Tuesday, January 19, 2010

Avatar


"Bom esse seu render!"

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio.

Quando eu saí de Avatar (EUA, 2009), ficou sensação estranha de que a maior revolução do cinema é, na verdade, o equivalente a pinturas infantis borradas a dedo, feitas com uma nova eTinta que todos querem comprar. James Cameron levou mais de dez anos desenvolvendo novas tecnologias para fazê-lo e, ao que parece, menos tempo no roteiro. A aventura eco-3D enche os olhos com coisas brilhando para disfarçar uma surpreendente mentalidade "Me-Tarzan-you-Jane". E estréia na semana em que a Conferencia do Clima, em Copenhague, clama para que o Brasil limite o desmatamento na Amazônia.

Avatar se passa num planeta arborizado chamado Pandora, onde os nativos são esguias criaturas azuis que andam e pulam em 3D, os Na’vi. Não seria absurdo pensar que os designers de Cameron usaram super models humanos de passarela (o padrão atual de beleza midiatizada) como planta baixa para esses seres puros, criaturas benignas que respeitam a natureza e têm na floresta sua fonte de energia vital e espiritual. São pós-gnomos, longos, esotéricos e azuis, e em alguns momentos, exalam uma sensibilidade Xuxa realmente notável.

O filme se passa no ano 2154, e, pelo jeito, só os EUA sobreviveram como cultura, pois são os americanos (sem qualquer sinal de estrangeiros) que colonizam Pandora. Os americanos continuam fazendo filmes como este, e colonizando outras culturas. Nada contra, apenas uma constatação.

Munidos de força militar e de cientistas que pesquisam Pandora, temos aí a divisão clara de gente muito muito ruim e gente boa boa boa: os milicos querem passar o trator, os cientistas respeitar e entender os nativos azuis.

Temos nosso herói, um ex-soldado, numa cadeira de rodas depois de incidente violento relatado. Jake (Sam Worthington) irá entrar no programa de avatars dirigido pela cientista Grace (Sigourney Weaver). Como em Tron ou em Matrix, ele projeta-se para um duplo, aqui criado a partir de DNA humano e Na’vi.

Dominando a língua nativa, Jake, na sua versão gnomo-Na’vi, irá infiltrar-se na floresta e descobrir o valor de uma nova civilização toda verde e bio-degradável. Encontrará também a sua Pocahontas/Jane, garota azul e também esguia como ele, espécie de mega-gata-azul.

Eles voltam-se contra as forças do mal armadas até os dentes com máquinas descomunais, loucas para pôr as mãos num rico minério, o McGuffin da história, até pelo fato de chamar-se Unobtainium. Ao final, teremos o longo embate entre arco e flecha com chumbo grosso e foguetes. Onde estão os Ewoks para ajudar?

Li uma crítica elogiosa da Variety onde comenta-se que Cameron não seguiu as normas atuais de Hollywood, que é adaptar para o cinema livros, videogames, brinquedos, sapatos e chaveiros, optando por um universo totalmente original.

Talvez para os espectadores de 12 anos de idade que não conhecem Flash Gordon Contra o Imperador Ming no Planeta Mongo, Tarzan, Pocahontas, O Retorno do Jedi, Dança Com Lobos, Xuxa e os Duendes ou Beto Guedes, Avatar pode passar como uma grande e apetitosa novidade.

Na verdade, esta parece ter sido a principal contrapartida de Cameron, seu plano de negócios. Sem propriedade intelectual já estabelecida como marca no mercado, ele parece ter feito um decalque digital do que é mais pedestre e surrado na grande aventura do descobrimento e da colonização, mas iluminando isso com uma técnica realmente interessante de união de elementos captados separadamente, unidos no produto final de forma capaz.

Ocorre que técnica por técnica não gera muita sustentação para este observador. Fica a sensação de que fui ver a apresentação de uma revolucionária obra musical, dando conta de que nada mais era do que "parabéns pra você" tocada em 3D.

James Cameron, um diretor empolgante no sentido de ação e visualização, tem o sério problema de apoiar-se demais na tecnologia. Filmes excelentes do seu passado como os dois Exterminador do Futuro e Aliens continuam fortes, mas curiosamente datados.

True Lies, filme fascinante na comunhão de gêneros (história de amor sobre o casamento com espionagem), parece sair-se melhor como documento. Em Avatar, vende-se a tecnologia acima de tudo, uma suposta “revolução” que parte importante da crítica tem apoiado com bizarro fervor. Deve envelhecer terrivelmente rápido.

Felizmente, para Cameron, Jon Landau, a Fox e os exibidores equipados atualmente com projetores 3D, Avatar está acontecendo hoje. A técnica do filme, realmente destacada, parece estar induzindo a grande multidão internacional do cinema a um transe coletivo, a primeira vez que nessa nova fase digital uma técnica pega de jeito o público.

Eu citei acima Tron e Matrix, aventuras técnicas em 2D que trouxeram a proposta de imersão narrativa e áudio-visual para o espectador, que via-se projetado como os próprios personagens, como um duplo (ou um avatar) dentro dos filmes.

O sucesso de Avatar reside, muito provavelmente, na sua capacidade de, mais do que nunca antes, propor uma catapulta sensorial incomum do espectador para dentro de um filme. E no mundo de 2010, nossas imersões virtuais em games, sites, perfis reais e desejados nunca foi tão grande. Avatar apenas chega para completá-las.

Filme visto no Box Cinemas, em 3D e som perfeito. Recife, Dezembro 2009.

5 comments:

Murilo said...

Tive uma sensação muito bizarra também quando saí da sessão, de que as três horas de filme eram só pra justificar os intermináveis quinze minutos de créditos finais, incluindo aí todas as novas patentes registradas por Cameron, Pace/Fusion/Cameron-3D e o escambau. Espécie de conferência high tech para investidores numa Eletronic Expo da vida.

marcelo said...

melhor crítica ever.

Rodrigo Almeida said...

http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2010/01/20_425-alt-pocahontas.jpg

Gustavo Maciel said...

Aquele problema do Box, das cores lavadas com uso dos óculos, ainda existe?

CinemaScópio said...

Gustavo, o Box tem problema crônio de reprodução de vermelho. Mas como Avatar é azul, er... me pareceu ok.