Thursday, September 3, 2009

A Bela Junie (La Belle Personne)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Uma quadrilha de cupidos parece estar à solta no liceu parisiense que é o cenário principal de A Bela Junie (La Belle Personne, França, 2008), filme de Christophe Honoré. O jovem e prolífico autor francês de Em Paris e As Canções de Amor volta a filmar o amor e a cidade com o tom de quem venera o passado do cinema e da literatura franceses. Adapta A Princesa de Cléves (La Princesse de Clèves), de Madame Lafayette, com peculiar autoridade.

Os prazeres antigos desse filme moderno são muitos, a começar pelo rosto da linda Junie, interpretada por Léa Seydoux. Sua cara, olhar, presença e personagem sugerem uma revisão de Anna Karina, a musa de Jean Luc Godard em filmes maravilhosos como Viver a Vida. O rosto de Seydoux é uma espécie de recuperação mágica de uma imagem clássica.

Se juntarmos ainda a presença de Louis Garrel (Amantes Constantes, Cançõe de Amor e Em Paris), que parece estar sempre assombrado pelo fantasma (no jeito e na semelhança facial) de Jean Pierre Léaud, muso de François Truffaut, confirma-se o fascínio que esse jovem realizador tem pela herança do cinema francês da Nouvelle Vague.

Se Honoré não fosse tão bom, seus filmes não passariam de uma bossa vazia vampirizando o passado. Honoré supera isso e transforma o passado em amor de cinema através de talento próprio. É uma estranha ocorrência de cinema retrô e autoral, embora, para ser bem sincero, talvez o seu maior traço pessoal seja a saudade de um cinema que ele revive.

Junie é uma adolescente que acaba de perder a mãe, mudando de escola para tentar arejar sua vida. É apresentada a todos pelo seu primo, Mathias. Sua beleza misteriosa e aérea inspira o amor instantâneo em dois rapazes. Dá quase para ver as flechas cravadas em seus corações e os cupidos rindo atrás de pilastras, arcos em punho.

Os ataques de amor não ficam apenas em torno de Junie, “a bela pessoa” do titulo original. O professor de italiano Nemours (Louis Garrel, ligeiramente jovem demais para o papel, mas sempre uma presença) envolve-se livremente com alunas e uma colega do corpo docente. Somos informados dos amores discretos de outros professores e um triângulo passional entre três garotos também vem à tona.

Depois de um tempo, fica difícil acompanhar quem está perdidamente apaixonado por quem, e quem está tentando largar o amor de um outro para, assim, deixar de sofrer. É uma linda ciranda com forte sabor literário da escola romântica, numa Paris moderna onde a arquitetura tombada do tradicional liceu reflete a tentativa de Honoré voltar a um passado.

Filme visto no Cine Rosa e Silva, Recife, Agosto 2009

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