Friday, April 2, 2010

Homem de Projeção (1992)

Em geral, eu me relaciono bem com os filmes que eu já fiz, sem grandes arrependimentos. E ainda tem alguns que eu realmente gosto muito (!), como esse Homem de Projeção (1992), com oito minutos e feito no final do curso de jornalismo em super8 e VHS. É sobre seu Alexandre Moura, projecionista do extinto Art-Palácio, no centro do Recife (fechado em 1992).

O filme registra seu Alexandre, que virou um amigo de verdade, e também a sala de cinema, que pertencia a uma outra era. É menos conhecido que Eletrodoméstica, Vinil Verde e Recife Frio, mas tem alguma coisa de especial pra mim, talvez por já ter o efeito do tempo passado em cima dele.

Homem de Projeção é um dos 9 filmes que eu disponibilizei no Vimeo, com ótima qualidade. A minha página lá é: http://www.vimeo.com/cinemascopio/videos . K.M.F

Homem de Projeção (1992) from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.

Thursday, April 1, 2010

Deixando a Crítica Para Fazer Filme

Aos Leitores...

Depois de 12 anos e seis meses, estou deixando de escrever para o Jornal do Commercio do Recife. Foi uma parceria excelente, que rendeu belos frutos e onde eu sempre tive total liberdade de externar minha visão de cinema e de mundo num trabalho (em termos de configuração, perfil e produção) inédito no Recife, incomum no Brasil. Foi uma decisão difícil, mas que se faz necessária.

O motivo de eu deixar a crítica cinematográfica é o meu longa metragem O Som ao Redor, que está em pré-produção. Logo será filmado e ainda esse ano estará em pós-produção. Equilibrar um trabalho desse porte com as obrigações semanais de um crítico, vendo filmes e escrevendo, simplesmente não é possível.

Os dois últimos textos escritos no atual contrato com o JC foram para Chico Xavier e A Single Man, publicados hoje, quinta-feira de Páscoa, dia 1o de abril. Eventuais interpretações de que isso é uma piada não procedem.

Há a real possibilidade de eu voltar em maio para mais duas semanas de trabalho no que deverá ser a minha 13a cobertura consecutiva do Festival de Cannes 2010, mostrando o tipo de relação próxima que tenho com o Jornal do Commercio.

Nesse sentido, preciso agradecer ao JC pelos anos de colaboração, especialmente ao meu editor Marcelo Pereira, do Caderno C, Ivanildo Sampaio, redator chefe, e meus colegas de editoria Flávia de Gusmão, Fabiana Moraes, Diana Moura, Marcos Toledo, Schneider Carpeggiani e Carol Almeida. E no último ano, a parceria também de Felipe Fernandes e Luis Fernando Moura, estagiários profissionais.

De qualquer forma, a partir de agora, a prioridade de trabalho e tempo é o longa metragem. Eventuais posts aqui no blog virão, mas sem o compromisso semanal de escrever tanto. E sobre tanta coisa.

Obrigado, Kleber
cinemascopio@gmail.com

Chico Xavier - O Filme


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Antigamente, a semana santa oferecia boas oportunidades de lucro para os cinemas, que colocavam em cartaz dramas bíblicos como Ben Hur e Os Dez Mandamentos, ou paixões de Cristo já bem riscadas e em preto e branco. Os costumes mudaram e as salas hoje ignoram a páscoa, exceto por fenômenos isolados como A Paixão de Cristo (2004) de Mel Gibson, que resgatou a sensação de cinemas terem seus dias de igreja. Esse ano, o brasileiro Chico Xavier, filme de Daniel Filho, investe na semana santa como estratégia de negócio, no país espiritualizado que é o Brasil. O filme estréia amanhã em 350 cinemas.

Há um mês, um funcionário do multiplex UCI/Ribeiro Plaza Casa Forte já mostrava-se impressionado com a procura pelos ingressos, rivalizando Harry Potters e Twilights. Deverá ser um sucesso de público, do mesmo diretor que parece investir no populismo como pesquisa estética, vindo dos sucessos recentes Se Eu Fosse Você, vistos por cerca de dez milhões de brasileiros.

Em Chico Xavier – O Filme, Daniel Filho aborda o médium mineiro que faleceu aos 92 anos em 2002. Sua trajetória de ligação divulgada entre o mundo terreno e o espiritual atraía o interesse de crentes e ateus pelo fato de assumir para si um mistério da natureza humana, o de saber o que se encontra depois da morte, incluindo o contato com os mortos.

Talvez seja um prato cheio para os produtores de um filme que poderá beneficiar-se de um público muito pouco cartesiano como o brasileiro, fruto de inúmeras misturas de fé, e cujo resultado é mais precisamente próximo do “espiritual”, sem que isso defina exatamente uma igreja, ou uma franquia religiosa.

O populismo do cinema de Daniel Filho não deixa de ser fascinante. Ele investe no acabamento (o filme é tecnicamente bem feito) e no desejo constante de agradar o espectador que crê. Nesse sentido, seu filme cai mesmo como uma luva no mercado da semana santa, resgatando o tom de catecismo filmado (ou espiritualismo comercial projetado) dos clássicos bíblicos de páscoas passadas.

Não há dúvidas ou questionamentos, e mais uma vez chega a sensação de que o cinema brasileiro de mercado tem essa preferência nacional pelos “grandes temas” abordados com pinceladas gigantes e desengonçadas que passam por cima de detalhes como sutileza e intimismo.

De fato, Chico Xavier – O Filme parece ter saído da mesma máquina de cinema modesto que cuspiu produtos recentes como Lula – O Filho do Brasil, de Fábio Barreto, ou Salve Geral!, de Sergio Rezende. São filmes que parecem achatar as histórias e personagens reais nos quais se baseiam para que caibam nas caixas apertadas da superficialidade narrativa.

Ostentando a realidade de personagens verídicos como medalha, os resultados são geralmente folhetinescos, e mais uma vez fica a sensação de estarmos diante de uma novela pobre de idéias, mas rica em mediocridade, como se acreditasse que seu público não seria capaz de entender algo mais interessante. Já nos letreiros fantasmagóricos de Scooby Doo na abertura, o filme parece nos lembrar que fantasmas são o mote.

Sobre TV, aliás, Daniel Filho arma seu filme, não por coincidência, ao redor de um programa televisivo, Pinga Fogo, onde Xavier (Nelson Xavier) é sabatinado por entrevistadores. Zooms na imagem eletrônica do vídeo nos levam aos esperados flashbacks do Chico criança, rapaz, homem e senhor. Sua entidade maior, Emanuel, também é vista vestindo uma toga.

Dos primeiros contatos com os desencarnados à sua fama regional e nacional de elo entre os dois planos, ficamos sabendo como surgiu a estranha peruca que marcou a imagem de Xavier à sua trajetória de crenças e descrenças, onde os céticos são: a) vilanescos ou b) no caso do personagem de Tony Ramos, transformados em fieis que se entregam às evidências, outra afinidade com o cinema comercial religioso. De Ben Hur a Samsão e Dalila, alguém verá forçosamente a luz antes do fim da sessão.

Ramos e Cristiane Torloni, aliás, parecem ter sido escritos para representar o espectador médio, talvez o casal que for pagar para ver o filme num multiplex. Pais em luto, ela crê, ele não, e a atuação de Ramos soa como a leitura de um telegrama, e nao de algo que teria sido psicografado.

Curioso ver que os melhores momentos do filme são no estúdio de TV, onde Daniel Filho de fato parece mostrar intimidade com o material. Das câmeras RCA de época trocando lentes, às direções de estúdio e planos da platéia e entrevistadores, o filme flui, como se estivesse em casa. É a fé televisionada para as massas, mas exibida nos cinemas. Amém.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, Março 2010

A Single Man

Intervalo de photo-shoot.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Conheça um personagem pelo quão bem organizadas são suas gavetas. À certa altura de Direito de Amar (A Single Man, EUA, 2009), filme de Tom Ford, o elegante George abre uma de suas gavetas impecáveis na sua casa podre de chic e impressiona como a caixa de Band Aid combina com o em torno, não só na coordenação de cores, mas também em arrumação. Essa história frufru de amor e perda nos chama para desfrutar de suas paixões materiais e emotivas, com ênfase no material.


Filmes são como casas, e o simples fato de vê-los significa entrar na residência do diretor. Ford, profissional reconhecidíssimo do ramo da moda, nos mostra a sua visão de mundo. Aparentemente, é um romântico muito elegante, mas carregado dos trejeitos irritantes que aprendemos a associar ao mundo espetacularmente vazio dos fashionistas.

Ford, através do seu filme, parece procurar amparo para as agruras do mundo na beleza, e isso não seria uma coisa ruim, ao contrário. No entanto, o tratamento do todo sugere algo de negativo pelo fato de a beleza que parece encantar Ford é aquela realçada por assessórios, pelo artifício, e não pelo valor humano, pelas coisas que, quem sabe, deveriam ser realmente importantes na vida.

O personagem principal é George (Colin Firth, ator britânico de interesse), um professor de literatura inglesa na Los Angeles de 1962. Ele acaba de perder seu companheiro super model (na verdade, era arquiteto) num acidente. Seu luto parece combinar perfeitamente com o esquema de cores que o cerca, seja na decoração, nas roupas ou até mesmo na correção de imagem do filme em si. É como se Ford tivesse exacerbado uma aula passada de expressionismo.

O parafuso emocional de George ganha tons sublinhados de montagem, câmera e som, e Ford nos faz enxergar sua idéia pessoal de beleza através do seu triste personagem principal. Ele é bem mais blasé com sua amiga do peito (Julianne Moore), que é real, do que com seus encontros momentâneos com representantes de uma idéia comercial de beleza.

A imagem de uma bela garotinha de vestidinho rodado, cuja câmera a filma de baixo para cima, nos leva a um rosto que deve ter levado quatro horas para maquiar. No escritório da universidade, a secretaria impecável e espetacularmente bela chama a atenção de George não por sua personalidade engraçada, livre ou forte, mas pelos maravilhosos adereços de roupa, cabelo, perfume e maquiagem que resultam num lindo piteuzinho fashion.

E assim vai o filme, com um senso estético paralisante, mas com uma sensação de luto narrada em primeira pessoa não tão distante assim da saudade contida em Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, o ensaio de Marcelo Gomes e Karim Ainouz que não poderia ser mais distinto na construção de imagens.


Resta um filme imprensado entre dores de amor e a dúvida cruel do que vestir, e se a escolha irá cair bem com o papel de parede. Que chic.


Filme visto no Cinema da Fundação, Recife, Março 2010

Wednesday, March 31, 2010

The Box


por Kleber Mendonça Filho

Na tradição das histórias de trancoso, onde o realismo da vida diária se transforma no fantástico, temos A Caixa (The Box, EUA, 2009). Esse filme atinge graus de muito interesse antes de finalmente deixar um gosto forte de insatisfação no espectador, algo que parece ser a marca do seu diretor, o americano Richard Kelly. No seu lançamento nos EUA ano passado, A Caixa pareceu lembrar muita gente dos antigos episódios de Além da Imaginação (The Twilight Zone), de Rod Serling. Essa história foi, inclusive, escrita por um colaborador da clássica série de TV, Richard Matheson (também autor de Eu Sou a Lenda).

O ponto de partida é corretamente clássico e intrigante. Em 1976, um casal classe alta (James Marsden e Cameron Diaz), ele funcionário da Nasa, ela professora, recebem a visita de um homem (Frank Langella) que sai do já obrigatório carro preto. Na verdade, o filme toma bem o seu próprio tempo para estabelecer o mistério, um deleite total desde o início.

Como um vendedor, ele traz uma caixa com um botão vermelho protegido por uma redoma de vidro. Lembra uma reprodução portátil do temido botão do apocalipse na Guerra Fria. Há a informação de que a família poderá ganhar um milhão de dólares (sem imposto) caso decidam apertar o botão. O detalhe é que, fazendo isso, alguém, em algum lugar, irá morrer naquele mesmo instante como resultado direto da ação.

Procurem não saber mais nada sobre o filme, até pelo fato de o que se segue ser indescritível. Kelly surgiu como um herdeiro fedelho de David Lynch, e a sensação persiste positiva e negativamente. Estreou com o cultuado Donnie Darko (2001), história sobre um adolescente marcada por uma certa angústia, mas também por buracos no tempo e no espaço, realismo e sonho.

Seu segundo filme, o bagunçado Southland Tales (2006), tem poucos defensores. Fez um filme gigantesco que não parece fazer muito sentido, exceto pela ousadia de gastar um caminhão de dinheiro e o interesse de alguns dos seus momentos.

Em The Box, Kelly trabalha pela primeira vez com um estúdio (Warner) e parece ter tido carta branca para trazer toque autoral, com tudo o que esse toque tem de bom e de ruim, incluindo mais buracos no tempo e no espaço. Isso significa que algum personagem irá entrar em algum lugar e sair a quilômetros de distancia num flash de luz e água.

A primeira hora do filme é muito boa. Kelly não trabalha apenas com essa trama fantástica e suas repercussões, mas usa com grande efeito o clima da época, filmado com requintes prazerosos de produção. A casa da família com sua decoração anos 70 berrante, uma visita à Nasa em plano seqüência, os carros e roupas conspiram para uma atmosfera imaginada de tempo e espaço – os EUA da Guerra Fria – sublinhadas por estranhas notícias espaciais.

Depois de mais ou menos uma hora, o espectador pode começar a fazer caretas e exclamar mudos “??!!”, e suspeitamos que Kelly não quer que seu filme seja divertido, mas apenas estranho, desconexo e emperrado. Há ainda um tom de seriedade que não lhe faz muito bem. Assistimos a desdobramentos que carecem de envolvimento, enquanto A Caixa enforca-se com sua própria corda.

Chama a atenção a escolha de elenco. Diaz parece engolir Lewis, ator com cara de garoto de 17 anos, jogador de futebol americano, embora o roteiro de Kelly abra espaço para cenas inusitadas que constroem o casal, não obstante a discrepância entre os dois atores. Momentos como o que ele constrói uma prótese ortopédica para a esposa são o tipo de curiosidade que Richard Kelly injeta nos seus filmes, mesmo que o todo deixe essa sensação geral de insatisfação e oportunidades perdidas.

Filme visto em Bluray, Fevereiro 2010, Recife