Tuesday, January 19, 2010

Globos de Ouro


Avatar ganhou dois Globos.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Texto originalmente publicado no Jornal do Commercio

O apresentador inglês Ricky Gervais (da série The Office) chamado para animar a 67a edição do Globo de Ouro, pré-arremedo do Oscar, domingo à noite, enquadrou cerimônia tão frívola: “Tanta gente famosa para celebrar os melhores trabalhos do ano feitos... pela cirurgia plástica!”. A piada parece definir bem o grande vencedor da noite, Avatar, de James Cameron, rei do mundo em Titanic, agora o rei de Pandora.

A piada explica também os caminhos da premiação, resultado, ao que parece, do reconhecimento do tamanho da carteira dos ganhadores. Tudo isso na semana que viu o terremoto no Haiti colocar a realidade paralela do glamour em perspectiva, algo que talvez explique o porquê de imagens de George Clooney na mesa do seu filme Amor Sem Escalas o mostrarem de cabeça baixa, talvez constrangido de ali estar. Clooney prepara (nesta sexta) um especial na TV americana que irá arrecadar dinheiro para o Haiti.

E frívola é uma palavra que apenas começa a descrever a distribuição de prêmios da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, formada por jornalistas apaixonados pelo glamour do cinema, e, ao que parece já há anos, não tanto pelo cinema em si. Nos pareceu o bobo de ouro.

Avatar, que aproxima-se dos 500 milhões de dólares somente nas bilheterias americanas, levou melhor Filme e Melhor Diretor. Cameron, em formato pateta, balbuciou palavras no dialeto imaginário do seu filme e propôs salva de palmas para todos no recinto, “pois temos o melhor emprego do mundo, vamos lá!”.

O grande perdedor na categoria drama (filme e direção), nesse sentido, foi Guerra ao Terror (The Hurt Locker), de Kathryn Bigelow, por acaso, ex-esposa de Cameron. Mundo pequeno. Na categoria comedia ou musical, pegaram também o maior bolão do último ano fiscal, Se Beber Não Case, filme coqueluche nos EUA.

Isso desbancou Nine, a grande aposta dos irmãos Weinstein, ex-reis de Hollywood via Miramax, agora se levantando aos poucos de uma fase ruim. Com nove indicações para dois dos seus filmes (Nine e Bastardos Inglórios), talvez ainda não tenham saído da má fase, só converteram uma, melhor ator-coadjuvante para Christoph Waltz, por Bastardos. Waltz, uma pena, fez discurso constrangedor, uma tentativa de poesia sobre como o Globo entrou no seu universo e Tarantin... anyway.

Outra derrota chocante foi a de Quentin Tarantino, cujo roteiro para Bastardos Inglórios é claramente a melhor coisa em Hollywood nesse e em outros anos. Prêmio foi para Jason Reitman, por Amor Sem Escalas, que estréia sexta-feira. “Ainda estou esperando ouvir seu nome, Quentin...”, disse Reitman já no palco.

Merryl Streep, grande atriz que, já madura e querendo apenas se divertir, ganha prêmio até por ir ao supermercado. Levou um globo pela leve porcaria que é Julie & Julia, sem falar que competia com ela mesma em outra comédia, Simplesmente Complicado. Mencionou elegantemente o Haiti, sem falar exatamente do Haiti.

Robert Downey Jr, figura impagável, sem dúvida, ganhou ator de Comédia pelo tipo de filme de multiplex que, num mundo perfeito, não ganha prêmio de nada: Sherlock Holmes.

Sandra Bullock foi recompensada com um globo pela maior bilheteria da sua carreira por O Lado Cego e Jeff Bridges, um grande sujeito sempre sub-apreciado, foi o escolhido por Coração Louco. Tive estranha sensação de que não era Bridges que subia no palco, mas The Dude (ou El Duderino).

Paul McCartney anunciou que Up, da Pixar, foi o vencedor em animação, lembrando que o gênero não é restrito ao público infantil, “mas também é querido por adultos que se drogam”. Filme estrangeiro foi para o autor europeu Michael Haneke, ganhador da Palma de Ouro em Cannes, por A Fita Branca, cuja vitória no Oscar já é certa, anote aí.

Martin Scorsese, homenageado da noite, quebrou o clima de frivolidade falando sobre cinema da maneira que só ele sabe. Rápida, decente e profundamente. Foi apresentado por Leonardo DiCaprio e Robert de Niro, esse último, comicamente (e estranhamente) sugeriu que Scorsese ama tanto o cinema que possivelmente imagens no You Tube mostrem ele trepando com filmes 35mm. Hm...

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