Tuesday, January 19, 2010

É Proibido Fumar


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Se fosse feito um gráfico para representar o cinema brasileiro atual, do lado direito teríamos os chamados “filmes de mercado” dominados por comédias românticas capazes de vender a mãe por uma gargalhada vazia, e do outro lado, o esquerdo, filmes autorais que não têm tido grandes oportunidades nas bilheterias. Raros são os filmes que ficam na grande área cinza do meio, os que buscam a comunicação sem perder um toque pessoal claro e evidente. É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert, é um desses raros produtos.

Muylaert, realizadora de São Paulo, estreou no longa metragem com o muito interessante filme estranho Durval Discos (2002), e o termo “estranho” é usado aqui como um elogio. O cinema brasileiro carece de estranheza, num cenário tão repleto de lugares comuns, da direita à esquerda.

No seu primeiro filme, uma crônica paulistana cheia de atmosfera, claramente dividida em duas partes (uma alegre, a outra sombria), Muylaert filmava os espaços urbanos do bairro de Pinheiros com felicidade, e tinha no seu personagem um ser humano modelo antigo, como os discos de vinil que ainda vendia nos anos 90.

Em É Proibido Fumar, percebe-se outra vez essa facilidade em articular espaços urbanos, em especial os interiores de apartamentos perfeitamente enquadrados pelo formato preferido de Muylaert, a tela larga. Bela foto, aliás, de Jacob Solitrenick.

A personagem principal é Baby (Glória Pires), professora de violão solitária quarentona, maluca beleza que segue a neurose tranqüila da sua vida até que o apartamento vizinho é alugado por alguém que parece ser sua alma gêmea masculina: Max (Paulo Miklos), músico de bares e restaurantes.

Esses jovens dos anos 80 se juntam numa relação incerta, unida por paredes adjacentes e que logo irá desencadear sentimentos de alegria e dúvida, principalmente da parte dela. É uma mulher independente, mas ansiosa, que encontra no cigarro uma companhia constante.

Pires, atriz cuja expressividade para a câmera sai ilesa até mesmo de Lula – O Filho do Brasil, transmite a neurose urbana de Baby perfeitamente, e é sempre um prazer ver alguém como ela saindo dos trilhos já gastos do planeta Globo. Na verdade, é sempre um prazer olhar para Pires nesse filme.

Miklos, que estreou tão bem em O Invasor, de Beto Brant, mostra-se à vontade com Max, personagem cujos caminhos permanecem misteriosos para Baby e também para o espectador. Sua reviravolta final parece fazer par no roteiro para um incidente não muito bem filmado no meio da narrativa, e leva o filme para a certeza de que estamos diante de uma comédia romântica incomum no atual cenário. O romance do desfecho só é igualado pelos mecanismos aparentes do roteiro fechado.

É Proibido Fumar talvez merecesse uma metragem um pouco maior do que os seus mirrados 85 minutos. Quando se cria um espaço tão bem, e nele se inserem personagens curiosos às voltas com aspectos importantes da vida, talvez seja bom desenvolver esses elementos com menos timidez. Isso dá ao filme a sensação curiosa de estarmos diante de um meio termo, não apenas como o produto de um cenário de produção polarizado, mas também na nossa capacidade de nos envolver totalmente com um filme do totalmente bem. São tão raros esses no nosso cinema.

É Proibido Fumar levou sete prêmios do júri oficial no último Festival de Brasília, findo há uma semana, incluindo Melhor Filme, Atriz (Pires) e Ator (Miklos).

Filme visto no Cine Brasília, Novembro 2010

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