Thursday, January 21, 2010

Cheri


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Cheri (Inglaterra/França/Alemanha, 2009), dirigido pelo sempre afiado Stephen Frears, e com Michelle Pfeiffer, é uma diversão aparentemente passageira dotada de alguns prazeres. Vem com um ferrão emotivo ao final. Frears, mesmo assim, evita habilmente as questões mais simplistas do dramalhão.

No último Festival de Berlim, há quase um ano, Cheri passou em competição, mostrando-se um filme de apelo popular sobre os meandros da paixão e das classes sociais, na Paris da Belle Époque.

Foi, no entanto, mal tratado pela crítica, especialmente entre ingleses e franceses, revelando a histórica rivalidade entre as duas partes. A grosso modo, os franceses acharam deplorável o tom britânico em cima de história tão francesa. Os ingleses não entenderam o filme, cuja carga é inevitavelmente gaulesa. Isso, claro, é curioso, mas Cheri nos pareceu bem distante do ruim.

Cheri não é a personagem de Pfeiffer, que chama-se Lea, uma cortesã, mas o apelido do seu amante mais amado (o ator inglês Rupert Friend). Cheri é um rapaz mimado que ela pôs no colo quando criança, mas que agora a põe no colo já crescido. Ele é filho de uma outra cortesã, já aposentada, a cobra cascavel Madame Peloux (Kathy Bates, ótima).

O conceito de cortesã, e algumas das peculiaridades sociais que acompanham esse status na época, é algo que o filme encarrega-se de explicar muito bem na voz do próprio Frears, também narrador de tom alegremente sarcástico (extremamente britânico, aliás).

Já na casa dos 50, Lea quer recolher-se com dignidade, com o pé de meia conquistado ao longo de três décadas de cama. Foi a amante bem sustentada por uma série de homens importantes cujas relações com ela eram segredos que todos sabiam na alta roda de Paris.

Sem nunca ter se rendido ao amor, Lea percebe que está falhando ao ver-se cada vez mais carente sem a presença de Cheri, personagem quase sempre insuportável e de notável crueldade e insensatez. O grande desafio de Lea é lidar com o casamento de Cheri com Edmee (Felicity Jones), jovem socialite, outra cria da casta cortesã.

Aspecto importante do filme é a necessidade de esconder emoções e nunca perder a classe (o popular rebolado) nesse mundo feminino das cortesãs, onde o poder sexual associado à mulher bela é a sua arma mais eficaz. É algo que Pfeiffer já transmitiu com muita força no excelente A Época da Inocência (The Age of Innocence, 1993), um dos filmes menos festejados de Martin Scorsese. Ali, ela também interpretava uma mulher clássica, lidando com as etiquetas dos sentimentos.

Importante lembrar que Pfeiffer trabalhou exatamente 20 anos antes com Frears numa outra adaptação britânica de escritos franceses, Ligações Perigosas (Les Liaisons Dangereuses, de Pierre de Choderlos de Laclos), um filme ainda melhor. Ela deleita-se com o texto rápido e ácido adaptado por Christopher Hampton (também roteirista de Ligações Perigosas), a partir dos escritos de Colette.

Vendo Pfeiffer em Cheri, não é difícil pensar como a trajetória dela, como atriz, espelha algo da cortesã que interpreta. Sob os serviços de Hollywood já há 30 anos, ela chega aos 51 num ritmo bem menor, os bons papéis já escassos.

A indústria teme a idade das suas estrelas e só investe na beleza jovem, sempre. Tudo isso foi tão bem colocado por Billy Wilder em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), e, vez ou outra, vemos isso acontecendo na nossa frente, na própria tela do cinema.

Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fevereiro 2009

1 comment:

Leandro said...

Tive a impressao de que o Freas tentou fazer um novo "Ligacoes Perigosas" e acho que ele foi um pouco infeliz. Nao que "Cheri" chegue a ser ruim, mas eh bem aquem do esperado. Gosto do sempre belo "Minha Adoravel Lavanderia" e do subestimado "Mary Reilly".