Tuesday, January 19, 2010

Abraços Partidos



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Esses filmes de grandes autores que se põem a escrever cartas de amor para o próprio cinema são sempre um prazer de ver. Há pouco, em Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino nos mostrou dois personagens morrendo numa cabine de projeção, mas suas imagens permaneciam vivas na tela do cinema. No seu último filme, Os Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009), Pedro Almodóvar nos dá uma releitura bem sua da imagem cinematográfica viva de alguém que já não existe mais.

Esse mais novo esforço do autor espanhol de Ata-me, Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela é todo muito chic, lindo de ver e sério pra chuchu, o que, em alguns lugares, nos dá a estranha sensação de estarmos entrando na filial sisuda de uma loja que gostamos, numa cidade onde nunca estivemos antes. Isso não deve ser muito bom, mas, no geral, vale observar a qualidade do décor.

Diferente de Woody Allen, que desova filmes, filminhos e filmões a cada 12 meses, desde sempre, Almodóvar parece estar em velocidade de cruzeiro há duas décadas. Seus filmes são claramente fruto de muita reflexão, esmero ceno-técnico, o bom gosto de um autor que parece supervisionar cada plano, tapete e paetê.

Desta vez, temos um cineasta (Lluiz Homar) que ficou cego na conclusão de uma grande história de amor. A cegueira o faz abandonar seu nome de nascimento, Mateo, e adota o pseudônimo Harry Caine.

Nos anos 90, Mateo/Harry apaixonou-se por Lena (Penélope Cruz), atriz que selecionou para trabalhar no seu filme, Mujeres y Valises. Acontece que Lena era a amante de um grande empresário, Ernesto (José Luis Gomes), possessivo, poderoso e produtor do filme, que será o filme dentro do filme.

Esse filme interno lembra muito Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, no tom e nas cores, e logo o clima de paixão entre Lena e Mateo irá definir o triste fim do filme que está sendo rodado. Não só isso, mas imagens da época da filmagem, feitas sob as ordens de Ernesto para registrar todo e cada passo de Lena no set se transformam em documentos (sentimentais) para o futuro.

Almodóvar passa a sensação de fazer cinema como se fosse um costureiro de corte sofisticado, cada ponto muito bem pensado e com desdobramentos narrativos que só parecem fazer sentido dentro do seu universo, sob os pontos da sua agulha.

É um filme de camadas e de cores, não só as imagens são “de cinema”, mas também a musica, os rostos, as atitudes extremadas. Tudo isso pode talvez subjugar o espectador numa primeira visita, mas, estranhamente, revela-se realmente prazeroso numa revisão, mesmo levando em consideração que não mais do que dois gramas de humor em todo o filme.

Talvez seja esta a sina dos grandes autores: suas obras agregam valor com o tempo, um pouco como os rostos dos mortos que permanecem vivos através do cinema. É rosso.

Filme revisto no Cinema da Fundação, Recife, Outubro 2009.

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