Tuesday, May 19, 2009

Los Abrazos Rotos (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Deus nos livre de acusar Pedro Almodóvar de estar se transformando numa marca registrada dele mesmo, numa griffe. Tal comentário pode facilmente ser reinterpretado positivamente como uma outra marca, a de um autor, que ele é já há um bom tempo. No entanto, Los Abrazos Rotos (2009), que passou hoje em competição em Cannes, passa a sensação de estarmos entrando na filial de uma loja que gostamos e conhecemos bem, numa cidade que nunca estivemos antes. Uma franquia dele mesmo.

O filme, que está na competição, foi muito bem recebido, é bom e bem feito, mantém a atenção com a sua sofisticação e ainda oferece as cores quentes de sempre. Talvez seja a repetição da excelência dentro de um universo já muito conhecido que gere reação de leve vazio em relação a Los Abrazos Rotos (Abraços Partidos), o que não deixa de ser irônico.

Um autor que mantém o seu olhar sob sentido agudo e constante de qualidade e que termina por não surpreender. Isso, claro, para muitos, ou a maioria, pode ser visto como algo muito bom, vide a reação positiva da platéia de críticos, que aplaudiram muito. Já um Lars Von Trier, que sai procurando outras imagens em direção ao experimentalismo, não apenas capota e pega fogo como parece existir uma torcida para que suas experiências corajosas não dêem certo. Curioso, não?

Tendo visto seus últimos quatro filmes em Cannes, volta a sensação boa de estarmos acompanhando uma obra em construção para Almodóvar, cada filme um novo volume com lugar reservado na estante.

Voltamos à decoração colorida e às paredes vermelho sangue. As investigações sobre o processo de criação já vistos em A Flor do Meu Segredo, Tudo Sobre Minha Mãe, Fale Com Ela ou A Má Educação ganham um novo capítulo e Penélope Cruz é mais uma vez lambida pelas lentes do cineasta espanhol, sua musa e representação máxima da imagem feminina.

De fato, é um filme sobre o poder da imagem como forma de sentirmos a vida, sugerindo que o espanhol continua totalmente apaixonado pelo cinema. Dessa vez, temos um cineasta (Lluiz Homar) que ficou cego na conclusão de uma grande história de amor. A cegueira o faz abandonar seu nome de nascimento, Mateo, e adota o pseudônimo Harry Caine. Nos anos 90, apaixonou-se por Lena (Cruz), atriz que selecionou para trabalhar no seu filme, Mujeres y Maletas. Acontece que Lena era a amante de um grande empresário, Ernesto (José Luis Gomes), possessivo, poderoso e produtor do filme, que será o filme dentro de Los Abrazos Rotos.

Esse filme interno lembra muito Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, em tom e nas cores, e logo o clima de paixão entre Lena e Mateo irá definir o triste fim do filme que está sendo rodado. Não só isso, mas imagens da época da filmagem, feitas sob as ordens de Ernesto para registrar todo e cada passo de Lena no set se transformam em documentos para o futuro.

Los Abrazos Rotos parece existir na inspiração que imagens do passado têm sobre as pessoas, seja uma cena vista na TV de Viaggio in Italia, de Roberto Rosselini, ou nas imagens do amor perdido que um homem cego tenta sentir com as mãos, num monitor de vídeo.

Uma das belezas de estar em Cannes é poder ouvir de perto alguns dos maiores criadores do cinema, e o que eles têm para falar do que fizeram. No caso de Almodóvar, sua paixão impressa nos seus filmes chega intacta na sua palavra, e sua honestidade e interesse pelo que faz, e pelos com quem trabalha, é cativante.

“Dirigir atores é lidar com seres humanos, e alguém que comunica-se mal, com algumas exceções, é um mau diretor de atores. Tenho um acordo tácito com meus atores de poder meter a mão em partes muito íntimas, e isso pode ser doloroso”, disse o cineasta. Ele disse também que quanto mais absurda e delirante a situação retratada num filme, mais realista e naturalista será o trabalho do ator. “Esta é a chave para os meus filmes, a vida real dentro de um sentido absurdo”.

Sobre voltar ao Mulheres à Beira de Ataques de Nervos, “foi como ser revisitado pelos fantasmas de mulheres do passado desse filme tão importante para mim, feito há 20 anos.” Almodóvar adiantou que estará em NY em junho para a adaptação de Mulheres... para a Broadway. “O roteiro de Mulheres está mostrando-se fértil como nunca”, e isso inclui ainda uma série de TV para a Fox, em inglês, o piloto está sendo filmado.

Filme visto na Lumière, Cannes, 19 de Maio 2009

2 comments:

Rodrigo Almeida said...

Engraçado, acho que entendi finalmente o que me incomodava em Volver.

Lucas said...

Engraçado, acho que vou fazer o mesmo que os muitos críticos.
Será que ele ganha alguma coisa?