Thursday, May 14, 2009

Tetro (Quinzaine)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Francis Ford Coppola apresentou hoje em Cannes seu filme mais recente, Tetro, atração de abertura da Quinzena dos Realizadores, que acontece no Hotel Noga Hilton. A projeção do filme foi seguida de um debate entre a platéia e o realizador, que estava acompanhado da sua esposa Eleanor, do filho e assistente Roman Coppola, do ator americano Alden Ehrenreich e da atriz espanhola Maribel Verdú.

Coppola, pode-se dizer, é membro honorário de Cannes, ganhador de duas Palmas de Ouro no festival nos anos 70 (A Conversação e Apocalypse Now). Em Tetro, fez um filme pequeno, em digital, rodado na Argentina, espécie de volta ao tipo de cinema independente de autor que sempre quis fazer. Os resultados, no entanto, não são muito animadores, exceto pelo fato de ele estar novamente livre para fazer o que quer.

“Onde está Vincent Gallo?”, foi a pergunta que o próprio Coppola fez ao microfone, ao sentir a falta do seu ator principal no palco do Noga. Gallo (ator, roteirista e também cineasta, conhecido pelo seu notório – em Cannes – The Brown Bunny) interpreta um escritor americano arredio chamado Tetro, casado com uma argentina. Querendo manter-se longe da família nos EUA, ele mora no bairro boêmio de La Boca, em Buenos Aires, e recebe a visita do irmão caçula dele, Bennie (Ehrenreich), de 17 anos, na cidade porque o navio de cruzeiro onde trabalha sofreu uma pane.

Dos quatro filmes vistos até agora por mim em Cannes, todos foram projetados digitalmente, e Tetro tem um sabor especial. Já há 26 anos, Coppola apresentou, em No Fundo do Coração (One From the Heart, 1982) um esboço de “cinema eletrônico”, idéia então revolucionária que viria trazer avanços no processo de produção de filmes. Naquela época, Coppola parecia estar à frente do seu tempo.

No caso de Tetro, a exemplo do seu último filme (inédito no Brasil comercialmente), Youth Without Youth (2007, filmado na Romênia), a produção é toda dele através da sua produtora American Zoetrope, e pretende inclusive distribuir ele mesmo o filme, sem a participação de terceiros.

Rodado em tela larga e alta definição, Tetro é quase todo em preto e branco (salvo cenas que mostram o passado, a cores), com uma imagem moderna de vídeo em alto contraste. Objetivamente, duvidamos se o filme terá um lançamento internacional nos cinemas, uma vez que a última safra de Coppola tem se mostrado distante, para dizer o mínimo, do cinema que o tornou um gigante há 30 ou 40 anos com filmes como O Poderoso Chefão. Difícil lidar com um autor no presente quando seu passado é tão impressionante.

E o peso desse tipo de cobrança parece pegá-lo com força nos nervos, a julgar pela forma como respondeu a uma indagação de um fã declarado que pegou o microfone durante o debate pós sessão. “Você quer saber qual a diferença entre Tetro e O Poderoso Chefão? Eu vou te dizer. 22 mortes a tiro, uma por garrote, um carro bomba, quatro mortes a faca, essa é a diferença”, encerrou curta e grosseiramente.

Como bem lembrou um crítico mexicano, o filme tem algo de O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish) na relação entre um irmão caçula e seu irmão mais velho. Essencialmente, há uma leitura mais abrangente em direção ao tema da família, e nesse sentido é impossível não lembrar mesmo de O Poderoso Chefão, ao mesmo tempo em que sabemos que as relações apresentadas no filme entre os dois filhos de uma família de artistas tem pararelos com a própria família Coppola. Seu pai, Carmine, foi músico, enquanto Francis é pai não apenas de Roman mas de Sofia Coppola, cuja carreira como cineasta autora já está firmada.

Em Tetro, o pai (interpretado por Klaus Maria Brandauer) é um grande regente, a mãe uma cantora de ópera, e a pressão nos dois filhos sempre foi enorme, levando o mais velho a escrever sem nunca ter a pretensão de dar um final aos seus escritos, muito menos publicá-los. A chegada do irmão caçula, que também tem uma visão artística de mundo no sangue, irá provocar mudanças e trazer revelações importantes.

“Creio que o tema família é recorrente nos meus filmes, nunca me desgrudei da minha mulher e dos meus filhos. Até mesmo em Apocalypse Now, moramos três anos nas Filipinas, sempre inventava sistemas para que ficássemos juntos”. Perguntado se o filme refletia algo verídico das suas relações familiares, ele respondeu “nada do que está no filme aconteceu, mas é tudo verdade”.

Coppola confirmou as notícias sobre a escolha de colocar Tetro na Quinzena dos Realizadores (mostra paralela) e não na seleção oficial. “Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu com Apocalypse Now em 1979, o filme na época não estava pronto, daí me ofereceram passar fora de competição. Argumentei que, já que passaria com todos os filmes, porquê não colocá-lo em competição? Esse ano, sugeriram programar Tetro fora de concurso, me prometeram o tapete vermelho e uma sessão de gala, mas achei melhor aceitar o convite de Olivier Pére da Quinzena, que tem um perfil histórico de valorizar filmes de autor como este”, disse.

“Desde O Poderoso Chefão que faço questão de incluir a autoria do material, que não vejo como minha. Sem nenhuma obrigação contratual, inseri “O Poderoso Chefão, de Mario Puzo”, o mesmo com “Drácula, de Bram Stoker”. Em Tetro, que eu escrevi, não tive nenhum problema em assinar o filme como meu, “Francis Ford Coppola’s Tetro”.

Filme visto no Noga, Cannes, 14 de Maio 2009

3 comments:

Anonymous said...

Vi os videos com as perguntas feitas à Coppola. Ainda nem vi o Youth without Youth, esse Tetro também deve demorar a chegar no Brasil.
E Thirst, você viu?

GILDO ARAÚJO said...

Como assim grosseiro! Está resposta é genial.

Gildo Araújo said...

Todo mundo fica babando por causa de O Poderoso Chefão. Eu sempre achei aquilo tudo, bem medíocre.