Friday, July 31, 2009

Sobre Halloween e a Playarte



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Semana passada, estreou Halloween (2007), refilmagem de Rob Zombie do filme de John Carpenter, feito originalmente em 1978. A distribuidora Playarte não exibiu o filme para a imprensa brasileira. Eu escrevi sobre o filme para a Folha de S. Paulo com base no DVD francês do filme (a crítica pode ser lida nesse blog). Horas após a estréia de Halloween nos cinemas brasileiros, no entanto, começaram a surgir relatos na internet de que o filme fora mutilado pela Playarte. Dos 108 minutos originais, a versão lançada no Brasil ficou com 83.

Os cortes mal feitos suprimiram 26 minutos do filme, um desrespeito não apenas aos realizadores mas também ao público, que viu uma versão 'pirateada' do filme passando nos cinemas que cobram ingressos caros. Tentei obter uma posição oficial da Playarte ao longo da semana, sem sucesso, algo também tentado por diversos jornais e sites de cinema do país.

Aos poucos, surgiram revelações. O Diário Oficial da União publicou os planos da distribuidora, que, não querendo lançar um filme com classificação 18 anos (a versão original), submeteu a versão incompleta para atingir a classificação 14 anos, “excluindo conteúdo violento”, e fazendo cenas inteiras sumir do filme.

A história piora com a revelação quinta-feira de que a mesma Playarte já prepara o lançamento de Halloween em DVD, anunciando cinicamente “Versão Estendida SEM CORTES! Inclui Cenas não exibidas no cinema”.

Resta ao público evitar o filme, que entra na sua segunda semana em cartaz. E resta à Playarte, distribuidora tradicional no Brasil, rever suas estratégias de lucro. Num mercado que reclama tanto da pirataria, ver um filme dessa forma, desrespeitado pelo próprio distribuidor, lembra as histórias de cidades do interior de antigamente, onde filmes passavam pela tesoura do padre local.

Aqui, no entanto, não trata-se de crença religiosa, mas a crença burra no dinheiro. Burra porque a manobra pode ter dado lucro, o lucro de um golpe, mas as perdas em imagem da distribuidora no mercado não são poucas.

Além disso, creio que o incidente revela a relação sempre distante entre o Brasil e o cinema de gênero, no caso, o horror, normalmente visto como algo indecifrável e dispensado como 'trash', vulgar e descartável.

À Deriva


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Dia 28 de agosto estréia Os Normais 2 – A Noite Mais Maluca de Todas para confirmar que o atual cenário de cinema brasileiro comercial está dominado por comédias. Se Eu Fosse Você 2, O Divã e A Mulher Invisível computam dez milhões de espectadores esse ano, indicação mercadológica de que esse tipo de filme é o que há no nosso mercado. Com isso em mente, não deixa de ser um tipo de alívio ver algo como À Deriva (Brasil, 2009) tentando achar espaço.

É o terceiro longa do realizador pernambucano radicado em São Paulo Heitor Dhália, que antes fez Nina (2004) e O Cheiro do Ralo (2006). O filme teve sua estréia mundial na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes, há dois meses, fato muito destacado pela campanha de divulgação do filme.

Dado o cenário atual, À Deriva chega hoje aos cinemas do Brasil como produto diferenciado. Desta vez, não temos um humor de comercial brasileiro de cerveja, adultos comportando-se como crianças de 12 anos e uma linguagem de TV para um público que procura sintonizar a Globo nas salas de cine.

O filme de Dhália é um relato que cheira a algo claramente pessoal e investiga relações familiares do ponto de vista de uma adolescente, Filipa (Laura Neiva). Ela observa de camarote a dissolução do casamento dos pais (Débora Bloch e Vincent Cassel) durante uma temporada de férias numa praia paraíso (Búzios, RJ), filmada nos tons meticulosamente dourados do que um certo tipo de cinema entende como sendo lembranças distantes. O filme parece se passar discretamente nos anos 80.

Neiva, que está em praticamente todas as cenas, é a primeira pessoa do filme, uma adulta em formação que irá aprender algumas coisas novas sobre o funcionamento das pessoas no mundo dos crescidos. Percebe coisas que seus irmãos mais novos nem imaginam, especialmente a movimentação amorosa do seu pai em relação a outras mulheres. Não percebe, no entanto, o que acontece com a mãe.

O francês Cassel (Irreversível, 13 Homens e um Novo Segredo) parece tentar honrar aqui sua admiração pessoal pelo Brasil, para onde vem com freqüência. Fala português e ocupa um personagem que soa como se não tivesse sido escrito originalmente para ser francês, como se Cassel tivesse aceitado o papel em cima da hora. De qualquer forma, o ator é sempre presença.

Bloch traz credibilidade dramática para o filme como a mãe instável e alcoólatra. Se juntarmos o personagem principal da filha à força insensata da mãe, vemos que À Deriva é uma obra dominada pela força sempre assustadora das mulheres.

O filme, de certa forma, é um gol para Dhalia, que parecia concentrar-se na direção de arte vistosa, figurinos berrantes e atitudes ‘mudernas’ nos seus dois filmes anteriores, mas que aqui traz o elemento humano para a frente das suas preocupações. Usa, de qualquer forma, uma série de clichês que fazem a história avançar.

Esse rito de passagem, por exemplo, envolve a perda da virgindade como barreira transponível rumo à maturidade, e eis que esse rito é marcado pelo cintilar de águas douradas sob o brilho energético do sol de Búzios. A locação é uma escolha que dá ao filme uma sensação constante de estarmos presos dentro de uma série de cartões postais. O tom geral é rosa choque.

Na verdade, é curioso observar a movimentação de alguns jovens realizadores e a pressão que existe no sentido de fazerem produtos de mercado para o cinema, seja lá o que significa isso. Na verdade, suspeitamos que isso envolve pegar uma visão pessoal totalmente realizável como obra honesta, pura e simples e maquiá-la com os mecanismos do bom gosto tido como médio. Teme-se que, no final das contas, um projeto como esse não agrade totalmente a nenhuma das partes, seja o espectador à procura de um filme forte e autoral, ou ao grande público, adestrado para rir.

À Deriva é uma produção da Focus Features (Universal) e O2 Filmes, do Fernando Meirelles (Cidade de Deus, Ensaio Sobre a cegueira), claramente a produtora de publicidade e cinema mais bem sucedida do Brasil, possivelmente da América Latina. Se Meirelles é um realizador seguro que tem o talento nato de fazer filmes para o mundo, percebe-se que sua estrutura termina atraindo e/ou influenciando outros realizadores a atingir um certo “padrão internacional” que, na pior das hipóteses, é trazido de forma calculada.

Se isso é óbvio em projetos estritamente comerciais como Viva Voz (2004), de Paulo Morelli, esse tipo de pressão termina se evidenciando com certo pesar quando o filme proposto vem de uma motivação que aparenta ser pessoal, moldada finalmente num produto que quer ser comercial.

De maneira semelhante à sentida em relação ao primeiro longa de Philipe Barcinski, Não Por Acaso (2007), outra produção da O2, À Deriva, mais bem sucedido como filme, também sugere algo de pessoal, mas acrescida de mecanismos que sugerem uma embalagem industrial. Além da paisagem e fotografia Polaroid, a música de Antônio Pinto, uns pianinhos que emulam Yann Tiersen (Amélie Poulain) se intrometem numa ação humana que, de outra forma, é de interesse.

De qualquer forma, fica a curiosidade de observar como o mercado irá receber À Deriva, que, no geral, está acima do que o recente cinema brasileiro de ambições comerciais tem feito.

Filme visto na Sala Debussy, Cannes, Maio 2009

Desejo e Perigo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Dramas humanos de amor em tempos de guerra parecem, em geral, divididos em dois tipos. No primeiro, duas pessoas são separadas pela morte de uma delas, vide o popular O Suplício de uma Saudade (1954), ou a obra prima russa Quando Voam as Cegonhas (1959). O segundo tipo mostra uma relação de amor engolida por eventos bem maiores e poderosos, exemplo clássico de Casablanca (1941) ou do recente filme de Ang Lee, Desejo e Perigo (Se, Jie, EUA/China/Taiwan/Hong Kong, 2007), uma história envolvente cujo sabor frio da sua beleza permanece com o espectador bem depois de finda a sessão.

Desejo e Perigo se passa na Shanghai de 1942, mesmo cenário e período do interessante fracasso que foi O Império do Sol (1987), de Steven Spielberg, a história de um garoto perdido. No filme de Lee (taiwanês de origem, radicado nos EUA), temos uma movimentação política por parte de estudantes chineses que embarcam numa ação patriótica que visa matar Yee (Tony Leung), oficial chinês que trabalha para os japoneses durante a dramática ocupação da China.

Um dos estudantes perdeu a família pelas mãos severas de Yee, um homem frio que executa seu trabalho de maneira brutal. A intenção do grupo, à frente de encenações universitárias bem sucedidas com toques claramente ufanistas, é oferecer uma isca sexual para Yee.

A isca será a bela Mak Tai Tai (Wei Tang), atriz de talento capaz de emocionar centenas no palco, e que terá de contracenar sexualmente com Yee para conquistar sua confiança. Mais à frente, irá colocá-lo numa armadilha. É o clássico personagem da viúva negra, ou da espiã Mata Hari, algo revisto recentemente no também muito bom A Espiã (2006), de Paul Verhoeven, onde uma judia é enviada disfarçada para conquistar a cama de um oficial nazista, na Holanda ocupada.

Se no filme holandês temos uma empolgante aventura sobre a ética da guerra, no filme de Lee o tom é ainda mais sombrio. Ele vai fundo na relação física entre a isca e sua presa, filmando o sexo de maneira honesta e direta. Desejo e Perigo é um daqueles filmes raros que comporiam lista de obras que ajudam a construir a imagem filmada do coito no cinema, algo que permanece um tabu em 2009.

A presença de Leung reforça ainda mais paralelos possíveis nas lembranças do espectador com Amor à Flor da Pele (2000), de Wong Kar Wai, onde o sexo constante entre um casal estava no ar, e não na tela. No filme de Lee, no entanto, o amor e o romantismo, desenvolvido a partir de uma relação carnal inicialmente violenta, passa para a discreta delicadeza rumo a uma conclusão que volta a ser brutal, como a própria guerra. Mistura sentimentos humanos como traição, decepção e a violência absoluta do poder.

É um desses filmes clássicos, bem filmados. Uma seqüência importante (e muito violenta) parece não apenas servir de informação para o espectador sobre as medidas extremas influenciadas por uma Guerra, mas ainda evoca Hitchcock e a sua afirmação de que “matar um ser humano é algo trabalhoso e que dura muito, mas muito tempo”.

Não só o sexo está perfeitamente iluminado, mas partidas de majongue e cenas de rua são show. O roteiro de Lee, James Schamus e Hui Ling Wang constrói firmemente personagens e situações humanas, dando espaço ainda para que você preencha espaços. Instigante.

Filme visto no Cine Rosa e Silva, Recife, Julho 2009

Monday, July 27, 2009

Halloween (Rob Zombie)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


É curioso que Halloween (1978), de John Carpenter, autor que filmou a aflição com tanta elegância, tenha estabelecido a base para o moderno filme de terror, o “slasher”, gênero marcado por um filmar tão feio. Mais curioso é ver que depois de dezenas de cópias e mutações, Halloween, remake oficial dirigido por Rob Zombie, uma antítese do original, ainda seja de interesse.

Um caso raro de filme dividido em dois, na narrativa e na qualidade, o novo Halloween parece funcionar no todo como bom produto de gênero via toque pessoal do seu autor.

O mito do bicho papão sugerido por Carpenter tinha a forma de um assassino mascarado e mudo que não desistia, faca em punho, sem noção ou explicação. Matava numa coreografia sublime de travellings em Panavision sob uma música eletrônica primitiva que ninguém esquece, criação do próprio Carpenter.

Se o original investiu tempo e atenção nas vítimas aterrorizadas pelo vulto, na versão de Zombie o carinho é todo depositado no bicho papão, sem paciência ou interesse para as adolescentes que gritam. Teoricamente, a idéia é infeliz, pois tira-se o mistério natural do mal puro e simples, o equivalente a tentar explicar o medo do escuro.

Na prática, no entanto, Zombie faz um filme interessante. Ex-vocalista da banda White Zombie, ele havia mostrado sua sensiblidade heavy metal para o cinema nos seus dois primeiros filmes, A Casa dos Mil Corpos e Rejeitados Pelo Diabo. Com Halloween, confirma que ‘família’ é sua palavra chave.

Seu interesse pelo psicopata Michael Myers é não apenas a melhor coisa do filme, como sugere uma refilmagem de Carrie a Estranha (1976), de Brian de Palma, e não tanto do filme de Carpenter. Por baixo da sordidez estridente das relações, há um cuidado pelo menino sempre mascarado com sérios problemas na escola e em casa. É mal tratado por todos, mas amado pela mãe, pelo psiquiatra (Malcolm Macdowell) e pelo próprio cineasta. A utilização de Love Hurts (o amor dói), do Nazareth, soa bem no filme em vários sentidos e a explosão de violência perturba.

É uma primeira parte que Zombie quer que seja só dele, já que na segunda metade, ainda dotada de imagens potentes no gênero, irá apenas cumprir cláusulas contratuais que dão ao filme o tipo de dormência que mutações desse tipo geralmente têm. No entanto, Zombie consegue fechar seu horror heavy metal com o que Carpenter sempre teve em mente: uma imagem de puro cinema.

ATENÇÃO: esse texto publicado na Folha de S. Paulo ontem foi feito com base no filme visto no DVD francês de Halloween, de Rob Zombie. Eu revi o filme há duas semanas, no Recife. No sábado, um dia após a sua estréia nos cinemas brasileiros, saíram comentários na comnunidade do CinemaScópio do Orkut (a partir de nota no http://mestreinfernauta.blogspot.com/2009/07/michael-myers-vs-playarte.html) informando que o filme havia sido cortado no Brasil e ficado com 86 minutos, o que explica a baixa classificação 14 anos. A versão francesa é classificada 16 anos e tem 109 minutos

Sunday, July 26, 2009

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