor o sistema de vigilância eletrônica do supermercado, que passa a utilizar como mecanismo de sua paixão platônica.

Dando um passo alem, passa a seguir Julia fora do trabalho, e logo alguns poderão lembrar de Não Amarás (1988), de Krzysztof Kieslowski, embora as ambigüidades do filme polonês nunca realmente se concretizem nesse aqui.

Na verdade, chama a atenção que Gigante seja um filme que segue uma linha reta simpática totalmente pré-programada, sem surpresas, desvios ou picos de interesse. Há um humor robótico à vista que, com enorme boa vontade, poderia lembrar Buster Keaton, mas sem qualquer traço de sarcasmo ou acidez em relação às relações humanas ou a vida numa sociedade vigiada e globalizada (o supermercado, por exemplo).

Especialmente rumo ao final, o filme revela que sua intenção era ser, desde o início, um relato lacônico de tom fofinho, e que deixa muito pouco para o espectador no sentido de uma lembrança. Suspeita-se que intenções originais tomaram o rumo do agrado superficial, algo que pode levar o filme a ser desfrutado por alguns.

Gigante esteve na competição do Festival de Berlim, ano passado, onde ganhou o Urso de Prata e Melhor Filme de estreante.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fevereiro 2009

Sherlock Holmes


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

Logo no início de Sherlock Holmes (EUA/Ing, 2009), nos lembramos do termo ‘superstar’, atualmente ilustrado por gente como Johnnie Depp e Robert Downey Jr. Não são atores que preparam-se para fazer filmes, mas são os filmes que encaixam-se neles. Downey Jr, por exemplo, nos oferece um novo Sherlock para esta reinterpretação dos escritos de Arthur Conan Doyle. Os resultados, ligeiramente divertidos, mas esbaforidos, deixam Downey intacto.

Ele empresta ao filme seu estilo cínico, que sugere um alegre bafo de álcool, como já fizera no divertido Homem de Ferro (o II será lançado em alguns meses). Sua presença nesse Sherlock Holmes certamente explica as bilheterias nas alturas que o filme vem tendo nos cinemas do mundo.

O filme é dirigido por Guy Ritchie, cineasta surgido nos anos 90 com uma série irritante de filmes ingleses sobre gangsteres - Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998), Snatch (2000) e, recentemente, Rock’n’rolla (2008).

Espertinhos, ansiosos na montagem e na câmera, sempre misturando atos pretensamente humorísticos de violência, o cinema de Ritchie encaixa-se na melancólica estante dedicada aos sub-Tarantinos. Foi também casado com Madonna.

Esse Sherlock Holmes, pelo menos, livra Ritchie da triste sina de ser sub-QT para transformar-se em apenas mais um administrador contratado de cenas de ação do moderno cinema de mercado. Seu trabalho, ao que parece, poderia ter sido feito por um software desenvolvido para cuspir filmes de multiplex. Sorte dele ter Downey Jr. na frente da câmera.

Ação, aliás, é o que chama a atenção. Até agora, Sherlock Holmes era um homem de meia idade, nos livros e adaptações para o cinema, um adepto do raciocínio. Na talvez melhor encarnação de Holmes no cinema – The Seven Percent Solution (1976), de Herbert Ross – o amigo Watson ajudava Holmes a superar seu vício por cocaína com a ajuda de Sigmund Freud. O filme parecia interessado no personagem, que é e sempre foi ótimo.

Nos escritos de Arthur Conan Doyle, há menção de que Holmes seria bom de briga e hábil na esgrima, mas há pouca ação nesse sentido. Não nessa versão moderna, que pega pela palavra o aspecto ‘bom de briga’ de Sherlock.

O produtor aqui é o Mr-pipoco por excelência, Joel Silver. Produziu Comando Para Matar (1985), Duro de Matar (1988), Máquinas Mortíferas e os Matrix. Com Guy Ritchie na direção, a Londres do final do século 19 vira cenário para um pouco de trama pontuada a cada 10 minutos por uma briga/perseguição/explosão. Inicialmente o filme promete, mas depois percebemos que a diversão se dilui no cansaço geral, um pouco como num filme pornográfico com historinha.

A trama lembra a última grande adaptação de Holmes para o cinema, o muito simpático O Enigma da Pirâmide (Young Sherlock Holmes, 1985), de Barry Levinson, que adolescentes dos anos 80 devem lembrar com certo carinho.

Esse novo Sherlock Holmes também tem na maçonaria londrina o seu antro de vilania, e um mistério que finalmente intriga o detetive. Lord Blackwood (Mark Strong) é um louco pelo poder que dribla a forca depois de ser julgado culpado pela morte de mulheres num ritual de bruxaria. Declarado morto pelo médico John Watson (Jude Law), o caso vira questão de honra para Sherlock e seu amigo, ridicularizado por um defunto que não morreu.

O inglês Law faz a versão irritada de Watson, e tem presença forte no filme. Está sempre questionando Holmes, que humilhou a noiva de Watson com seus poderes de observação que, embora corretos, não captam histórias completas.

Vibrações homo entre os dois continuam possíveis para espectadores interessados, mas não parece ser o desejo desse filme. Rachel Macadams é trazida para apimentar a vida amorosa do detetive com missão misteriosa.

De qualquer forma, é curioso perceber que, no cinema contemporâneo, uma nova interpretação de Sherlock Holmes usa o seu raciocínio clássico para, principalmente, quebrar a cara dos outros, a imagem assinatura do filme, várias vezes.

Nu da cintura pra cima e de punhos cerrados, o nosso detetive reflete sobre quantas costelas irá fraturar no inimigo, como irá deslocar sua mandíbula e sobre as chances de o fígado doer mais, ou menos. Se fosse uma piada, seria engraçado, mas é o verdadeiro estado de espírito dos produtos de mercado hoje. Esperemos agora um Hercule Poirot super bombadão.

Filme visto com projeção escura na sala 1 do UCI Boa Viagem, Recife, Janeiro 2010.

Avatar


"Bom esse seu render!"

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio.

Quando eu saí de Avatar (EUA, 2009), ficou sensação estranha de que a maior revolução do cinema é, na verdade, o equivalente a pinturas infantis borradas a dedo, feitas com uma nova eTinta que todos querem comprar. James Cameron levou mais de dez anos desenvolvendo novas tecnologias para fazê-lo e, ao que parece, menos tempo no roteiro. A aventura eco-3D enche os olhos com coisas brilhando para disfarçar uma surpreendente mentalidade "Me-Tarzan-you-Jane". E estréia na semana em que a Conferencia do Clima, em Copenhague, clama para que o Brasil limite o desmatamento na Amazônia.

Avatar se passa num planeta arborizado chamado Pandora, onde os nativos são esguias criaturas azuis que andam e pulam em 3D, os Na’vi. Não seria absurdo pensar que os designers de Cameron usaram super models humanos de passarela (o padrão atual de beleza midiatizada) como planta baixa para esses seres puros, criaturas benignas que respeitam a natureza e têm na floresta sua fonte de energia vital e espiritual. São pós-gnomos, longos, esotéricos e azuis, e em alguns momentos, exalam uma sensibilidade Xuxa realmente notável.

O filme se passa no ano 2154, e, pelo jeito, só os EUA sobreviveram como cultura, pois são os americanos (sem qualquer sinal de estrangeiros) que colonizam Pandora. Os americanos continuam fazendo filmes como este, e colonizando outras culturas. Nada contra, apenas uma constatação.

Munidos de força militar e de cientistas que pesquisam Pandora, temos aí a divisão clara de gente muito muito ruim e gente boa boa boa: os milicos querem passar o trator, os cientistas respeitar e entender os nativos azuis.

Temos nosso herói, um ex-soldado, numa cadeira de rodas depois de incidente violento relatado. Jake (Sam Worthington) irá entrar no programa de avatars dirigido pela cientista Grace (Sigourney Weaver). Como em Tron ou em Matrix, ele projeta-se para um duplo, aqui criado a partir de DNA humano e Na’vi.

Dominando a língua nativa, Jake, na sua versão gnomo-Na’vi, irá infiltrar-se na floresta e descobrir o valor de uma nova civilização toda verde e bio-degradável. Encontrará também a sua Pocahontas/Jane, garota azul e também esguia como ele, espécie de mega-gata-azul.

Eles voltam-se contra as forças do mal armadas até os dentes com máquinas descomunais, loucas para pôr as mãos num rico minério, o McGuffin da história, até pelo fato de chamar-se Unobtainium. Ao final, teremos o longo embate entre arco e flecha com chumbo grosso e foguetes. Onde estão os Ewoks para ajudar?

Li uma crítica elogiosa da Variety onde comenta-se que Cameron não seguiu as normas atuais de Hollywood, que é adaptar para o cinema livros, videogames, brinquedos, sapatos e chaveiros, optando por um universo totalmente original.

Talvez para os espectadores de 12 anos de idade que não conhecem Flash Gordon Contra o Imperador Ming no Planeta Mongo, Tarzan, Pocahontas, O Retorno do Jedi, Dança Com Lobos, Xuxa e os Duendes ou Beto Guedes, Avatar pode passar como uma grande e apetitosa novidade.

Na verdade, esta parece ter sido a principal contrapartida de Cameron, seu plano de negócios. Sem propriedade intelectual já estabelecida como marca no mercado, ele parece ter feito um decalque digital do que é mais pedestre e surrado na grande aventura do descobrimento e da colonização, mas iluminando isso com uma técnica realmente interessante de união de elementos captados separadamente, unidos no produto final de forma capaz.

Ocorre que técnica por técnica não gera muita sustentação para este observador. Fica a sensação de que fui ver a apresentação de uma revolucionária obra musical, dando conta de que nada mais era do que "parabéns pra você" tocada em 3D.

James Cameron, um diretor empolgante no sentido de ação e visualização, tem o sério problema de apoiar-se demais na tecnologia. Filmes excelentes do seu passado como os dois Exterminador do Futuro e Aliens continuam fortes, mas curiosamente datados.

True Lies, filme fascinante na comunhão de gêneros (história de amor sobre o casamento com espionagem), parece sair-se melhor como documento. Em Avatar, vende-se a tecnologia acima de tudo, uma suposta “revolução” que parte importante da crítica tem apoiado com bizarro fervor. Deve envelhecer terrivelmente rápido.

Felizmente, para Cameron, Jon Landau, a Fox e os exibidores equipados atualmente com projetores 3D, Avatar está acontecendo hoje. A técnica do filme, realmente destacada, parece estar induzindo a grande multidão internacional do cinema a um transe coletivo, a primeira vez que nessa nova fase digital uma técnica pega de jeito o público.

Eu citei acima Tron e Matrix, aventuras técnicas em 2D que trouxeram a proposta de imersão narrativa e áudio-visual para o espectador, que via-se projetado como os próprios personagens, como um duplo (ou um avatar) dentro dos filmes.

O sucesso de Avatar reside, muito provavelmente, na sua capacidade de, mais do que nunca antes, propor uma catapulta sensorial incomum do espectador para dentro de um filme. E no mundo de 2010, nossas imersões virtuais em games, sites, perfis reais e desejados nunca foi tão grande. Avatar apenas chega para completá-las.

Filme visto no Box Cinemas, em 3D e som perfeito. Recife, Dezembro 2009.

Lula - O Filho do Brasil


Milhares de figurantes.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Lula – O Filho do Brasil (2009) é o nosso filme evento, nossa produção mais cara, pelo menos por vontade própria. Como geralmente ocorre nesse tipo de promoção, o filme não precisa nem prestar, pois o negócio é vê-lo. Muito já foi dito nos últimos meses sobre esse produto, da ruidosa pré-estréia no Festival de Brasília, à controvérsia sobre o caráter eleitoreiro de um filme que seria bajulador, feito para um presidente que ainda está no poder. É notável, no entanto, que pouca coisa tenha sido articulada sobre a qualidade do filme em si.

É um desafio abordar em resenha o filme de um cineasta que passa por um drama pessoal no momento do lançamento nacional do seu mais novo trabalho. O diretor carioca Fábio Barreto, em coma desde o último dia 19 de dezembro, vítima de um acidente grave no Rio, recupera-se enquanto seu filme chega aos cinemas.

O desafio vem da sensação de separarmos o homem, Fábio, que sai de uma situação difícil de saúde, e, por outro lado, termos o acompanhamento do cineasta e sua obra.

Seu cinema não sugere uma tentativa de esconder sua natureza mascate. Aos 52 anos, Fábio Barreto tem já 13 filmes no currículo, alguns muito precários, como Bela Donna e A Paixão de Jacobina. Seu melhor momento como realizador talvez tenha sido O Quatrilho (1996), recompensado com uma indicação ao Oscar.

Seus pais, Luiz Carlos e Lucy, produtores de enorme prestígio e poder, são responsáveis por momentos essenciais do cinema brasileiro, como Terra em Transe e Memórias do Cárcere. Hoje, fazem filmes populares, ou populistas, de estilos mais simples. Vez ou outra, me pergunto se entendem de cinema, entender no sentido de bater o olho e reconhecer o valor de uma imagem, de um filme.

Porque decidiram mostrar Lula – o Filho do Brasil em Brasília, 2 meses antes da estréia? Sendo o filme tão ruim, não teria sido mais importante para o produto lançá-lo em cima do público sob um véu de mistério e sem que ninguém externasse nenhuma das opiniões negativas já tão divulgadas na imprensa e internet?

O filme parece feito a partir de um molde genérico do padrão bio-filme, ou especial de TV. Ao final de cada sessão, ouvem-se muito referências a 2 Filhos de Francisco, o sucesso de cinco milhões de espectadores de cinco anos atrás. Talvez seja o molde a partir do qual o filme foi montado, como se aquele outro filme fosse algum tipo de descoberta. E foi, financeira. Money talks, bulshit walks.

De bebê sertanejo a líder sindicalista no ABC paulista, seguimos com muita paciência momentos da vida de Lula, dramatizados sem muita força, exceto num momento.

Em 1980, Lula, discursando para uma multidão num estádio, sem microfone, pede que o que diz seja passado para os metalúrgicos que estão atrás, e o discurso segue em ondas de gritos. É uma seqüência que se destaca do todo, e ver o jornal Le Monde elegendo Lula Homem do Ano há uma semana apenas reforça a idéia de que as ondas emitidas por Lula persistem.

O tom folhetinesco domina o filme, no entanto. O pai (Milhem Cortaz, caracterização infeliz) parece um robô nordestino, com defeito. A mãe, Dona Lindu (Glória Pires), é mais uma mãe coragem, muleta popular e freqüente desse cinema comercial brasileiro (Cazuza, Zuzu Angel, Salve Geral). Ela não decola como personagem, pois registra mais como uma figurante com falas.

Se Dona Lindu é uma santa de um jeito só, Lula (Rui Ricardo Dias) é só dignidade e mito, nosso Evito. Cada imagem de Dias, que tem momentos eficazes de caracterização, nos leva à grande questão:

Captar somas gigantescas de dinheiro (orçamento divulgado está em torno de 16 milhões de reais) via patrocínio direto, para enaltecer a trajetória de um presidente ainda no poder é estranho. Nos EUA, W., de Oliver Stone, relato irônico, mas respeitoso, sobre George W. Bush, foi lançado no último mês do mandato.

Um olhar técnico de cinema aumenta o estranhamento sobre o filme, nossa produção mais cara até hoje. Não aparenta o dinheiro que custou, como numa cena dos anos 50, onde o Recife de 2009 é usado como fundo.

A cobrança de ver o que dizem ter gastado na tela é muito mais do que justa. Os Barretos jogam o jogo do cinema industrial, dos filmes que são capazes de conquistar 2o milhões de espectadores. Nesse tipo de cinema, o orçamento vira notícia, e o público vai ver o filme esperando ver o tipo de imagem popular que o dinheiro compra.

Avatar, por exemplo, gostando ou não, está tudo lá, para quem quiser cobrar, cada milhão escorrendo da tela. Na nossa maior produção, temos a mesma articulação indigente de planos de sempre, e uma sensação estranha de "onde está a grana?"

Filme visto no Teatro Guararapes, Olinda, Novembro 2009

Deixa Ela Entrar


Plano aberto.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Deixa Ela Entrar (Låt Den Räte Komma in, Suécia, 2008), de Tomas Alfredson, parece respeitar cada traço do gênero ao qual pertence (o filme de horror, com vampiro), ao mesmo tempo em que compensa eventuais choques no espectador com beleza e lirismo. É uma história de amor entre um garoto de 13 anos e uma garota que tem 12. A questão é que (frase já conhecida do filme) "ela tem 12 há muitos e muitos anos".

O filme não é facilmente esquecido pelos que o vêem, e oferece um outro ponto de vista para a atual Twilight-mania, que também lida com elementos vampirescos num universo jovem. A diferença é que os americanos são bate-entopes enlatados, e Deixa Ela Entrar parece ter sido feito a mão. Esse aspecto manual do filme me chama muito a atenção.

Conta a história urbana, discretamente situada nos anos 80, de Oskar, menino que se sente muito só, e ainda tem que lidar com a perseguição de outros garotos na escola e na vizinhança onde mora.

Neva muito no filme, algo que, desde o início, passa a sensação de estarmos numa fábula escandinava, especialmente o plano de abertura, algo de literário no impacto hipnótico da sua imagem. Durante esse plano dá para imaginar alguma voz maternal lendo uma história com gosto, e talvez um pouco de sono.

É numa noite de neve que chega um táxi com uma garotinha, Eli, e um homem que talvez seja o seu pai... Aos poucos, Oskar e Eli farão amizade, e logo irão desenvolver uma relação de amor ligeiramente sensual e cúmplice. O segredo, que faz parte da sinopse oficial de Deixa Ela Entrar, é que Eli é uma vampira. Sem sangue, ela definha.

Alfredson, munido de fotografia não menos do que linda, respeita as convenções ancestrais de histórias de vampiro, dando ao seu filme um aspecto clássico interessantíssimo, a base perfeita sobre a qual ele trará seus toques pessoais. Eli dorme, por exemplo, de dia e só sai à noite. Ela só pode entrar na casa de alguém se for convidada pela pessoa.

Aos poucos, a presença de Eli na vizinhança vai sendo transformada em sangue, numa série de incidentes pequenos e grandes, todos muito bem filmados.

Curioso como em Hollywood, onde corre mais dinheiro, balança-se muito a câmera na escuridão, e não vemos muita coisa no meio da barulheira. Num filme europeu como esse, as imagens mais aterradoras, compostas por discretos efeitos digitais, são filmadas abertas e 100% nítidas. Não há nada a esconder.

O filme é um exemplo a ser citado num mercado internacional que, cada vez mais, investe em produtos globalizados falados em língua local, mas que nada mais são do que enlatados "Para Exportação" (O Orfanato?). No caso de Deixa Ela Entrar, já existe o projeto para a versão americana. Dá enorme aflição imaginar os cortes que serão impostos, especialmente na relação doce entre os dois, aqui sublinhada por detalhes de sexualidade precoce que deixam o filme sair ileso, e ainda com o moral alto.

Há inúmeros aspectos que enriquecem o filme a partir de coisas que não são ditas. Deixa Ela Entrar suspeita que o espectador é inteligente, que tem compaixão e que entende a mecânica da dependência no outro, e como amores antigos se desfazem e como outros novos surgem. Belo filme.

Filme visto em Blu-Ray, Recife, 2009

Encontro de Casais


Bocó Island

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

texto publicado originalmente no Jornal do Commercio

O gosto bom deixado pela colaboração de Vince Vaughn e Jon Favreau em Swingers (1996), jóia de filme, é tão forte que, 15 anos depois, ainda há boa vontade de ver alguma coisa com os dois atores. A decepção, aliás, é uma quase constante, como nesse Encontro de Casais (Couples Retreat, EUA, 2009).

Vaughn, um tipo alto e com cadência peculiar na maneira como interpreta suas falas, virou astro de Hollywood em filmes populares mais ou menos ruins como Penetras Bons de Bico, Separados Pelo Casamento e Surpresas do Amor. Favreau, tipo tenso, meio inchado, além de atuar com Vaughn nos dois últimos, fez um trabalho excelente como cineasta no muito divertido Homem de Ferro (2007).

Desta vez, eles são homens casados que, com suas esposas, juntam-se a dois outros casais para uns dias num paraíso tropical especializado em dar uma levantada em casamentos caídos. O filme foi rodado na Polinésia, num desses resorts gringos onde até o mar parece esterilizado.

O casamento de Dave (Vaughn) é, na verdade, o melhor e mais estável, o de Joey (Favreau) o segundo pior casamento, já que a idéia de viajar foi de Jason (Jason Bateman), cujas tentativas fracassadas de engravidar a esposa estão acabando com a união. O quarto casal é Shane (Faizon Love), recém divorciado que leva a namorada de 20 anos só para ver no que dá.

Material para graça existe, mesmo que o filme tivesse cortado o excesso de casais e ficado com apenas um. Casais casados podem ser engraçados, belos, enfurecedores e frustrantes, dependendo do estado de espírito. De qualquer forma, com quatro casais e oito personagens (nenhum deles realmente com cara de gente real), os produtores têm mais chances de atingir demografias maiores (Shane, por exemplo, é negro).

Tudo é tratado com aquela leve grosseria dos projetos comerciais que, na falta de uma verdadeira inspiração, passam a almejar o chamado “grande público” com denominadores cada vez mais baixos.

Para ilustrar as tentações dos casados, as esposas (Malin Akerman, Kristen Bell, Kali Hawk e Kristin Davis, sempre tão interessante na série Sex and the City, aqui desperdiçada) vêem num instrutor de ioga (Carlos Ponce) a figura mais grotesca possível do amante latino, cheio de duplos sentidos canhestros.

Há uma idéia boa que talvez os realizadores nem tenham se dado conta, e que parece definir o filme. Todas as soluções para problemas específicos são encontradas na artificialidade. Do próprio resort aos talentos musicais de Dave na guitarra (Rock Band), do anfitrião francês de Jean Reno às soluções infantis para os problemas adultos de uma comedia talvez promissora, mas feita, ao que parece, por uma equipe de gente mutcho oca.

O resultado é quase nada. A crença de que Vaughn e Favreau são caras legais, no entanto, continua.

O Homem Que Virou Suco (DVD)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo.

Uma sessão dupla provocadora juntaria O Homem Que Virou Suco, filmado há 30 anos por João Batista de Andrade, com o recente Estômago (2006), dirigido por Marcos Jorge. Os dois têm material rico para questão essencial no cinema, a representação. Unidos pelo elemento “personagem nordestino”, os filmes oferecem leituras distintas sobre as relações de classe e cultura no Brasil. Não é difícil sentir algo de um retrocesso no jeito de olhar.

Ambos lidam com “paraibas” num ambiente sudestino hostil. No filme de Andrade, há uma energia política que fortalece o personagem, Heraldo (José Dumont, talvez no seu melhor momento). Esse poeta popular paraibano é dotado de um afiado senso crítico que testa São Paulo tanto quanto São Paulo o testa.

Sua dignidade vem com uma raiva espontânea que manda às favas hierarquias estabelecidas de classe e poder. Em Estômago, suspeita-se que o ponto de vista é o de um patrão pouco razoável para com o seu personagem serviçal.

Obviamente, são filmes de eras distintas. Filmado na São Paulo do final dos anos 70, O Homem Que Virou Suco talvez passaria melhor com São Paulo S/A (1965), de Luiz Sérgio Person, outro registro da cidade como estado de espírito.

As imagens cruas são cheias de uma revolta peculiar à esquerda da época. Detratores poderão acusar um envelhecimento do material, mas valor histórico contextualizado talvez caia melhor.

Floreios dogmáticos como a representação raivosa de um personagem americano, chefe de multinacional, podem ser facilmente associados à premiação de O Homem Que Virou Suco no Festival de Moscou, em 1980, um dos inúmeros reconhecimentos que o filme teve na sua carreira.

De qualquer forma, 30 anos depois, as linhas gerais do choque entre mundo pobre e mundo rico dentro do Brasil continuam atuais. Sugere indiretamente que o cinema feito no país hoje mostra-se, em grande parte, ausente do assunto, sem o tipo de atrito aqui gerado por Heraldo e pelo filme como um todo.

João Batista de Andrade prova o quanto estava afiado numa seqüência essencial, onde o poeta trabalhador assiste a um “audiovisual” de tom empresarial-fascista, parte dos esforços de contratação para a construção do Metrô de São Paulo.

É um filme dentro do filme que discute não só o preconceito, mas a tentativa de o ambiente dobrar o indivíduo, além da força mítica de São Paulo em relação ao brasileiro.

O Homem Que Virou Suco volta numa versão restaurada pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro. Há uma série de cartelas na abertura que informam sobre o estado geral dos elementos originais, perda de negativo da câmera e de som. Esse tipo de cartela é muito útil, e passa uma idéia do estado geral do nosso acervo brasileiro, num filme que não tem mais do que 30 anos. De qualquer forma, do ponto de vista de um admirador do filme, que gostaria de tê-lo em casa dentro de um padrão reconhecido de restauração, me chamou a atenção o resultado ruim visto no DVD original que recebi, o que é uma pena. O filme inteiro encontra-se riscado, as cores e contrastes inexistem e o som é precário.

Filme revisto em DVD, Recife, Outubro 2009

Alvins e os Esquilos 2


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para quem acostumou-se com o nível artístico e criativo de proporções irreais dos filmes da Pixar (Toy Story, Os Incríveis, Up), é bom ser lembrado, vez ou outra, que filmes feitos para o mercado infantil são, na realidade do batente, bem mais modestos. Esse Alvin e os Esquilos 2 (Alvin and the Chipmunks: The Squeakquel, EUA, 2009) é aquela coisa gasguita, com criaturas assustadas que riem, berrando sem parar. Pode servir de depósito para crianças durante pouco mais de uma hora, no shopping, mas, ao mesmo tempo, vem a pergunta: porque alguém faria isso com as crianças? Não é melhor deixá-las trancadas no carro, no estacionamento?

Esta é a segunda parte das aventuras de um trio de esquilos que cantam. Falantes, afinados e dotados de voz esganiçada (como uma fita de gravador em rotação rápida) que requer paciência depois de cinco minutos, a existência deles no mundo real dos humanos nunca é questionada, o que não deixa de ser engraçado.

O filme, que parece ter sido cuspido por alguma máquina de fazer produtos infantis, é assinado por alguém que se chama Betty Thomas. Esse produto parece almejar o mercado infantil e pré-adolescente com uma série de signos chamativos para essa demografia no mundo de hoje, vide os bonecos de carne e osso Hannah Montana e Jonas Brothers.

Talvez hoje os grandes heróis americanos estejam sempre sempre tentando lidar com a fama, com o desejo de ser famoso, e essas criaturas irritantes engordamo caldo.

Alvin e os esquilos são um trio de música pop (celebridade) que começam a ir à escola (ambiente social) e são obrigados a enfrentar hostilidades (bullying, de leve) e a concorrência de um outro trio. Esse trio é formado por esquilinhas (primeiras paqueras), na verdade cheer leaders disfarçadas de roedoras. São compostas como ilustrações de cadernos de meninas do primário. Elas se chamam As Esquiletes.

Como quase tudo relacionado à cultura americana do competir e do vencer, teremos uma disputa musical no final. Me resta bater ponto e afirmar o pior: passa tempo para os pequenos. Isso é ruim, pois para as crianças nada menos do que o melhor é sempre o ideal.

Filme visto no UCI Ribeiro, Recife, Dezembro 2009.

O Nome Dela é Sabine


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O Nome Dela é Sabine (Elle S’Appelle Sabine, França, 2007) é um desses filmes pequeninos que ocupam espaço grande no espectador. É um esforço pessoal, fruto de alguém que teve a necessidade de compartilhar com o mundo algo que lhe afligia e lhe comovia, no caso a atriz francesa Sandrine Bonnaire. Ela filma a sua irmã Sabine, um ano mais velha, e sua trajetória de vida sob a condição bastante genérica conhecida como autismo.

Sandrine, nome respeitado no cinema e teatro franceses, partiu para fazer um filme doméstico, com imagens do arquivo da sua família, e com ela mesma empunhando câmeras de vídeo analógico e, mais tarde, digital. O fez ao longo de muitos anos, narrando em curtas descrições e confissões a vida e a forma como os mais íntimos administraram, ou tentaram lidar, com Sabine.

O filme parece juntar-se a relatos de realizadores que debruçam-se sobre imagens íntimas do seu passado para falar deles mesmos como o americano Tarnation (2004), de Jonathan Caouette, e o brasileiro Santiago, de João Moreira Salles.

O Nome Dela é Sabine vai se alojando no espectador pela sobriedade que normalmente associamos às narrativas mais importantes do cinema francês, que, em geral, evita o sentimentalismo como o diabo corre da cruz. Fatos, sensações, impasses, a beleza e a tristeza são apresentados pelo que são, sem condimentos.

Sandrine, depois de anos tentando junto à mãe e os irmãos cuidar de Sabine, enfrenta a verdade crua de que houve um cansaço geral de todos após 20 e tantos anos. Isso levou Sabine a um hospital psiquiátrico, onde passou cinco anos, e de onde saiu um ser humano devastado física (remédios) e psicologicamente (sensação forte de abandono).

Sem culpar ninguém, nem ela mesma que tinha já seus próprios filhos, a narradora nos mostra os resultados da internação em contraste com imagens radiantes do momento mais feliz da sua irmã, uma viagem de férias aos EUA com a própria Sandrine, viagem feita no hoje aposentado Concorde. Essas imagens de alegria ganham ar mítico não só pela passagem do tempo, mas também com esse detalhe factual de que elas foram de Concorde. É especial, e já muito distante.

As intenções de Sandrine com seu filme parecem claras na forma como são sugeridas. Os estímulos do amor e da aventura simbolizada pela viagem aos EUA são o que constroem. O abandono e a entrega à ciência pura e simples destroem. Mesmo assim, nada é realmente tão simples na prática.

O filme é uma abertura e tanto para que possamos entender melhor os poderes e os limites não só do corpo humano, mas dos poderes e limites do próprio amor.

Filme visto no Cine Rosa e Silva, Recife, Novembro 2010.

Atividade Paranormal


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Um grupo de quatro garotas adolescentes foi parar na mesma sessão de pré-estréia de Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2009), onde vi o filme. Elas não pareciam saber no que estavam se metendo, talvez estivessem fazendo hora até que seus pais fossem coletá-las. Depois de muitos gritinhos e chiliques durante a projeção, e findo o filme, uma se levanta e pergunta a outra « vê se o xixi deixou mancha na minha calça ».

É uma pequena demonstração física dos efeitos sobrenaturais desse filminho terrivelmente eficaz de horror e medo, que chega para integrar uma pequena casta de filmes de gênero onde o impacto vem exatamente do “menos”, e não do “mais”. Isso num mercado que vende o excesso como produto.

Atividade Paranormal, por exemplo, é lançado no mesmo mês que vê 2012, de Roland Emmerich, destruir o planeta com 200 milhões de dólares de orçamento. Por mais divertidos que terminem sendo, filmes balofos como a norma aumentam o grau de admiração por obras magrelas e de extrema eficiência como Mar Aberto (Open Water) ou esse Atividade Paranormal.

O filme do realizador até então desconhecido Oren Peli se passa dentro de um quarto, onde dorme um casal. Os principais objetos de cena são a cama, uma porta (quase sempre aberta) e a própria câmera digital. A câmera é usada para registrar uma assombração que parece rondar a esposa desde a infância. A aquisição da câmera dá-se pelo fato de os incidentes sobrenaturais estarem piorando em grau de ruído e ameaça.

A casta à qual pertence Atividade Paranormal reúne a mais óbvia referência no gênero (e na estrutura) que é o também muito assustador A Bruxa de Blair, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, lançado há exatamente dez anos. Ali, discretas assombrações eram captadas por câmeras em cena, dando coices de pavor no espectador.

Os dois filmes foram muito divulgados via internet (Blair foi revolucionário nesse sentido) e realizados originalmente com orçamentos irrisórios. Atividade Paranormal teria custado 15 mil dólares a Peli, que vendeu o filme ao estúdio Paramount. O resultado, que sofreu uma mudança (no final) sugerida por Steven Spielberg, é esse que chega aos cinemas depois de um crescendo de marketing e boca a boca.

Sobre o filme em si, resta admirá-lo. O casal (Micah Sloat e Katie Featherston) chama um médium para ouvir uma opinião sobre a assombração. O personagem do médium reflete a naturalidade do todo. Ele não usa turbantes, não tem sotaque estrangeiro nem parece charlatão. No entanto, é a segunda visita assustada do homem que parece nos preparar para o ato final, realmente pavoroso. É muito boa a forma como esse homem comum, de meia idade, dá marcha ré, meia volta volver.

Não é à toa que o filme se passa quase todo dentro de um quarto. A área construída mais íntima de uma casa, é lá onde passamos horas entregues à inconsciência, de certa forma indefesos, no mundo dos sonhos e de, vez ou outra, sob terríveis pesadelos. Quartos têm algo de salas de cinema. Esse filme é um desses sonhos ruins, e é muito bem feito como tal.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife. Novembro 2009.

É Proibido Fumar


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Se fosse feito um gráfico para representar o cinema brasileiro atual, do lado direito teríamos os chamados “filmes de mercado” dominados por comédias românticas capazes de vender a mãe por uma gargalhada vazia, e do outro lado, o esquerdo, filmes autorais que não têm tido grandes oportunidades nas bilheterias. Raros são os filmes que ficam na grande área cinza do meio, os que buscam a comunicação sem perder um toque pessoal claro e evidente. É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert, é um desses raros produtos.

Muylaert, realizadora de São Paulo, estreou no longa metragem com o muito interessante filme estranho Durval Discos (2002), e o termo “estranho” é usado aqui como um elogio. O cinema brasileiro carece de estranheza, num cenário tão repleto de lugares comuns, da direita à esquerda.

No seu primeiro filme, uma crônica paulistana cheia de atmosfera, claramente dividida em duas partes (uma alegre, a outra sombria), Muylaert filmava os espaços urbanos do bairro de Pinheiros com felicidade, e tinha no seu personagem um ser humano modelo antigo, como os discos de vinil que ainda vendia nos anos 90.

Em É Proibido Fumar, percebe-se outra vez essa facilidade em articular espaços urbanos, em especial os interiores de apartamentos perfeitamente enquadrados pelo formato preferido de Muylaert, a tela larga. Bela foto, aliás, de Jacob Solitrenick.

A personagem principal é Baby (Glória Pires), professora de violão solitária quarentona, maluca beleza que segue a neurose tranqüila da sua vida até que o apartamento vizinho é alugado por alguém que parece ser sua alma gêmea masculina: Max (Paulo Miklos), músico de bares e restaurantes.

Esses jovens dos anos 80 se juntam numa relação incerta, unida por paredes adjacentes e que logo irá desencadear sentimentos de alegria e dúvida, principalmente da parte dela. É uma mulher independente, mas ansiosa, que encontra no cigarro uma companhia constante.

Pires, atriz cuja expressividade para a câmera sai ilesa até mesmo de Lula – O Filho do Brasil, transmite a neurose urbana de Baby perfeitamente, e é sempre um prazer ver alguém como ela saindo dos trilhos já gastos do planeta Globo. Na verdade, é sempre um prazer olhar para Pires nesse filme.

Miklos, que estreou tão bem em O Invasor, de Beto Brant, mostra-se à vontade com Max, personagem cujos caminhos permanecem misteriosos para Baby e também para o espectador. Sua reviravolta final parece fazer par no roteiro para um incidente não muito bem filmado no meio da narrativa, e leva o filme para a certeza de que estamos diante de uma comédia romântica incomum no atual cenário. O romance do desfecho só é igualado pelos mecanismos aparentes do roteiro fechado.

É Proibido Fumar talvez merecesse uma metragem um pouco maior do que os seus mirrados 85 minutos. Quando se cria um espaço tão bem, e nele se inserem personagens curiosos às voltas com aspectos importantes da vida, talvez seja bom desenvolver esses elementos com menos timidez. Isso dá ao filme a sensação curiosa de estarmos diante de um meio termo, não apenas como o produto de um cenário de produção polarizado, mas também na nossa capacidade de nos envolver totalmente com um filme do totalmente bem. São tão raros esses no nosso cinema.

É Proibido Fumar levou sete prêmios do júri oficial no último Festival de Brasília, findo há uma semana, incluindo Melhor Filme, Atriz (Pires) e Ator (Miklos).

Filme visto no Cine Brasília, Novembro 2010

Abraços Partidos



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Esses filmes de grandes autores que se põem a escrever cartas de amor para o próprio cinema são sempre um prazer de ver. Há pouco, em Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino nos mostrou dois personagens morrendo numa cabine de projeção, mas suas imagens permaneciam vivas na tela do cinema. No seu último filme, Os Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009), Pedro Almodóvar nos dá uma releitura bem sua da imagem cinematográfica viva de alguém que já não existe mais.

Esse mais novo esforço do autor espanhol de Ata-me, Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela é todo muito chic, lindo de ver e sério pra chuchu, o que, em alguns lugares, nos dá a estranha sensação de estarmos entrando na filial sisuda de uma loja que gostamos, numa cidade onde nunca estivemos antes. Isso não deve ser muito bom, mas, no geral, vale observar a qualidade do décor.

Diferente de Woody Allen, que desova filmes, filminhos e filmões a cada 12 meses, desde sempre, Almodóvar parece estar em velocidade de cruzeiro há duas décadas. Seus filmes são claramente fruto de muita reflexão, esmero ceno-técnico, o bom gosto de um autor que parece supervisionar cada plano, tapete e paetê.

Desta vez, temos um cineasta (Lluiz Homar) que ficou cego na conclusão de uma grande história de amor. A cegueira o faz abandonar seu nome de nascimento, Mateo, e adota o pseudônimo Harry Caine.

Nos anos 90, Mateo/Harry apaixonou-se por Lena (Penélope Cruz), atriz que selecionou para trabalhar no seu filme, Mujeres y Valises. Acontece que Lena era a amante de um grande empresário, Ernesto (José Luis Gomes), possessivo, poderoso e produtor do filme, que será o filme dentro do filme.

Esse filme interno lembra muito Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, no tom e nas cores, e logo o clima de paixão entre Lena e Mateo irá definir o triste fim do filme que está sendo rodado. Não só isso, mas imagens da época da filmagem, feitas sob as ordens de Ernesto para registrar todo e cada passo de Lena no set se transformam em documentos (sentimentais) para o futuro.

Almodóvar passa a sensação de fazer cinema como se fosse um costureiro de corte sofisticado, cada ponto muito bem pensado e com desdobramentos narrativos que só parecem fazer sentido dentro do seu universo, sob os pontos da sua agulha.

É um filme de camadas e de cores, não só as imagens são “de cinema”, mas também a musica, os rostos, as atitudes extremadas. Tudo isso pode talvez subjugar o espectador numa primeira visita, mas, estranhamente, revela-se realmente prazeroso numa revisão, mesmo levando em consideração que não mais do que dois gramas de humor em todo o filme.

Talvez seja esta a sina dos grandes autores: suas obras agregam valor com o tempo, um pouco como os rostos dos mortos que permanecem vivos através do cinema. É rosso.

Filme revisto no Cinema da Fundação, Recife, Outubro 2009.

O Milagre de Santa Luzia



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O Milagre de Santa Luzia (Brasil, 2009), de Sérgio Roisenblit, passa como um passeio pela sanfona no Brasil, aparentemente tomando como ponto de partida cultural o nascimento de um dos maiores embaixadores do instrumento na cultura brasileira, Luiz Gonzaga. 13 de dezembro é a data do seu nascimento, em Exu, Pernambuco, dia de Santa Luzia.

No filme, um registro feito em digital e película com generosa trilha sonora bem mixada que destaca o som da sanfona em várias linguagens culturais, o embaixador é Dominguinhos, que parece dar continuidade verdadeira ao legado de Gonzaga, sempre nos seus próprios termos.

Dominguinhos é levado a dirigir um carro por diferentes regiões do Brasil, começando pelo sertão de Pernambuco e Ceará, onde estabelece-se um padrão artístico claramente construído em cima de raízes fortes sensíveis à identidade cultural da região, fortalecida por questões geo-políticas de migração dentro do próprio país.

Dominguinhos, por exemplo, deixou Pernambuco com a sua família rumo a São Paulo e Rio, num pau de arara, viagem mítica do imaginário do nordeste, e que ele dá aqui uma emotividade que faz grande bem ao filme.

Depois da meia hora inicial, focada no nordeste e nas histórias de sanfoneiros como Arlindo dos 8 Baixos, com o bônus de um registro precioso de Patativa do Assaré, O Milagre de Santa Luzia sofre uma queda ao ter a preocupação didática de nos dar um panorama nacional da sanfona. O filme, portanto, nos leva ao Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. O espectador começa a suspeitar se logo estaremos na Romênia e o envolvimento inicial passa a ser diluído.

Questão interessante é observar uma noção, talvez viciada dada a origem e interesse pessoal do observador, do quanto a verdadeira expressão artística parece estar no nordeste, se pensarmos na arte como expressão crua de sentimentos, e também de herança.

Uma demonstração interessantíssima de estilo e capa cultural vem de um sanfoneiro gaúcho, que nos mostra o jeito que o sanfoneiro nordestino tem de tocar em tom comparativo com o jeito gaúcho. O primeiro, soa manhoso e carinhoso, o gaúcho duro e metódico.

Depoimentos gaúchos falam de uma herança herdada de terras que eles não conhecem (por exemplo, a Itália), Dominguinhos e Pinto do Acordeon discutem sentimentos íntimos que chegam intactos às suas sanfonas, a experiência pessoal como trunfo, a conexão com a terra, com a infância.

Pinto do Acordeon, inclusive, conta uma história muito engraçada que ilustra a chegada de elementos externos para serem acoplados de maneira imposta a toda uma tradição. Numa festa, na Paraíba, um convidado teria obrigado o musico, sob ameaça de uma peixeirada no fole do instrumento, a cantar em inglês. Pinto do Acordeon, portanto, sai com uma versão engraçada de New York New York, sanfonado e num inglês de onomatopéia.

Não é um filme de ousadias estéticas como o rico relato montado de O Homem Que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira, sobre Humberto Teixeira, parceiro de Gonzaga, mas O Milagre de Santa Luzia nos dá hoje um passeio agradável por sons e artistas, pela própria idéia de identidade cultural, e deverá agregar valor maior com o tempo através do seu arquivo criado.

Filme visto no Plaza Casa Forte, Recife, Novembro 2009

Se Nada Mais Der Certo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

O cinema do realizador brasiliense José Eduardo Belmonte, 38 anos, começou no curta metragem com filmes livres e eficazes como Cinco Filmes Estrangeiros (1998), e logo partiu para o longa metragem, onde ele tem dado continuidade a essa liberdade sempre com muita fome no filmar. Já está no seu quarto longa. Fez Subterrâneos (2003), A Concepção (2005), Meu Mundo em Perigo (2007) e, por último, Se Nada Mais Der Certo (2009), um movimentado emaranhado de personagens que ele claramente adora.

Ambientado na caótica paisagem urbana da cidade de São Paulo, onde a sensação de desorientação e dor nos olhos é aumentada pela câmera na mão sempre trôpega, o filme tem fugas esporádicas rumo ao litoral, onde as pessoas parecem recarregar o espírito junto ao mar, e a partir do contato entre elas mesmas.

Os interesses e paixões de Belmonte revelam-se mais claros uma vez longe do cinema, e não tanto ao longo da sessão. Ao pensar sobre o filme, chegamos a uma sensação de admiração que não se faz presente no contato direto, aspecto curioso em relação a uma certa casta de obras.

Há uma citação a Jean Jacques Rousseau, o pensador suíço que muito refletiu sobre a desigualdade. “Uma sociedade só será uma democracia quando ninguém for rico o suficiente para conseguir comprar alguém, e ninguém for pobre o bastante para ter que se vender”. E Belmonte para para montar um slideshow berrante que irá ilustrar o pensamento, de forma mais literal possível.

A partir dai, temos um pequeno grupo de jovens brasileiros, classe média herdada, mas com grandes dificuldades de manter as suas cabeças fora d’água, às duras voltas com o sistema. Contas a pagar, o custo de remédios tarja preta, imposto de renda, drogas ilícitas caras, cobradores, um inferno de vida que leva esse grupo a um ritmo febril de sub-existência, como ratinhos escapando constantemente por túneis e gaiolas da cidade.

O elenco é responsável por dar vida real aos procedimentos estilizados, suplantando a direção estridente de Belmonte, onde câmeras não apenas cobrem cenas, mas parecem tentar depilar os atores. É curioso observar que um nariz está em foco, e o resto do rosto não.

Cauã Reymond, presença cada vez mais natural em filmes (também estava bom em O Magnata) é o nosso personagem central, jornalista de ‘frilas’ que não sabe quando o próximo cheque irá cair... Sua namorada (Luíza Mariani), no sofá chapada e deprimida, é a imagem da perda, e ainda com um filho pequeno para descuidar. Caroline Abas, excelente, é aquela criatura vampiresca com alguns sinais restantes de humanidade, uma traficante da noite. João Miguel (Cinema Aspirinas Urubus) é um taxista que queria ter sido psicólogo.

É uma massa humana e tanto, embora às vezes eles pareçam estar lutando tanto contra as adversidades quanto contra o próprio filme. Talvez seja o cinema refletindo a vida.

Filme visto no Palácio 1, Festival do Rio 2008.

Anselmo Duarte



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Escrever que o Cinema Brasileiro perdeu na madrugada do sábado Anselmo Duarte, aos 89 anos, passa apenas parte da idéia. O falecimento do ator paulista bem apessoado, astro de filmes da Vera Cruz e da Atlântida nos anos 50, marca também a morte do cineasta que entrou para a história da cinematografia no país como o único diretor brasileiro laureado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme foi o, até hoje, escandalosamente sub-apreciado no Brasil O Pagador de Promessas (1962).

A trajetória de Anselmo Duarte revela muito sobre o cinema no Brasil. O feito de Duarte, até hoje sem igual, é normalmente narrado pelos que contam a história do cinema brasileiro com um tom de pesar, como se a Palma não devesse ter acontecido. Como se Duarte não fosse merecedor da láurea e como se O Pagador de Promessas revelasse um filme menor, indigno de reconhecimento que filmes superiores não tiveram.

Importante contextualizar o significado de uma Palma. Como ocorre em outras cinematografias, a brasileira é claramente colonizada por duas culturas: a americana, via Hollywood, e a francesa, via crítica e Festival de Cannes. Entre os que fazem cinema no Brasil, pode-se dividir rudemente as tribos entre as que desejam o Oscar, as que desejam Cannes, e os que querem os dois.

Se o Oscar é uma espécie de reconhecimento universal e financeiro que agrega prestígio popular, é a Palma de Ouro de Melhor Filme no mais importante festival de cinema do mundo que estabelece o respeito intelectual e autoral para um artista no cinema.

Nos últimos 15 anos, o cinema brasileiro tem flertado com o Oscar nas indicações pontuais para “Filme Estrangeiro” via família Barreto (Fábio por O Quatrilho, Bruno por O Que é Isso, Companheiro?), e com um aumento substancial no prestígio e no número de indicações através dos filmes de Walter Salles (Central do Brasil e Diários de Motocicleta) e Fernando Meirelles (Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel).

A família Barreto volta, nesse momento, a verbalizar sonhos de um Oscar (em 2011) através da nova biografia do presidente Lula, dirigido por Fábio Barreto, com estréia marcada para janeiro em centenas de cinemas.

Já em Cannes, os mesmos Salles e Meirelles têm chegado na mostra competitiva, onde expoentes do Cinema Novo parecem ter (ou ter tido) espaço cativo, como Ruy Guerra, Cacá Diegues, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

Cannes foi espaço essencial para otimizar o impacto do Cinema Novo nos anos 60, onde filmes estandartes do movimento como Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro foram projetados com destaque, e premiados, em alguns casos. No entanto, nenhum deles levou a Palma.

Curiosamente, chega Anselmo Duarte com O Pagador de Promessas, em 1962. O segundo filme desse homem amplamente reconhecido como bonito, quase 1.90m, “galã” do cinema comercial, natural de Salto, interior de São Paulo.

Ele havia feito um sucesso popular de 1957, Absolutamente Certo, sátira bem administrada de costumes sobre a então jovem TV brasileira. De nenhuma maneira associado à estética e militância do Cinema Novo, Duarte leva a Palma de Ouro.

No júri, estava François Truffaut, que ajudou a escrever uma justificativa para o prêmio que, entre outras coisas, anunciava “um novo cinema no Brasil”. Há lendas e ‘disses me disses’ sobre a percepção da vitória de Duarte. Seus colegas cineastas brasileiros teriam ficado “chateados” pelo fato de Duarte ter batido Luis Buñuel em Cannes, que competia com O Anjo Exterminador.

Na verdade, há uma maneira negativa de lembrar a única Palma brasileira que é exatamente lançar a pergunta: "Anselmo Duarte é tão bom quanto os grandes? Talvez mmais produtivo seria lembrar apenas que Anselmo Duarte ganhou a Palma de Ouro, com O Pagador de Promessas.

Mesmo recebido na época com uma volta pela cidade de São Paulo em carro aberto, como se tivesse conquistado a Copa do Mundo, Duarte amargou, ao longo dos anos, um rancor dos que acusava estarem morrendo de inveja e despeito.

Vale observar alguma semelhança na percepção da crítica brasileira em relação a um outro filme (recente), também realizado por um diretor não engajado politicamente, que conquistou enorme sucesso em Cannes (passou fora de concurso): Cidade de Deus, de Fernando Meirelles.

CdD também rodou o mundo e tem em Meirelles uma figura cuja origem é a publicidade em São Paulo, realizador que não freqüenta os festivais de cinema no Brasil. O impacto do seu filme é tão grande quanto um certo ceticismo de parte da critica brasileira, a julgar por toda a discussão em torno da “cosmética da fome” aplicada ao filme no mês do seu lançamento, em agosto de 2002. Eu, aliás, respeito o filme sem conseguir admirá-lo totalmente. No entanto, é inegável a sua força e impacto, para o bem e para o mal, no cinema brasileiro do século 21.

Na sua época, O Pagador de Promessas deu a volta ao mundo e ganhou uma enorme quantidade de prêmios (Karlovy Vary, Moscou, São Francisco, Edinburgo...).

Com uma ginga de filme popular bem montado que parece apertar todos os botões certos, na hora certa, o filme de Duarte narra a história de Zé do Burro (Leonardo Villar), um “nordestino” que havia feito promessa para uma mãe de santo no sentido de salvar a vida do seu melhor amigo, um jumento.

Chegando em Salvador para pagar a promessa na Igreja de Santa Bárbara, ele é impedido pelo padre Olavo (Dionísio Azevedo), que rejeita a natureza “pagã” do compromisso. Isso causa racha entre religiosos (catolicismo e candomblé), povo, governo e imprensa, com forte menção à reforma agrária. É um rico painel dramático de Brasil.

Adaptado do texto de Dias Gomes (desgostoso com o resultado filmado), O Pagador de Promessas, é inegável, resiste bem ao tempo. É ágil, envolvente e dotado de elementos berrantes da cultura brasileira não tão distintos assim dos enfocados pela marca oficializada do Cinema Novo. Um final emotivo e impactante parece selar o efeito geral do filme, destacando a força do povo sobre a própria religião e poderes públicos. É um belo final.

Se o Brasil zelasse pelo seu acervo de imagens, tanto como produto cultural como de mercado, O Pagador de Promessas, única Palma de Ouro do cinema brasileiro, seria um clássico nacional já restaurado, disponível em caixa especial de DVD com toda a sua história nebulosa. Seria, quem sabe, exibido na TV todo natal, como assim são exibidos sempre clássicos nacionais de paises como os EUA ou França. Mas, não é.

Aquele Querido Mês de Agosto



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O cinema mais como ‘estado de espírito’ e menos como ‘trama’, ‘história’ e ‘grandes revelações’. São filmes que geralmente chegam de mansinho, como Aquele Querido Mês de Agosto (2008), descoberta portuguesa da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. O filme de Miguel Gomes flui como água, misturando convenções de fato e de ficção para chegar a uma verdade maior sobre uma cultura composta de lugar e pessoas. Eu vi o filme em Santa Maria da Feira, Portugal, não muito longe geograficamente de onde o filme se passa, mas no inverno. E sem legendas.

O filme é o fruto de um autor que vai colocando no papel (ou na sua câmera) observações sobre um espaço. O lugar é o interior de Portugal, no norte do país, no auge do verão europeu, onde acontece um festival de música. No hemisfério norte, agosto é o último mês de roupas leves, férias e calor. Algo na palavra 'agosto' soa como liberdade, ou a última liberdade. O italiano recente Almoço em Agosto também mostra um pouco isso, assim como dois clássicos de um estado de espírito bem distinto desse português, como Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975), de Lumet, e Faça a Coisa Certa (Do The Right Thing, 1989), de Spike Lee.

No filme de Miguel Gomes, o festival do mês de agosto é do tipo onde não tocam bandas exatamente, mas “conjuntos”, daqueles com poucas ambições. É também o tipo de evento que une o tradicional (vejam a orquestra desfilando pelas ruas) à modernidade dos jovens.

Gomes nos dá um filme lindamente misturado, como uma mixagem de sons e imagens. Há a proposta esclarecida de se fazer um filme de amor sobre o guitarrista de uma banda que apaixona-se pela prima, da mesma banda, ele de Lisboa, ela do interior. Gomes abre o processo filmando-se em negociações com o seu produtor, suas dificuldades com os atores, com o roteiro, a equipe e mesmo o som.

Uma primeira parte parece nos apresentar o universo daquele lugar, que vai do louco da vila que pula da ponte todo ano à engraçada aspereza dos nativos, relações patriarcais marido-mulher especialmente marcantes.

Na segunda parte, a história de amor, seios desnudos jocosamente inclusos, ganha mais espaço, embora Gomes não pareça querer simplificar as coisas. O filme dentro do filme toma rumos inesperados, e o diretor dentro do diretor cogita fazer uma história de terror estilo “chapeuzinho vermelho” (“capuchinho vermelho” na versão lusa), o que talvez explique a recorrência de machados na narrativa.

O uso de matalinguagem no cinema geralmente não funciona quando o responsável está ciente demais do malabarismo como exercício intelectual. No caso de Aquele Querido Mês de Agosto, a metalinguagem passa mais como um rótulo barato e não chega perto de sugerir o que o filme é.

Suspeita-se que Aquele Querido Mês de Agosto seja fruto de um processo orgânico acompanhado com interessado espanto pelo seu autor, generoso com seus lugares, personagens e objetos. Há, no entanto, a sensação de que a metragem de 150 minutos excede a carga.

De qualquer forma, o filme de Gomes é capaz de manter o espectador, em grande parte, com um leve sorriso constante, cortado com altas gargalhadas. Num mundo cada vez mais achatado pelo rolo compressor da globalização, é animador ver esse retrato/ensaio universal sobre uma aldeia marcar a sua presença com um ponto de vista tão local e peculiarmente universal.

Filme visto no auditório da Biblioteca da Feira, Santa Maria da Feira, Portugal, Dezembro 2008.