Tuesday, January 19, 2010

Deixa Ela Entrar


Plano aberto.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Deixa Ela Entrar (Låt Den Räte Komma in, Suécia, 2008), de Tomas Alfredson, parece respeitar cada traço do gênero ao qual pertence (o filme de horror, com vampiro), ao mesmo tempo em que compensa eventuais choques no espectador com beleza e lirismo. É uma história de amor entre um garoto de 13 anos e uma garota que tem 12. A questão é que (frase já conhecida do filme) "ela tem 12 há muitos e muitos anos".

O filme não é facilmente esquecido pelos que o vêem, e oferece um outro ponto de vista para a atual Twilight-mania, que também lida com elementos vampirescos num universo jovem. A diferença é que os americanos são bate-entopes enlatados, e Deixa Ela Entrar parece ter sido feito a mão. Esse aspecto manual do filme me chama muito a atenção.

Conta a história urbana, discretamente situada nos anos 80, de Oskar, menino que se sente muito só, e ainda tem que lidar com a perseguição de outros garotos na escola e na vizinhança onde mora.

Neva muito no filme, algo que, desde o início, passa a sensação de estarmos numa fábula escandinava, especialmente o plano de abertura, algo de literário no impacto hipnótico da sua imagem. Durante esse plano dá para imaginar alguma voz maternal lendo uma história com gosto, e talvez um pouco de sono.

É numa noite de neve que chega um táxi com uma garotinha, Eli, e um homem que talvez seja o seu pai... Aos poucos, Oskar e Eli farão amizade, e logo irão desenvolver uma relação de amor ligeiramente sensual e cúmplice. O segredo, que faz parte da sinopse oficial de Deixa Ela Entrar, é que Eli é uma vampira. Sem sangue, ela definha.

Alfredson, munido de fotografia não menos do que linda, respeita as convenções ancestrais de histórias de vampiro, dando ao seu filme um aspecto clássico interessantíssimo, a base perfeita sobre a qual ele trará seus toques pessoais. Eli dorme, por exemplo, de dia e só sai à noite. Ela só pode entrar na casa de alguém se for convidada pela pessoa.

Aos poucos, a presença de Eli na vizinhança vai sendo transformada em sangue, numa série de incidentes pequenos e grandes, todos muito bem filmados.

Curioso como em Hollywood, onde corre mais dinheiro, balança-se muito a câmera na escuridão, e não vemos muita coisa no meio da barulheira. Num filme europeu como esse, as imagens mais aterradoras, compostas por discretos efeitos digitais, são filmadas abertas e 100% nítidas. Não há nada a esconder.

O filme é um exemplo a ser citado num mercado internacional que, cada vez mais, investe em produtos globalizados falados em língua local, mas que nada mais são do que enlatados "Para Exportação" (O Orfanato?). No caso de Deixa Ela Entrar, já existe o projeto para a versão americana. Dá enorme aflição imaginar os cortes que serão impostos, especialmente na relação doce entre os dois, aqui sublinhada por detalhes de sexualidade precoce que deixam o filme sair ileso, e ainda com o moral alto.

Há inúmeros aspectos que enriquecem o filme a partir de coisas que não são ditas. Deixa Ela Entrar suspeita que o espectador é inteligente, que tem compaixão e que entende a mecânica da dependência no outro, e como amores antigos se desfazem e como outros novos surgem. Belo filme.

Filme visto em Blu-Ray, Recife, 2009

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