Monday, May 4, 2009

Wolverine



Wolverine prestes a traçar um espaguete ao pesto.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para cada PAM-BUM-BAM que Wolverine as Origens (Wolverine – X-Men Origins, EUA, 2009) faz estrondar na sala de cinema, eu quase que pude ouvir na mesma hora o DIM-DIM-DIM do dinheiro caindo na conta da 20th Century Fox e dos sócios majoritários desse produto. Um deles, aliás, é o próprio Hugh Jackman, o atual apresentador do Oscar e também astro/produtor do filme. É o sub-produto perfeito para ilustrar o denominador comum de um tipo de cinema atual feito para vender pipoca, balinha, nachos e refrigerante, para um público com cera nos ouvidos e limite programado de atenção de não mais do que quatro segundos.

Watchmen isso aqui não é. A interessante adaptação de Zack Snyder para os quadrinhos de Alan Moore talvez seja um dos melhores filmes americanos do ano, mas não é o tipo de coisa que Hollywood espera de um produto comercial feito para saquear mesadas adolescentes. Na verdade, lembrar que, por ter sido o último filme HQ lançado, Watchmen nos leva precisamente a esse Wolverine que estréia com 500 cópias em todo o Brasil, com uma campanha de propaganda que não poupou nem banheiro.

A adaptação de Watchmen finalmente filmada e as marcas Batman e Superman recauchutadas com novos diretores e atores provam que não sobra mais muita coisa para Hollywood consumir vorazmente em termos de material original de HQ. Resta à indústria inventar desculpas.

Nesse filme, Wolverine (Jackman), o personagem mais popular da franquia X-Men ganha seu próprio filme solo, onde podemos vê-lo menino, jovem, na sua própria historinha. Imaginem as possibilidade$ se pensarmos nos outros super-amigos de Wolverine, cada um com um filme. Porquê não as memórias íntimas de Alfred, mordomo de Batman, num blockbuster futuro? E, quem sabe, as memórias do sobrinho secreto de Alfred, mais pra frente?

Wolverine é o cara simpático que quando fica com raiva ganha uns garfos gigantes que saem das mãos. É também um super herói que vive furando sua cama e arranhando a namorada, descaradamente. As espadas são feitas de um metal alienígena, adamantium. Ele é forte, e nesse filme vemos o porquê de ele ter sua força física redobrada. Wolverine (também conhecido como Logan) é, claro, um mutante.

Essa aventura dirigida pelo sul africano Gavin Hood, que ganhou o Oscar pela sua própria mutação genética de filme turbinado de terceiro mundo (vide Cidade de Deus e Quem Quer Ser Milionário), um filme de crime e favela chamado Tsotsi, mostra o que acontece com diretores que sempre sonharam com Hollywood. Fazem filmes hollywoodianos sem qualquer alma como esse.

Inicialmente divertido na primeira meia hora, onde entendemos que Wolverine tem um irmão malvado (Liev Schreiber, presença boa) com quem lutou praticamente todas as guerras americanas, atravessando décadas sem real envelhecimento, nosso herói logo entende que o recrutamento via governo americano (Danny Huston é o vilão da peça) não é a sua praia, especialmente pela noção avariada de humanidade dos envolvidos.

Antes mesmo de integrar o X-Men nos outros filmes da série, Wolverine teria feito parte de um grupo de mercenários mutantes cujas missões em paises de terceiro mundo não parecem nada católicas. Wolverine terá, portanto, de lidar com manipulação do poder em relação a um amor e também com o seu corpo.

É tudo meio bombástico e estridente, o dinheiro gasto não foi pouco, está na tela, mas fica a sensação de uma matinê classe B. Não é B de bizarro, é B de segunda classe mesmo. Wolverine grita aos céus com raiva, como um tiranossauro rex, coisas explodem e fazem enorme barulho. Um lembrete frequente de que barulho e estímulos de luz projetada também induzem ao sono e à total monotonia.

Filme visto no UCI Boa Viagem, Recife, abril 2009

Sunday, May 3, 2009

Lírio Ferreira e Desnise Dumont sobre fazer um filme pessoal de arquivo sobre o pai dela: O Homem Que Engarrafava Nuvens



Lírio Ferreira apresentando o filme no Festival do Rio, ano passado

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Para quem conhece a pessoa do cineasta pernambucano Lírio Ferreira, uma primeira impressão é a de que ele é claramente um realizador da raiz ficção, sua capacidade de se expressar e de juntar idéias aparentemente distantes numa conversa chama a atenção e instiga. Analisa, por exemplo, que não seria uma coincidência o fato de uma primeira possível imagem para o que seria “o moderno cinema pernambucano” ser a de um homem cego numa paisagem árida, cena do seu próprio curta metragem O Crime da Imagem, lançado nos primeiros momentos dos anos 90. Esse seu olhar, que alguns fãs ousam chamar de ‘delírio’, gerou dois filmes notáveis, filhos não da ficção, mas do documentário, ambos sobre a música brasileira. O mais novo chama-se O Homem Que Engarrafava Nuvens, sobre Humberto Teixeira, que encerra hoje à noite o Cine PE.

O filme confirma algo que já havia sido percebido em Cartola (2006), co-dirigido por Hilton Lacerda, um filme não linear, um pouco como as lembranças que temos da vida, algo que Lírio repete de forma nova e orgânica no seu novo relato sobre uma outra personalidade brasileira que deixou marcas na cultura do país. Curiosamente, esse é um projeto interessante não apenas para o espectador comum, mas também pelo que existe por trás do filme.

Lírio Ferreira, na verdade, conduziu com tom autoral o projeto emotivo que pertence à produtora do filme, a atriz Denise Dumont, que vem a ser a filha do personagem principal, Humberto Teixeira. O pai dela ficou conhecido popularmente como parceiro de Luiz Gonzaga e autor de Asa Branca, clássico da MPB. O filme tem claramente o tom de uma confissão, ou de uma descoberta, e há indícios de que diretor e produtora descobriram juntos coisas diferentes.

« Exatamente pelo traço marcante do Lírio e pelo seu talento, foi que o convidei para dirigir o filme. A sua doçura e delicadeza como ser humano tornou possível essa relação tão complicada, de ter a filha do personagem principal no cangote 24 horas por dia durante 7 anos, cheia de opiniões, perfeccionista e ainda por cima com o poder de produtora... É sem dúvida um filme extremamente pessoal e por isso mesmo eu tinha que entregá-lo em boas mãos. Lírio realizou o meu sonho e o fato de continuarmos amigos e nos amarmos de paixão depois de tantos anos, é prova de que funcionou e bem », disse Dumont à reportagem do JC, de Paris, antes de vira o Recife para a sessão de hoje.

Perguntamos a Lírio como é administrar o personagem principal que é pai da produtora. Ele respondeu, “não foi fácil. Afinal, o filme aborda a trajetória do pai dela e todo o processo acabou sendo uma descoberta de um pai que Denise não conhecia muito bem. A trilha sonora da juventude de Denise não era o baião, mas o rock brasil dos anos 80. Ela também perdeu a mãe antes da finalização do filme. Contudo, Denise é uma pessoa muito meiga e afetiva e nós, apesar de sermos piscianos e cabeças duras, nos entendemos muito bem”.

Lírio Ferreira volta a demonstrar intimidade com o trabalho de arquivo que fez de Cartola um filme tão rico, e que parece mover Baile Perfumado com as imagens de Benjamim Abraão. “Material de arquivo sempre exerceu um certo magnetismo sobre mim. O registro de um instante único. A possibilidade de poder recriar estes instantes, através da montagem, um cenário propício para um personagem marcante cruzar este tempo, foi a energia criativa e motora que impulsionou tanto Cartola, quanto O Homem Que Engarrafava Nuvens”, nos falou Lírio há alguns dias.

Nesse aspecto do filme, Denise Dumont destaca o trabalho de Antônio Venâncio, “O melhor e mais tenaz pesquisador de imagens do mundo! Esse anjo está no projeto desde o primeiro momento e a pesquisa que ele fez enriqueceu e contextualizou o filme de forma magnífica”.

Dumont levantou o dinheiro no Brasil (governo do Ceará entrou forte, Teixeira nasceu no Cariri) e EUA (investidores privados). É ela quem apresenta o filme na frente da câmera e é vista pontualmente costurando informações e pesquisando o seu próprio passado. Seu pai faleceu em 1979, na época Dumont fazia a novela Marrom Glacê, na Globo. Ela casou e mora nos EUA já há 22 anos. A reportagem do JC tentou comunicação com Dumont, que estava essa semana em Paris, antes de vir ao Recife, mas sem sucesso.

Num filme sobre um pai, é o depoimento da mãe que deixa algumas impressões fortes e define o tom pessoal do filme para Dumont. Com cerca de uma hora de projeção, uma entrevista tão doce quanto dura com a ex-esposa de Teixeira coloca, de forma muito pessoal, as coisas em perspectiva. Esse momento foi muito comentado quando da estréia do filme no último Festival do Rio.

Sobre essa sequência do filme, Dumont nos falou que « foi difícil em termos pessoais. Por outro lado foi um resgate/exorcismo tremendo na nossa relação. Havia muito ressentimento e culpa e foi maravilhoso termos tipo a oportunidade de examinar aquilo tudo. No final daquela entrevista, me senti livre para amar a minha mãe de novo e compreendê-la. E na verdade, ao meu pai também. Tornou ele humano pra mim. Quanto a colocar aquilo tudo no filme, foi a minha vez de ter a delicadeza de sair do caminho e deixar o diretor trabalhar em paz. Esse filme é do Lírio Ferreira ».

Com entrevistas filmadas em película por Walter Carvalho, Lirinha, Otto, Nelson Motta, Gal Costa, Chico Buarque analisam o legado de Teixeira, ou simplesmente cantam-no, caso mais claro de convenção cedida pelo filme. Ouvir versões diferentes de Asa branca nas vozes de Maria Bethânia, David Byrne e Caetano Veloso resulta em audições particulares que realmente ilustram o alcance de uma peça musical que faz parte do DNA cultural do Brasil.

Teixeira, que também foi deputado federal e autor de mais de 400 músicas, deixou marcas indeléveis na cultura brasileira através de, especialmente, a música e o baião. O filme, enquanto validação de um artista que talvez não tenha os créditos que merece, também se mostra um desejo claro. O fato de ser o compositor mais discreto e Gonzaga o astro pop de gibão e sanfona sempre exposto também explicam isso.

Com a carreira do filme em festivais internacionais (Amsterdã, Miami, Toulouse, Cartagena) perguntamos como esse personagem tão brasileiro, e sua música, tem sido percebido no exterior. “Por onde passou, o filme tem tido uma recepção muito calorosa. Pessoas que conhecem a história se emocionam e as que não conhecem ficam compenetradas com a descoberta. Não é raro ver gringo agradecendo pela sessão ou fazendo um depoimento pessoal.”

Coletiva Gavras



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Costa Gavras recebeu a imprensa nacional, presente no Cine PE, durante concorrida coletiva ontem, num hotel em Boa Viagem. Falando espanhol fluente, Gavras, que é grego com cidadania francesa, respondeu perguntas durante aproximadamente uma hora. Informou que seu espanhol é chileno, e lembrou do período de Salvador Allende, antes do golpe sangrento de Augusto Pinochet, época em que filmou Estado de Sítio. Gavras falou da sua formação política em Paris, sobre a tecnologia que muda no cinema (é o diretor da Cinemateca Francesa, em Paris) e sobre sua relação com a América Latina, que inclui, ao longo da sua trajetória, uma relação de amizade com Miguel Arraes.

“A formação política percebida nos meus filmes talvez venha da vida, por ter vivido num país (a Grécia) ocupado pelos nazistas, depois vitimado por uma guerra civil que ainda passou pela Guerra Fria. Já na França, tive muita sorte de encontrar pessoas como Yves Montand e Simone Signoret, sem radicalismos ou preconceitos e muito pragmáticas na forma como vêem a sociedade”.

Perguntado se seus filmes deixaram de ser políticos ao longo dos anos para tomar o rumo do comentário social, Gavras, 76 anos, disse não ver a diferença entre filmes políticos e de cunho social. Às vezes é mais importante termos um filme de aspecto social, e aí sermos inevitavelmente políticos”.

Sobre Eden a L’Ouest, seu filme mais recente e que abriu o Cine PE na segunda à noite, alguns colegas reagiram à rapidez narrativa do filme. Gavras respondeu, “nos últimos 20 anos, tanto para os espectadores como para nós, realizadores, a linguagem do videoclipe mudou completamente a capacidade de entender o cinema. Impossível não pensar nesse tipo de mudança ao fazer um filme. Quis fazer um filme que tivesse essa pressa, mas sem apelar para a gag. Jacques Tati dizia que não é necessário fazer gags para ser engraçado, basta olhar para a sociedade”.

Com a América Latina presente em dois filmes memoráveis da trajetória de Gavras (Estado de Sítio, ambientado no Uruguai e filmado no Chile, e Desaparecido – Um Grande Mistério, filmado no México e ambientado no Chile), Gavras relatou que “a América Latina é um laboratório social e político para o observador. Essa sua impressão teve início quando buscava a história de um embaixador americano que foi da Grécia para a Guatemala. Investigando esse personagem, encontrou também um tema recorrente nos seus filmes, a intervenção dos EUA na política do sub-continente. “Perdi grandes amigos para a repressão política nesse período”.

A reportagem do JC perguntou se procedia a informação de que Gavras teria tido uma relação de amizade com Miguel Arraes. “Fui muito próximo de Arraes durante o exílio. Já nos anos 90, creio que no último governo dele, viajei com uma delegação francesa ao Chile e passamos algumas horas no Recife. Arraes falou muito mais comigo do que com o primeiro ministro francês...”

Anteriormente, Gavras conheceu Arraes na época em que pesquisava um personagem de Estado de Sitio, um americano que dava consultoria de tortura e métodos de repressão, personagem que, no filme, cita nominalmente Pernambuco como foco de violência numa cena em que o mapa e bandeira do Brasil são usados usado como pano de fundo. A cena em questão foi o principal motivo apontado pela censura federal do governo Médici para proibir o filme no pais, na época.

Nossos Ursos Camaradas

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Fernando Spencer, 82 anos, escreveu por mais de 30 anos para o Diario de Pernambuco, equilibrando ainda, ao longo dos anos, uma prolífica realização em cinema, suficiente para lhe reservar lugar de respeito na trajetória do cinema pernambucano. Spencer mostrou Nossos Ursos Camaradas fora de competição no Cine PE.

Nossos Ursos Camaradas é a nova obra de uma filmografia que já está na casa das 30 produções, marcando 40 anos de carreira para o cinema de Fernando Spencer, esse ano.

Seu novo filme é uma crônica bem humorada com aspecto de filme documentário antropológico misturado com uma graciosa narrativa popular. Investiga o papel que os ursos têm no imaginário pernambucano a partir de debochadas subversões que o lero peculiar das ruas é capaz de nos permitir, e esse urso é muitas vezes o amante da esposa, aquele que põe um belo par de chifres no marido inocente.

O filme surgiu de um pedido que Spencer fez ao amigo, escritor e folclorista Mario Souto Maior (falecido em 2001), um dos maiores pesquisadores da cultura em Pernambuco. “Pedi que me desse não mais do que uma lauda sobre os ursos, da La Ursa do carnaval ao urso que sai pela janela quando o marido o flagra na cama com a mulher”. Com 12 minutos de duração, o filme é narrado por Renato Phaelante, colaborador de Spencer já há algum tempo, e seu colega de Fundação Joaquim Nabuco (Spencer esteve à frente da Cinemateca da instituição entre 1980 e 2000).

Nossos Ursos Camaradas custou R$ 140 mil, um curta caro e, para a filmografia de Spencer, sua super produção. R$ 80 mil vieram pela Petrobras como uma incomum carta branca de realização para Spencer, honra que o levou a associar-se à empresa Página 21, que já administrara o importante projeto de lançar boa parte da filmografia de Spencer em DVD, há dois anos. Os produtores levantaram mais R$ 60 mil para o curta.

Conhecido como o cineasta das três bitolas (super 8, 16 e 35mm), Spencer deveria acrescentar uma quarta, o digital. Semana passada, ao reunir-se com a imprensa, reclamava do tempo que levou para que o filme ficasse pronto. “Minha escola é o super8, bitola que me oferecia um verdadeiro laboratório dentro da câmera”. Perguntado se gosta de poder ver o que filma no monitor digital das filmagens modernas, o cineasta afirma que “não, prefiro ter meu vistor analógico para ver o que eu quero”.

Superbarroco



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O filme Superbarroco, imaginado por Renata Pinheiro, é um desses objetos filmados não identificados que Pernambuco tem produzido com certa constância, e sem maiores explicações. Não há piadinhas, não há exatamente um início, meio ou fim, mas há algo que parece faltar a boa parte dos filmes que vemos no mundo, a imagem. O filme de Renata Pinheiro exibe hoje à noite na mostra competitiva de curtas do Cine PE, três semanas antes da sua exibição em Cannes, onde foi selecionado para a prestigiosa Quinzena dos Realizadores.

Pinheiro, que tem uma carreira reconhecida como diretora de arte (Baixio das Bestas, A Festa da Menina Morta), função que tem participação importante no visual de um filme, é também artista plástica. Em alguns casos, no cinema, esse tipo de credencial explica a total falta de interesse numa narrativa linear e uma viagem de maionese sem volta e sem fim. Não nesse caso.

Superbarroco de fato ejeta uma narrativa comum para nos apresentar um homem (Everaldo Pontes, ator na cara e no corpo) e, talvez, o que se passa pela sua cabeça, ou um pouco dos seus sentimentos. Não é exatamente simples expressar esse tipo de coisa em cinema, investir em sensações e não tanto em ações, e eis que Pinheiro, Pontes e o fotógrafo Pedro Urano aos poucos, e de maneira potente, nos levam lá.

Alguns poderão achar estranha a afirmação acima de que falta imagem na maior parte de filmes hoje no mundo. Falta pelo fato de a imagem em cinema ser tão ampla no que ela nos traz, podendo sair da obviedade do “isso é isso”. Em Superbarroco, temos muitas vezes a superposição de imagens diferentes de uma vez só, nos lembrando que a água, a comida ou a arquitetura de uma casa podem ser uma extensão de nós mesmos, dos nossos sentimentos e das nossas lembranças. Exatamente como o cinema.