Tuesday, January 19, 2010

O Homem Que Engarrafava Nuvens


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O trailer de O Homem Que Engarrafava Nuvens (Brasil/EUA, 2009) anuncia o retrato de alguém que ficou na sombra de um outro alguém. Parece buscar uma certa identidade perdida do artista que foi Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga. É um filme sobre autoria, na tela e fora dela, mostrando-se ainda mais rico por ser fruto de um cineasta autoral como Lírio Ferreira, energizado por Denise Dumont, filha do personagem foco e produtora do filme.

Desse curioso embate, surge um exemplar diferenciado num gênero que tem se revelado vedete do atual cinema brasileiro, o « documentário musical » de pequeno porte que tem rendido resultados positivos nas bilheterias. Positivos o suficiente para que a Rio Filme, distribuidora de filmes brasileiros, tenha adotado orientação recente de buscar exatamente esse tipo de filme como prioridade. Essa, claro, é uma outra discussão.

O Homem Que Engarrafava Nuvens, no entanto, parece superar algumas vezes o simples rótulo de mercado « documentário musical », um pouco como Lírio Ferreira fizera (ao lado de Hilton Lacerda) com o ensaio de imagem e som que foi Cartola (2005), sucesso notável no gênero.

Em primeiro lugar, temos um realizador totalmente apaixonado pela imagem de arquivo, aqui usada como prova de vida, e não apenas como documento ilustrativo. Essa vida encontrada no passado nos apresenta uma montagem moderna que reforça não apenas o personagem, mas o filme em si. Esse aspecto da montagem do arquivo já era percebido em Baile Perfumado (1996), que Ferreira dirigiu ao lado de Paulo Caldas, e, principalmente, em Cartola.

Esse efeito duradouro do passado é percebido não só na construção de um histórico vivo no filme, mas, claro, na obra de Teixeira em si, cantada por muitos, dentro e fora do Brasil, numa exportação natural de melodias que passam por Carmen Miranda em filmes da Fox dos anos 40 a David Byrne, na Nova York pós-11 de Setembro.

Temos ainda um outro lado muito rico para esse filme, com a mão e os pés da produtora e filha. A investigação pessoal de Dumont, na frente da câmera, às vezes. O que poderia passar como uma jornada em torno do seu próprio umbigo, revela-se uma busca pelo cordão umbilical cortado entre ela e o próprio pai.

Suas descobertas, com destaque para um depoimento duro da sua mãe, dão ao filme aspecto pessoal extra, marcado por aquele tipo de obsessão que é tão importante em obras verdadeiras.

No cinema, cada um escolhe o seu, mas da obra sempre verdadeira oferecida por Lírio Ferreira até agora, O Homem Que Engarrafava Nuvens talvez seja o seu melhor filme. Tem energia, amor pelas imagens e sons, do passado e do hoje, e nos apresenta o retrato de um personagem perfeito para abordagem. Alguém que lhe surpreende, como o filme em si.

Filme visto no Palácio 1, Festival do Rio, setembro 2008

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